Por: Américo Medina
O setor dos transportes aéreos é, por definição, altamente volátil e dependente de fatores que os governos e candidatos a governantes, simplesmente não controlam. Desde oscilações no preço do petróleo e demais commodities ( as agrícolas, as minerais, as químicas, as ambientais) flutuações cambiais, tensões geopolíticas, crises econômicas globais e pandemias (os tais eventos externos) são múltiplas as variáveis que podem influenciar o custo operacional e, consequentemente, o preço dos bilhetes aéreos.
A precificação dos bilhetes aéreos é um processo complexo, é uma ciência, que envolve uma combinação de fatores econômicos, operacionais e comerciais e a quem tem a responsabilidade de fazê-la sabe que não deve deixar-se guiar por inspiração divina ou emoções do momento. É preciso mesmo estudar e muito cuidadosamente e é incontornável que todas as contas sejam feitas e bem-feitas.
Mormente num país como Cabo Verde, com uma economia frágil, altamente dependente do exterior e sem uma expertise consolidada na gestão do setor, é obviamente imprudente afirmar-se que entre 2027 e 2030 os bilhetes serão muito significativamente mais baratos do que hoje ( -50% e refiro-me aos preços e não ás campanhas), sem um estudo sério ou uma previsão económica robusta, devidamente refletidos nas provisões feitas no orçamento do Estado, que sustente essa promessa-discurso; altamente dependente de importações e volatilidade dos preços das commodities clássicas, qualquer variação no valor do Escudo Cabo-Verdiano (CVE) em relação ao Dólar pode encarecer os custos operacionais da aviação, reduzindo a margem para termos tarifas baixas, ou seja, em torno de 50% dos preços praticados hoje !
A aviação comercial não vive de discursos, mas de contas bem feitas
A aviação comercial exige uma gestão eficiente e estratégica, baseada em previsões de mercado (forecasting) e análises financeiras criteriosas, com base em dados e variáveis concretos! Para reduzir tarifas de forma sustentável, no contexto de um arquipélago com parcos recursos, será necessário, dentre outros, uma opção de política pública bem definida, suportada por um modelo de subsídios bem estruturado, incentivos fiscais para companhias aéreas, um plano realista de atração de novos operadores ou parcerias eficientes e inovadoras.
No entanto, não há indícios de que essas medidas estejam sendo planeadas de forma adequada… – Pelo contrário, Cabo Verde enfrenta desafios estruturais sérios, como a falência técnica da TACV, a acumulação de dívidas avultadas (cujo montante global deve ser clarificado) , perda de recursos humanos qualificados, dificuldades de gestão, coordenação e boa supervisão do sector e a necessidade urgente de investimentos no mesmo, sem ainda contar com os danos de imagem e a perda de credibilidade que as más opções feitas nos últimos anos acarretaram junto de parceiros nacionais e estrangeiros e que levarão tempo para serem revertidos.
Além disso, a turbulência mundial dominante deve ser levada em conta bem como as profundas mudanças em curso a nível global, meio a uma volatilidade internacional ; as tensões geopolíticas, como os conflitos internacionais e sanções comerciais em crescendo na actual conjuntura, têm impacto direto no setor da aviação, seja pelo aumento do custo do combustível, seja pelas restrições nos fluxos logísticos ( peças e equipamentos incluídos) e passageiros. Num mundo cada vez mais incerto, de uma palpável desordem internacional, qualquer previsão de queda ( em torno de -50%) nos preços ( 2027/2030) ou mesmo de queda por decreto das passagens aéreas, precisa ser sustentada por uma estratégia realista e adaptável a esses cenários absoluta e comprovadamente voláteis, sob pena de continuarmos a queimar recursos e a destruir valor, num setor em que estamos a ficar sem margem para mais erros e experimentalismos.
Diante desse contexto, é fundamental que os governantes e potenciais governantes e seus assessores, se baseiem em análises técnicas e financeiras sérias antes de fazerem promessas que podem se tornar vazias e prejudiciais, agudizando ainda mais a situação bem como a descrença de todos nós em ter um dia, um sistema interno de transportes aéreos eficiente, previsível, que promova de facto a coesão nacional e integração territorial.
