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“Civilização cabo-verdiana” – A educação prometida, o futuro ignorado

Por: José Mendonça Monteiro * 

Num futuro não muito distante, Cabo Verde se reunirá solenemente em torno de um fórum. Um Fórum. Com “F” maiúsculo, que certamente será recheado de palavras bonitas como “inclusão”, “qualidade” e “transformação”. Um verdadeiro desfile de intenções e esperanças, onde certamente, se ouvirá muito sobre a importância da educação, da formação de professores, do papel da investigação e da modernização do ensino.

A nobre pauta do Fórum Educação 2025 propõe um exercício coletivo de reflexão sobre os desafios e soluções da educação cabo-verdiana. E não é para menos: depois de décadas esperando, finalmente chegou o momento em que se promete melhorar as condições de trabalho dos Educadores. Com todo mérito, diga-se de passagem, pois só mesmo em nome de uma vocação inabalável — ou de um desemprego persistente — é que se explica a resiliência destes profissionais. Mas com melhores condições, vem também o fardo da cobrança: o Estado e a sociedade agora poderão/deverão exigir mais.

Espera-se, por exemplo, que o professor se torne um “professor-investigador” – essa criatura mítica que, além de ensinar, deve pesquisar, inovar, colaborar, analisar dados, aplicar metodologias ativas, frequentar congressos e ainda ter tempo para corrigir testes e responder aos pais no WhatsApp. Tudo isso, claro, sem esquecer da sua missão humanista e transformadora. 

Mas vamos ao cerne do problema: enquanto discutimos inovação, não conseguimos ainda por exemplo, garantir a fiscalização séria dos cursos superiores. Há instituições que formam mais “graduados” do que cidadãos pensantes. Manipulam saídas profissionais, vendem ilusões curriculares e, como bônus perverso, disfarçam o rigor pedagógico com o rigor financeiro. “O aluno é o cliente”, dizem. E assim o ensino vira mercadoria, o diploma vira recibo e o saber… um detalhe opcional.

E como falar de qualidade quando há denúncias veladas (e abafadas) de assédio sexual a alunos por parte de docentes? Silencia-se em nome da reputação institucional, enquanto se corrompe o sentido mais básico de educação: o respeito ao ser humano. Garantir os direitos dos alunos é, portanto, o primeiro passo para garantir que não tenhamos uma geração de formados rasos — em conhecimento, em valores e em espírito crítico.

Mas por que tanta pressa em debater o futuro se nem conseguimos encarar o presente? O Cabo Verde real, aquele das ruas e das praças, não se parecerá em nada com a utopia que vão apresentar nos powerpoints do Fórum. É um país onde muitos jovens mergulham em álcool antes mesmo de afundar nos livros, onde a violência urbana se torna linguagem de expressão, onde a falta de educação (em casa, na escola, no convívio) é celebrada como “esperteza”,  onde se escuta mais o TikTok que o professor, onde o “jeitinho de ser cabo-verdiano”,  rende mais que a conclusão de um curso.

É forçoso admitir: ainda não somos uma sociedade civilizada. País civilizado é aquele que investe seriamente na infância, na educação e na família. Cabo Verde está, desde o início da construção da sua sociedade, das  legislativas as legislativas, seguindo o perigoso caminho de países que flertaram com o abandono dessas instituições sob o pretexto do “progresso” e do liberalismo exacerbado. Veja-se os exemplos dos Estados Unidos e do Reino Unido, que por décadas negligenciaram a coesão familiar e a formação cidadã. Quando tentaram recuperar o tempo perdido, já era tarde: as fissuras sociais tornaram-se estruturais.

Talvez devêssemos olhar para as palavras de Paulo Freire, que via o professor como um “ser em permanente processo de formação”. Ou de António Nóvoa, que defende que o bom professor é aquele que não apenas ensina, mas aprende com a sua prática. Já John Dewey afirmava que “a educação não é preparação para a vida; é a própria vida”. Mas como viver dignamente essa vida se a escola ainda é vista como um depósito de crianças e os professores como meros funcionários do saber?

Espera-se que no Fórum, possam abordar temas como tecnologias digitais como aliadas da educação, já que o acesso equitativo, um dos pilares de qualquer sistema sério, ainda é miragem em muitas ilhas.

