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Crescimento económico ou eleição? A realidade distante da propaganda pré-eleitoral em Cabo Verde

Por: António Medina

Em ano pré-eleitoral, quando o governo busca, a todo custo, consolidar sua imagem e alcançar votos para o futuro, é difícil não perceber que o uso de números económicos positivos como uma estratégia de campanha está sendo intensificado. Os dados divulgados recentemente pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que apontam um crescimento do PIB de 7,3%, são um exemplo claro de como a máquina do estado pode ser mobilizada para criar uma ilusão de prosperidade. Mas será que esse crescimento reflete realmente a realidade de todos os cabo-verdianos, ou é apenas uma cortina de fumaça, criada para desviar a atenção das reais dificuldades enfrentadas pela população?

A realidade do crescimento e a desconexão com o povo

Embora o crescimento do PIB de 7,3% seja um número impressionante à primeira vista, especialmente quando se observam setores como a indústria, o turismo e a construção com altos índices de crescimento, a verdadeira questão que surge é: para quem esse crescimento está realmente servindo? Um crescimento robusto do PIB não significa necessariamente uma melhoria na qualidade de vida da população em geral, como está sendo propagado pelo governo.

Os dados económicos podem ser positivos em termos macroeconómicos, mas a maioria da população continua a viver com salários irrisórios e lidando com o aumento constante do custo de vida. O salário mínimo de 17.000/19.000 ESC não é suficiente para cobrir as necessidades básicas de uma família cabo-verdiana em um contexto de inflação crescente, especialmente nos alimentos e bens essenciais. A pergunta que não quer calar é: onde estão os benefícios desse crescimento para a maioria da população que ainda luta contra a pobreza? Em vez de um aumento na qualidade de vida, muitos cabo-verdianos estão apenas vendo os números crescerem enquanto suas realidades permanecem inalteradas.

O crescimento como ferramenta eleitoral: a máquina do Estado em ação

Em ano de campanha eleitoral, fica evidente que esses números positivos estão sendo utilizados de maneira estratégica para convencer a população de que o governo está no caminho certo. O aumento do PIB e os dados de crescimento económico são frequentemente apresentados sem uma análise crítica sobre a distribuição desses benefícios e seu impacto real no cotidiano das pessoas.

É fundamental lembrar que, em períodos pré-eleitorais, os governos frequentemente tentam projetar uma imagem de sucesso para conquistar a confiança do eleitorado, mesmo que essa imagem esteja distante da realidade. O uso de indicadores económicos, como o crescimento do PIB, pode ser uma ferramenta eficaz para criar a ilusão de que a economia está prosperando, quando, na verdade, os problemas estruturais do país continuam sem solução. A tentativa de pintar um cenário de progresso, especialmente com números tão elevados, pode ser vista como uma tentativa deliberada de iludir a população, que, em sua maioria, está mais preocupada com questões cotidianas, como alimentação, moradia e acesso à saúde.

A desigualdade no crescimento: quem realmente se beneficia?

A grande questão que surge é: quem está realmente se beneficiando desse crescimento económico? Setores como a construção e a indústria têm apresentado resultados positivos, mas isso não significa que os cidadãos cabo-verdianos, especialmente aqueles nas camadas mais baixas da sociedade, estejam colhendo os frutos dessa expansão. O setor da construção, por exemplo, pode estar em alta, mas grande parte dos trabalhadores locais, especialmente os menos qualificados, não está necessariamente sendo inserida de maneira sustentável nesse processo. Da mesma forma, o turismo, um setor que impulsiona boa parte do crescimento, é volátil e vulnerável a crises externas, o que torna sua contribuição para a estabilidade económica local incerta.

Por outro lado, setores essenciais como o comércio e o transporte, que são mais diretamente ligados ao dia a dia da população, apresentam quedas no desempenho económico. Isso só reforça a ideia de que o crescimento do PIB não está sendo homogêneo e não está alcançando todas as camadas da sociedade de maneira justa. A economia pode estar crescendo em números absolutos, mas a disparidade entre os setores favorecidos e os mais afetados pela crise continua a ser um problema persistente.

A saúde e a educação: o lado esquecido da prosperidade

O setor da saúde, essencial para qualquer país que se considere em desenvolvimento, também não acompanhou o crescimento do PIB. Apesar das promessas de melhorias nas condições de vida, os cabo-verdianos ainda enfrentam dificuldades para acessar serviços de saúde de qualidade. A falta de investimentos adequados em infraestrutura e no treinamento de profissionais continua a ser uma barreira para que o setor acompanhe o crescimento económico que o governo tenta projetar.

No campo da educação, a situação também não é diferente. O desenvolvimento social e económico de um país depende diretamente de uma educação de qualidade, mas, infelizmente, Cabo Verde ainda enfrenta dificuldades significativas nesse setor, que não tem sido priorizado como deveria.

Em um ano pré-eleitoral, a propaganda e o marketing político ganham força, e a divulgação de dados económicos favoráveis, como o crescimento do PIB, pode ser vista como parte de uma estratégia para criar uma imagem de um país próspero e em crescimento. No entanto, é fundamental que o cidadão cabo-verdiano olhe além dos números e avalie as condições de vida reais, que não podem ser mascaradas por indicadores macroeconómicos.

O crescimento económico, por mais impressionante que seja, não é uma garantia de bem-estar para todos os cabo-verdianos, especialmente para aqueles que ainda enfrentam dificuldades extremas. A grande questão é se esse crescimento está sendo utilizado para melhorar as condições de vida de toda a população ou apenas para fortalecer a posição política do governo, visando as eleições que se aproximam. Em tempos eleitorais, a verdade se mistura com a propaganda, e é necessário que a sociedade tenha um olhar crítico para discernir o que é real do que é apenas uma tentativa de iludir a população com dados desconectados da dura realidade vivida por milhares de cabo-verdianos.

Portanto, a pergunta permanece: devemos realmente acreditar nos números apresentados, ou estamos apenas assistindo a mais uma manobra política em nome da eleição? A resposta está na capacidade de todos os cidadãos de olhar além dos números e exigir políticas públicas que transformem o crescimento económico em um benefício real e tangível para todos.

5/04/2025

*Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais

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