A situação da TACV/CVA está longe de ver uma luz ao fundo do túnel. Pelo contrário, agrava-se, a cada dia. Os sinais de alerta, como noticiou várias vezes o A NAÇÃO, já vinham antes do cancelamento das operações devido às restrições impostas pela aeronáutica civil a nível nacional e externo, devido à pandemia da Covid-19.
Já obrigados a conviverem com os habituais salários em atraso, contando-se agora os meses de Junho e Julho, por receber, a esmagadora maioria dos trabalhadores da companhia foi agora surpreendida com a suspensão dos contratos de trabalho.
Numa carta enviada a todos, datada de 24 de Julho, a administração da empresa informa que estão suspensos os contratos de trabalho “por um período de 90 dias com início a 1 de Julho, terminado a 30 de Setembro de 2020”.
No documento, a que o A NAÇÃO teve acesso, onde se faz sempre referência à empresa como TACV, e não CVA (Cabo Verde Airlines), os funcionários são ainda avisados que a “TACV cumprirá todas as suas obrigações legais”. Sendo que 70% da remuneração bruta mensal segue os trâmites do lay-off e será, então, comparticipada em 35% pela TACV e 35% pelo INPS.
A empresa justifica esta “suspensão” colectiva de contratos face à situação da Covid-19 no país e, entre outras questões, devido ao facto do Governo ter prolongado “a suspensão dos voos internacionais para o mês de Agosto e alguns países europeus não incluíram Cabo Verde na lista dos países autorizados a voar para a Europa” devido à pandemia.
Ou seja, sublinha a carta, “por imposição legal do Governo de Cabo Verde, a TACV encontra-se impedida de desenvolver a sua actividade”.
Segundo um piloto que preferiu preservar a sua identidade com medo de represálias, a TACV suspendeu os contratos de trabalho com quase 100% dos funcionários, sejam pilotos, pessoal de cabine ou em terra. A excepção são cinco pilotos que ocupam cargos de chefia na empresa, que não foram abrangidos pela suspensão.
O nosso interlocutor confirmou ainda a existência de 16 funcionários assistentes e comissários de bordo, todos jovens, que viram os seus contratos de trabalho não serem renovados: “Há 60 assistentes de bordo na lista para despedimentos. É um grupo novo das últimas contratações. Há alguns dos 16 a quem não renovaram contrato que nem sequer têm dinheiro para voltar para a Praia”.
Sem licenças
Também a situação dos pilotos, garante a nossa fonte, “é grave” e por isso “preocupante”. Pois, entre os 48 pilotos que integram a companhia, a maioria já perdeu a licença de voo há muito.
“De três em três meses, temos de fazer voos para manter a licença e a maioria já perdeu a licença. Temos apenas quatro pilotos ainda com licença, mas, mesmo assim, caduca em Setembro. Pois, com as aeronaves paradas, não podemos fazer voos. Além disso, a suspensão dos contratos de trabalho dura até 30 de Setembro, o que significa que também esses 4 vão perder as suas licenças”, denuncia.
Esse piloto decidiu falar, ainda que anónimo, para denunciar o que diz não ser correto: “O Governo está a passar a toda a hora uma imagem de que está tudo bem e sobre controlo na TACV, mas não está. Não podemos mais ficar calados”.
O mesmo desmistifica, entretanto, o que diz ser uma imagem “errada” da sociedade em relação aos pilotos que estão a passar “sabi” no Sal.
“Não corresponde à verdade, estamos parados e sem receber”, clarifica. Conforme explica, há funcionários que já regressaram à Praia, incluindo pilotos e outros. “Já entregaram as casas no Sal e voltaram para a Praia”.
O mesmo, que diz temer pela sua situação e dos colegas, refere ainda que “o sindicato tem medo de confrontar a empresa”, mas que urge resolver a situação de uma vez por todas e para isso é preciso “perder o medo de reivindicar”.
SATA “abocanha” voos da TACV no corredor aéreo
Mesmo “impedida de desenvolver a sua actividade”, como avançou a empresa na carta enviada aos trabalhadores, não deixa de ser estranho que a CVA ou TACV, como se preferir, integre a lista de companhias anunciadas pelo ministro cabo-verdiano dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, que vão dar cobertura às operações do “corredor aéreo” entre Cabo Verde e Portugal. A CVA junta-se à Sata e a TAP, como disse na altura.
MNE anuncia “Corredor aéreo” com aviões retidos em Miami
Contudo, segundo fontes do A NAÇÃO, e conforme já foi noticiado antes por este semanário, com os três aparelhos retidos em Miami (EUA), a TACV/CVA está sem aviões para poder entrar no referido “corredor aéreo”. Corredor esse que une Praia e São Vicente a Lisboa, oito vezes por semana.
Aliás, numa publicação numa página de rede social privada da empresa, datada de 27 de Julho, a propósito do mesmo corredor aéreo, o próprio CEO da TACV, Erlendur Svavarsson, esclareceu que “os aviões vão permanecer em Miami, até que a CVA seja financiada com sucesso e esteja pronta para voltar a voar”. Ou seja, enquanto não forem pagas as dívidas do leasing dos aviões, os mesmos permanecem em terra, neste caso, em Miami.
“O presidente da Icelandair disse-nos na página interna da empresa que enquanto não for paga a dívida não vamos receber os aviões,” garantiu a nossa fonte interna da empresa.
Entretanto, continua a ser grave o facto de a TACV estar a pagar o leasing dos aviões à Icelandair, estando os mesmos aparelhos parados e a acumular as dívidas do próprio aluguer.
Sem aviões, como vai a TACV fazer os voos? – é a pergunta que se impõe neste momento.
Segundo o nosso interlocutor, tudo indica que deve ser a SATA a fazer os voos da CVA no corredor aéreo. Curiosamente, a SATA tem agora Mário Chaves, o mesmo gestor português que até há pouco tempo era CEO da CVA, como um dos membros do conselho de administração, e que a Imprensa açoriana apresentou como tendo, em Cabo Verde, “salvado” a TACV.
Também a 30 de Julho, a TACV/CVA enviou outra carta ao pessoal a dar conta do fim da comissão de serviço de 21 instrutores operacionais, incluindo de ATR, que, contudo, sabe-se não realizava operações desde o início de Janeiro. Mais uma medida de contenção, que se justifica pela “inoperatividade” da companhia.
Hub do Sal comprometido
Essa fonte acredita que, perante a actual situação da empresa, o contrato do Hub do Sal está comprometido. “Já estão à procura de outro parceiro. O contrato do Hub com a Icelandair já não vai para a frente”, garantiu.
Ainda recentemente, o ministro Olavo Correia admitiu publicamente que, se o Estado não injectar dinheiro, a CVA/TACV vai à falência. Como reportou A NAÇÃO na sua edição anterior, nº 674, desde 2015, o Governo já desembolsou 14,450 milhões de contos na companhia, sendo 1,2 milhões já este ano.
Para muitos, todos esses avales constituem em atirar dinheiro para um poço sem fundo, um rombo, sem precedentes, nos bolsos dos contribuintes. Afinal, longe de melhorar, com a mudança do Governo em 2016, a situação da suposta companhia de bandeira de Cabo Verde agravou-se ainda mais.
(Publicado no A NAÇÃO (digital), nº 675, de 06 de Agosto de 2020)
Gisela Coelho