Por: João Serra*
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América (EUA) assumiram um papel central na promoção do livre comércio, liderando, por exemplo, a criação da OMC – Organização Mundial do Comércio.
No entanto, a administração do atual presidente norte-americano, Donald Trump, procura romper com essa tradição, adotando uma postura protecionista sob o lema “America First”, tal como Trump já o tentara ao longo do seu primeiro mandato presidencial, marcando uma viragem significativa na abordagem dos EUA ao comércio internacional. Neste quadro, tanto no passado como no presente, a retórica beligerante e o tom de confrontação adotados servem para marcar um novo capítulo nas relações internacionais, onde o poder económico se desloca para o primeiro plano da diplomacia.
Na verdade, desde janeiro de 2025, Trump anunciou uma série de tarifas significativas sobre produtos importados, visando reduzir o défice comercial norte-americano, revitalizar a indústria nacional e travar o que a sua administração considera serem práticas desleais de concorrência, especialmente por parte da China, do Canadá, do México e da União Europeia.
A ofensiva tarifária de Trump, no final, não só falhará em eliminar o défice comercial norte-americano, como também desencadeará uma série de reações negativas que prejudicarão tanto os EUA como a economia global, à semelhança do que aconteceu no primeiro mandato, onde as tarifas resultaram em aumentos de preços para os consumidores e empresas norte-americanos, elevando os custos de produção e reduzindo a competitividade dos produtos dos EUA no mercado global.
Com efeito, no panorama do comércio global, cada imposição de tarifas desencadeia inevitavelmente respostas das nações afetadas, criando um efeito de retaliação que se assemelha à Terceira Lei de Newton, conhecida também como Lei da Ação e Reação. Segundo esta lei, “para cada ação existe uma reação de igual magnitude e em sentido oposto”. Isto é, sempre que um objeto exerce uma força sobre outro, este último exerce uma força igual, mas na direção do primeiro, devolvendo-lhe o impacto inicial, o que produz um verdadeiro efeito “boomerang”.
Nesse contexto, quando os EUA aplicam ou aumentam tarifas sobre produtos importados, é muito provável que os países retaliem com medidas de intensidade semelhante, o que os leva a aumentar também as suas tarifas alfandegárias sobre produtos norte-americanos.
Ou seja, o protecionismo tende a desencadear retaliações, tornando o comércio mais restritivo e menos eficiente, afetando negativamente a globalização e o crescimento económico global.
Como bem demonstrou David Ricardo, célebre economista clássico britânico, na sua teoria das vantagens comparativas, o protecionismo acaba sempre por resultar em perdas mútuas a longo prazo. Assim, mesmo que um país seja mais eficiente na produção de todos os bens em relação a outro, o comércio entre ambos continua a ser vantajoso e desejável. Segundo Ricardo, quando tal for o caso, “o país menos produtivo pode especializar-se naquele bem cuja produção sacrifica menos a produção de outro e importar os restantes do seu parceiro comercial. Desta forma, cada país deve especializar-se na produção do bem em que tem o menor custo de oportunidade, maximizando a eficiência global e beneficiando do comércio internacional, o que contribui para uma melhoria do bem-estar das populações.”
Entretanto, Paul Krugman, vencedor do Prémio Nobel de Economia de 2008, expandiu a teoria ricardiana, incorporando nela o papel das economias de escala e da concorrência imperfeita, demonstrando que os países podem produzir os mesmos bens e competir.
Em decorrência das políticas comerciais protecionistas e das subsequentes retaliações, os sinais atuais apontam para uma desaceleração económica dos EUA. Ora, numa altura em que os investidores continuam a navegar por um cenário de grande incerteza económica e geopolítica, fatores como a volatilidade nos mercados financeiros e indicadores macroeconómicos enfraquecidos contribuem para essa perspetiva. Caso se verifique, essa desaceleração terá implicações globais, afetando, direta ou indiretamente, todos os países.
Para a União Europeia, a imposição, por parte dos EUA, de tarifas de 25% sobre importações europeias pode reduzir o crescimento da Zona Euro até 0,3 pontos percentuais no primeiro ano e aumentar a inflação, conforme estimativa apresentada recentemente pela presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde.
Se a União Europeia responder aumentando as tarifas sobre as importações dos EUA, esse impacto aumentaria para cerca de meio ponto percentual, acrescentou Lagarde, insistindo que essas estimativas estão sujeitas a uma “considerável incerteza”.
Neste cenário, a perspetiva de inflação seria também “significativamente mais incerta”, e o BCE estima que, a curto prazo, a retaliação da União Europeia e uma taxa de câmbio do euro mais fraca – resultante da menor procura de produtos europeus nos EUA – “poderiam aumentar a inflação em aproximadamente meio ponto percentual”.
Relembro aos meus leitores que, num outro artigo também publicado neste periódico em 28 de novembro de 2024, procurei analisar, com alguma profundidade, o que significa a política económica de Trump para a economia global e, em especial, para a economia da Europa (o principal parceiro económico e de desenvolvimento de Cabo Verde), assim como as suas consequências para a nossa economia.
Num panorama global marcado por desafios económicos e instabilidades geopolíticas, a lição extraída da Terceira Lei de Newton revela-se particularmente pertinente. A interligação entre as ações e as reações torna evidente que o protecionismo, longe de ser uma solução mágica para os problemas económicos, é um instrumento de duplo efeito, cujas consequências podem, por vezes, ultrapassar as intenções iniciais. As políticas tarifárias, quando utilizadas de forma agressiva, podem desencadear uma série de reações adversas que se transformam num ciclo vicioso, no qual os benefícios imediatos são eclipsados pelos custos a médio e a longo prazo. Este fenómeno, análogo à interação de forças num sistema físico, sublinha a importância de adotar uma abordagem equilibrada e ponderada na definição de estratégias económicas.
A metáfora estabelecida entre as forças aplicadas e as reações provocadas serve, assim, de alerta para os perigos de se adotar posturas unilaterais em matéria económica. As relações internacionais, tal como os sistemas físicos, estão imbuídas de um princípio básico de reciprocidade, segundo o qual o desequilíbrio causado por uma intervenção isolada tende a ser compensado por respostas igualmente vigorosas. Ao reconhecer essa dinâmica, os decisores políticos podem evitar armadilhas que comprometam a estabilidade dos mercados e a confiança entre os parceiros comerciais. Assim, a experiência da ofensiva tarifária mostra que, ao tentar impor uma ordem unilateral, corre-se o risco de desencadear um efeito dominó de reações que podem, em última instância, minar os objetivos pretendidos.
Praia, 22 de março de 2025
*Doutorado em Economia