É facto que uma política tecnicamente bem estrutrada e com a identificação sem subterfúgios das fontes de financiamento é incontornável pois o serviço prestado não pode ficar sem ser pago, transformando-se num monumental amargo de boca pouco tempo depois, caso predominar apenas um “desígnio”! É nessa direção, com a definição de um sistema de obrigações de serviço público que possa melhorar gradualmente, mas implementado de forma sustentável para que não voltemos a ter descontinuidades, que qualquer governo responsável terá que caminhar, repito, fazendo sim, todas as contas e estudando sim, cada detalhe.
O setor da aviação é crítico para o desenvolvimento económico e turístico de Cabo Verde, mas precisa ser gerido com responsabilidade, objetividade e profissionalismo… – Com pinças, como costumamos dizer…, ou costumávamos pois, as imprudências como as que experimentamos nos últimos tempos, serão, naturalmente, desastrosas para o país que não suporta mais zigue-zagues.
O preço de uma passagem aérea vai além do populismo eleitoral
Mais do que discursos otimistas, concretamente para o sector dos transportes aéreos, são necessárias políticas concretas, modelos de financiamento, frotas adequadas, modelos de negócios inovadores que garantam a eficiência e sustentabilidade do setor aéreo nacional.
O custo de um bilhete, o seu preço final, é a soma de muitos factores e reflete uma “camada” de diversos custos diretos e indiretos, além de margens de lucro e estratégias comerciais, bem como esta ou aquela medida de política.
Insisto como já o fiz noutros momentos e contextos: insistir que um problema complexo como os transportes aéreos entre as ilhas poss ser resolvida sem a adoção de um modelo de subsídios e estratégia financeira como manda a doutrina e continuar a pensar-se que se pode começar a construção desse edifício pelo tecto, pode ser fatal!
Os países que oferecem passagens baratas, como os EUA (Essential Air Service), Programa de Aviação Regional no Brasil( PARB) ou alguns da UE (Canárias, Açores) fazem isso com forte subsídio governamental, tendo por detrás economias fortes e mercados maduros e robustos. Se os governantes, os candidatos a governantes e seus assessores não apresentarem um plano financeiro sustentável, essa promessa pode aumentar ainda mais o endividamento público das empresas e do governo e levar à falência da(s) empresa(s) aérea(s) envolvida(s)!
Precificar a 50% dos preços atuais e de antemão para 2027/2030 as passagens de avião cá dentro e deixar para depois as contas, os estudos, o forecasting, pensar para depois os modelos, o sistema, frotas etc etc parece um anúncio no mínimo imprudente, e uma certa reedição do que temos presenciado e vivido na pele ao longo dos últimos nove ( dolorosos) anos.
Aliás, em qualquer área de governação, acreditando que de fato não há almoços grátis, limitar-se a dizer que a partir de hoje vou baixar os preços ou as taxas de serviços prestados aos cidadãos para X, Y ou X, sem contas e sem as devidas análises, constitui um enorme risco para o País e certamente contará com a firme oposição dos organismos internacionais que nos suportam e financiam e dos cidadãos de bom-senso que sabem bem avaliar as situações em que “o barato pode sair muito caro”!
50 Anos depois, precisamente no ano em que comemoramos os 50 anos e precisamos consolidar os ganhos da independência e formular novas políticas para que sejamos economicamente independentes nas próximas décadas, que precisamos tremendamente de inovar, queremos mesmo enveredar pelo caminho do facilitismo, fazendo crer que tudo é possível sem esforços e que fazer contas e estudar as medidas é elitismo(?) ; isto não está “açucarado” demais quando analisado na sua relação com a nossa economia e com o que se passou noutras latitudes ? Pode ser que eu esteja totalmente errado, mas onde muitos vêm “abordagens visionárias”, “approaches disruptivos” e inspiradores eu vejo muita imprudência, destemor e temeridade que nos podem ser fatais.
