Ainda sem julgamento marcado, mas com o processo já distribuído a um colectivo de juízes do Tribunal Central de Sintra, a família de Odair Moniz – o cabo-verdiano morto por um agente da PSP (Polícia de Segurança Pública) na madrugada de 21 de outubro de 2024 – espera que se faça justiça e que o arguido (um agente da polícia) seja condenado.
Nado e criado em Santa Filomena, na Amadora, um bairro onde todas as habitações foram demolidas para dar lugar à especulação imobiliária, José Semedo Fernandes é um advogado português, de origem cabo-verdiana, que representa a família (constituída assistente) no processo que vai levar o agente da PSP ao banco dos arguidos. Referência na comunidade cabo-verdiana em Portugal (mas não só), o jovem advogado tem um trajecto cívico de luta pelos direitos humanos e contra o racismo.
Questionado quanto à sua perspectiva sobre o julgamento ainda sem data marcada, mas que se espera iniciar nos próximos meses, José Semedo Fernandes disse ao A NAÇÃO que a sua perspectiva “é a mesma que a família tem tido até agora: que se faça justiça”, adiantando que com a acusação subiu-se “um degrau no sentido dessa justiça”, porque “essa acusação veio desmontar a tese criada pela Direcção Nacional da PSP de que o Odair tinha uma faca na mão e tentou atacar os agentes”.
Acusação é um facto histórico
Esta foi, aliás, a narrativa construída pela PSP logo a seguir ao fatídico acontecimento da noite de 21 de Outubro de 2024 e, mais tarde, desmentida pelo próprio agente quando interrogado pela Polícia Judiciária (PJ).
“A história diz-nos que só isso não basta, porque, relativamente às mortes que aconteceram em situações similares, em zonas urbanas sensíveis – e que são quase uma dezena -, os agentes têm sido acusados da prática de um crime por negligência. E, depois, absolvidos em sede de julgamento. Não deixa de ser um facto histórico o agente ter sido acusado de homicídio simples, porque não é a regra”, considera o advogado.
Cultura de impunidade
Relativamente à actuação da PSP, José Semedo Fernandes sustenta que “no geral, existe uma ideia de que as forças policiais, em determinadas zonas do território português, podem agir de uma forma mais militarizada”, uma ideia da qual o advogado diverge. “A PSP é uma polícia de segurança, não é uma polícia militarizada. Foi criada com o intuito de ser uma polícia mais próxima do cidadão e que deixasse cair a componente militarizada. Tinha um carácter mais preventivo e de ordem pública”, esclarece.
Mas, ainda segundo o advogado, “o que tem acontecido em determinadas zonas é que a PSP tem agido de forma mais militarizada pondo em causa, até, os direitos dos cidadãos e a dignidade humana das pessoas que vivem nessas zonas. E isso tem levado a que haja situações parecidas à do Odair”.
Semedo Fernandes considera que, “relativamente à postura da Direcção Nacional da PSP, é um costume que tem” e que “muito raramente aceitaram repreender em praça pública algum agente que tenha agido da pior forma, contrariamente ao que acontece com a GNR (Guarda Nacional Republicana), que o faz”, alega, reportando-se à sua experiência enquanto profissional do Direito.
“A PSP faz precisamente o contrário” e “isso leva a uma cultura de impunidade”, conclui o advogado da família de Odair Moniz.
Agente da PSP continua suspenso
Entretanto, o agente da PSP, arguido neste processo, continua suspenso das suas funções. Uma medida pedida pelo Ministério Público e aceite em sede de instrução.
Mais recentemente, a família de Odair requereu a alteração das medidas de coacção impostas ao agente da PSP, um pedido que, contudo, não foi aceite pela juíza de instrução. Um facto, de algum modo, desvalorizado por José Semedo Fernandes.
“Entenderam, na opinião da meritíssima juíza de Instrução, que não deveria haver um agravamento, tendo em conta a situação em que o arguido estaria à data da aplicação da medida de coacção”, esclarece o advogado, adiantando que “o agravamento da medida de coacção também poderia ser requerida pelo Ministério Público (MP)”, no entanto, o MP não o fez. “Tentamos dar esse passo, mas, ainda assim, o tribunal entendeu que a situação se mantinha igual”, de acordo com o princípio de que as medidas de coacção “só podem ser agravadas se a situação, à data em que foi aplicada a primeira medida, tiver sido alterada”, esclarece, ainda, o advogado.
António Alte Pinho