Recursos adequados? Currículo abrangente? Avaliação rigorosa de resultados? Participação da comunidade?  bonito. Na prática, vive-se entre o improviso e a esperança. É urgente uma educação de excelência. Exige-se inovação pedagógica, mas também condições acadêmicas. 

A formação continuada é essencial — disso não resta dúvida. Mas ela não pode ser tratada como uma obrigação burocrática, e sim como um direito do educador. Para isso, é necessário romper com a cultura de isolamento docente e fomentar verdadeiras redes de colaboração entre professores. Não basta enviar certificados: é preciso incentivar projetos de investigação, valorizar quem pesquisa e partilhar boas práticas. E, acima de tudo, é preciso resgatar a dignidade da profissão.

Diante disso, algumas perguntas inquietam — e deveriam ecoar além dos salões do Fórum:

1. Qual é o papel do professor na construção do conhecimento? Será apenas transmitir conteúdos ou ser, de fato, um agente de mudança?

2. Como utilizar tecnologias digitais de forma criativa e acessível? Ferramentas há — o que falta é formação e infraestrutura.

3. Quais são as barreiras à formação continuada? Falta tempo, apoio, valorização….

4. Como fomentar a colaboração entre educadores? Compartilhar saberes é mais produtivo do que competir por méritos vazios.

5. Que incentivos são necessários para estimular a investigação docente? Bolsa, tempo, reconhecimento e… menos burocracia.

6. É possível ser um bom educador sem vocação? Sim, mas com vocação, tudo flui melhor. Sem ela, o ensino vira tortura mútua.

7. Quantos professores estão na sala de aula por amor e quantos por fuga do desemprego? Uma pergunta que merece mais do que um silêncio constrangedor.

Para transformar a educação em Cabo Verde, não basta um fórum. É preciso compromisso real com ações que assegurem:

• Acesso Equitativo: Nenhuma criança pode ser deixada para trás por viver longe do centro.

• Recursos Adequados: Educação de qualidade requer investimento, não sobras de orçamento.

• Professores Qualificados: E qualificados não só no diploma, mas na prática, na ética e na paixão pelo ensinar.

• Currículo Abrangente: Que forme cidadãos críticos, não apenas trabalhadores obedientes.

• Inovação Educacional: Que dialogue com a realidade cabo-verdiana, e não apenas com modismos estrangeiros.

• Avaliação Séria de Resultados: Para que saibamos onde estamos, e para onde devemos ir.

• Participação dos Pais e Comunidade: Porque educar nunca foi tarefa de um só.

• Tecnologia Educacional: Como aliada, e não substituta, do professor.

Outro sim, não se pode falar em transformação educacional enquanto a docência se mantém inerte, acomodada a um sistema que repete fórmulas falidas. É preciso que os professores abandonem a confortável narrativa do “coitado sacrificado” e assumam, com coragem, o protagonismo que a profissão exige. A passividade e o conformismo de muitos docentes não apenas travam a inovação, como alimentam um ciclo de mediocridade. Da mesma forma, diretorias e delegações escolares, muitas vezes engessadas por burocracias ou pela simples falta de ousadia, precisam romper com o automatismo e pensar fora do molde — criar, experimentar, liderar projetos que reflitam as especificidades de suas comunidades, em vez de reproduzir cartilhas estéreis. Países como a Finlândia, que há poucas décadas figuravam entre os mais pobres da Europa, apostaram justamente na qualificação rigorosa dos seus professores, na autonomia das escolas e na confiança na inteligência coletiva para promover uma revolução silenciosa e eficaz na educação. Não foi mágica. Foi decisão, foi compromisso, foi ação — tudo o que ainda falta por cá.

O Fórum Educação 2025 será, sem dúvida, um passo importante. Mas não podemos nos iludir: fóruns não mudam a realidade. Quem muda são pessoas — professores, alunos, pais, gestores — todos comprometidos com um projeto coletivo de futuro. E para isso, é preciso mais do que discursos: é preciso ação. Porque, se não for para agir, melhor nos contentarmos com a utopia da próxima edição.

* Licenciado em Direito, Técnico de Segurança Pública, Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal Militar 

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