Por: Joaquim Arena
Quando ainda vivia com a mãe, na sua terra natal, em Benin City, no Estado de Edo, na Nigéria, ela não queria que o filho se metesse com mulheres. Queli decidiu então procurar uma mulher longe dos olhos da sua mãe. E a oportunidade surgiu-lhe quando amigos comerciantes falaram-lhe de Cabo Verde: eram ilhas, tinham bananas e mulheres bonitas. Queli gostava de bananas. Mas nunca tinha tido mulher.
Chegou à Praia em 1991 e hoje é uma das figuras mais emblemáticas do mercado do Sucupira. Todos o conhecem, todos o cumprimentam e Queli responde com uma frase de agradecimento no seu difícil seu crioulo de nigeriano. Todas as manhãs estaciona a sua ‘moto’ num espaço vazio de uma antiga loja, e ali fica. Por vezes escreve nas paredes em volta. E sorri. Sorri sempre. Os dentes alvos e a boca larga. A ‘moto’ não tem motor e não precisa porque Queli não anda de moto, nem nunca tirou a carta.
Apenas empurra-a, por todo o lado para onde quer que vá: quando sai da sua casa de Pensamento, quando atravessa a cidade rumo ao Sucupira. Ou quando dá as suas voltas com ela pela mão, no labirinto deste mercado. As pessoas, os comerciantes, dão-lhe um pouco de arroz, legumes, outro produto ali. Queli leva tudo para o seu espaço e ali mesmo cozinha o almoço.
Queli, na verdade, não é Queli. Chama-se Godson Una Me Kwe, é um nigeriano da etnia Igbo, que vive em Cabo Verde desde 1991. Nasceu em 1970. “Tenho 54 anos, está a ver, mas não me preocupo nada com a idade”, diz, no seu difícil pidgin inglês da Nigéria. Em Benin City não havia condições para ir à escola, só restava fazer comércio como todos os jovens. “Lavava a roupa que eu encontrava e tornava a vendê-la, no mercado, e foi assim que arranjei dinheiro para fazer o passaporte para vir para Cabo Verde.” As mulheres foram a primeira razão para deixar a mãe, os irmãos, a sua cidade e a Nigéria.
Apanhou avião para o Senegal e dali para a Praia. A primeira mulher que arranjou na Praia levou-a consigo para São Vicente, mas as coisas não correram muito bem. “Tratei de um lugar para vivermos, mas ela começou a desaparecer de casa e eu pensei que não estava a compreender o que se estava a passar com a minha vida.”
A cicatriz no rosto de Queli, debaixo do olho, era a prova disso mesmo. Vendia a sua mercadoria, sobretudo roupa, de porta em porta. É daí que lhe vem o nome. “Eu sou um tipo simpático, ‘I’m always moving’, e vendo tudo baratu, baratu: quel li é baratu, quel li é baratu. E por isso puseram-me o nome de Queli.”
Depois de São Vicente, regressou à capital e foi morar para o Pensamento, numa zona “onde não havia nada nem ninguém”. Queli tem dois filhos, Leny e Kevin, uma rapariga, de 26 anos e um rapaz, de 28. À pergunta se eles vivem na Praia ou com as respectivas mães, Queli sorri: “Bom, eles andam de um lado para o outro, ‘They move…’ mas sei que estão vivos…”
Queli sente-se bem em Cabo Verde e tem os seus documentos todos em ordem. Confessa que gostava de voltar à Nigéria para visitar a família. Mas ninguém da família alguma vez ligou para ele e uma chamada daí é coisa que não espera receber. Nos últimos tempos deixou o comércio. A razão foi que deixaram de lhe comprar os seus produtos e as coisas, entretanto, no negócio mudaram desde que chegou, há 33 anos. Agora vive do que lhe dão e entretém-se a ‘fazer música’, a cantar para as pessoas.
“Eu venho todos os dias ao Sucupira, to make them feel alright!”, diz, sorrindo, como uma criança deslumbrada. “Você vai dar-me qualquer coisa, não vai?” Tal como a mota, coberta de uma parafernália de plásticos por entre os espaços vazios do esqueleto, Queli transporta consigo vários espelhos, pendurados. “Servem para reflectir as más intenções”, e acompanha a explicação com mais uma forte gargalhada. Por fim, Queli diz que a família hoje já se deve ter “multiplicado” muito e que tem pena de não conhecer os seus novos membros. Mas logo o sorriso surge de novo: “Mas também estou ‘happy’ aqui.
