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Ambiente

Sobrepopulação de cães nas ruas: o que está por trás?

Barulho à noite, lixo remexido, matilhas a correr nas estradas e praças … Por todo Cabo Verde constata-se a presença de cães nas ruas. São acusados de incomodar e sujar, de propagar doenças contagiosas para os humanos e atacar o gado.

O fenómeno é secular ou mesmo milenar. O cão e o gato são animais que acompanharam a evolução histórica da humanidade, inseridos na sociedade, tendo o seu habitat natural junto dos humanos.

O cão entrou na história humana como o melhor amigo e o gato como a companhia mais admirada. Com as mudanças na sociedade humana e a melhor compreensão dos outros animais não humanos o convívio foi-se transformando. A maioria deles passou a viver nos apartamentos, adaptada aos novos ritmos humanos, conservando, no entanto, nas áreas rurais um modo de vida diferente.

Os anos 1960 e 70 foram marcados pela mudança de mentalidade, ganho de consciência e valores, em especial no que toca ao reconhecimento dos animais como seres sencientes. Sentem, tal como o homem, medo, sofrimento, fome, sede e conseguem construir relações afetivas.

A humanidade progressista reconheceu seus direitos perante a sociedade humana e estabeleceu padrões éticos de relacionamento e de trato. O cão e o gato passaram a ocupar um lugar ainda mais especial na vida humana.

São as crianças peludas, terapeutas contra a solidão, ajuda para as pessoas com necessidades especiais, nos resgates em caso de desastres naturais ou na polícia, entre outros. Podem entrar nos hospitais para confortar doentes e são reconhecidos como os melhores terapeutas para “levantar a moral”.

Crime

Maus tratos, tais como privar os animais de comida, de água limpa, dos cuidados básicos, o abandono, a tortura ou o assassinato são considerados crime, punível com pena de prisão em muitos países.

Portanto, perante os valores atuais, o ser humano tem a obrigação de cuidar e providenciar o bom trato dos cães e gatos e garantir a sua integração no lar familiar.

Mas, nem todos os países conseguiram avançar com o mesmo ritmo no que diz respeito à valorização, o respeito e o reconhecimento dos direitos dos animais.

Cabo Verde tem ainda um caminho longo a percorrer para recuperar o considerável atraso nesta matéria.

Os animais, por lei, são considerados como objetos, nem é lhes atribuído o estatuto de ser vivo. Muito embora os hábitos estejam mudando, o abandono e os maus tratos são frequentes.

Conhecer o fenómeno

O trabalho que a Comunidade Responsável tem desenvolvido no terreno, no seio das comunidades, assim como nos passeios urbanos e rurais, para conhecer este fenómeno, trouxe, ao longo dos anos, a compreensão e o conhecimento nesta matéria.

Encontramos cães deitados na porta das casas ou a passear livremente nas ruas e fomos perguntando: “Conhece este cão? De quem é? Na sua maioria respondem que o cão era da Joana, da vizinha, do anterior vizinho que mudou de casa, do Pedro e assim, por diante.

Ou seja, a maioria dos cães tem ou tinha dono. Muitos deles dormem também fora.

Mas, muitos dormem dentro da casa e são colocados na rua de manhã, onde passam o dia.

Algumas pessoas fazem isso porque vão trabalhar e não querem o cão sozinho dentro da casa, outros para que o cão vá procurar o seu alimento e até mesmo a água que necessita! Em tempo de cio, os cães acasalam-se livremente e as cadelas aparecem grávidas.

Muitas delas não são mais acolhidas em casa e seus filhotes não são assumidos pelos donos. São os cães “vadios”. Eis a razão por que todos procuram ter um cão macho! Na verdade, houve zonas onde, segundo os relatos, as cadelas são mortas à paulada quando ficam grávidas.

E as novas áreas urbanas, porque apareceram tantos cães? Cada guarda tem cães que vivem na área da construção que não é vedada, onde circulam livremente e acasalam-se sem controlo. Os filhotes são alimentados pelos trabalhadores.

No fim da construção, são deixados à sua sorte. Os donos das casas e dos prédios, em geral, não os reconhecem como sendo seus. São cães “vadios”.

Além disso existe o verdadeiro abandono porque o cão cresceu, ficou com carrapatos, pulgas ou sarna.

O cão é simplesmente colocado na rua e deixado à sua sorte, tornando-se igualmente cão “vadio”.

Uma certa vez, quando perguntamos pelo dono de um cão muito doente, disseram-nos que um cão naquele estado já não costumava ter dono.

Um cão atinge a idade reprodutiva no primeiro ano de vida e pode procriar uma ou duas vezes ao ano. Muito embora um cão que vive na rua, tenha a vida bem mais curta de que aquele que vive num lar, o número de cães aumenta continuamente até o limite da sustentabilidade populacional da zona.

Os cães que vivem nas ruas são expostos a imensos riscos como o atropelamento, a fome, a sede, doenças e maus tratos diversos, desde a morte por espancamento aos enforcamentos.

O problema, portanto, não é de hoje, nem é específico de Cabo Verde e foi estudado por organizações como a Organização Mundial da Saúde e a Sociedade Mundial para o Bem-estar dos Animais, entre outras.

O anexo à resolução da OMS, VPH/83.43, sobre o controlo mundial da raiva, analisou já em 1990 a situação em cinco continentes e apresenta amplamente o fenómeno, as suas razões, as experiências, os resultados obtidos e as soluções mais eficazes e eficientes, assim como as legislações adotadas.

Um cão ou um gato que vive nas ruas é um animal abandonado e, como tal, enfrentará uma vida trágica que resulta de negligência humana grave! A Comissão Europeia, em 1979 (!), declara que a sobrepopulação de cães e gatos nas ruas tem na sua raiz a ignorância humana que deve ser sistematicamente atacada.

Como temos visto, em Cabo Verde, as raízes desta situação não são diferentes dos outros países.

Os animais que são obrigados a viver nas ruas, chamados de cães vadios, são da responsabilidade da sociedade humana e ela é que deverá mudar de atitude e dar a mão ao nosso melhor amigo, o Cão. Se assim for, não teremos cães nas ruas.

Artigo assinado por: Comunidade Responsável

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