Por: António Delgado Medina
Como cidadão cabo-verdiano, tenho me sentido cada vez mais preocupado com a realidade socioeconómica do nosso país. Embora o governo insista em afirmar que a economia está a crescer, a experiência cotidiana de muitos cabo-verdianos, especialmente nas zonas periféricas e ilhas mais isoladas, é bem diferente. Problemas como a inflação crescente, a pobreza, o uso de drogas, a prostituição e o abandono escolar são questões que não podem ser ignoradas, e é sobre esses problemas que desejo refletir e alertar.
A falácia do crescimento económico
Nos últimos anos, temos ouvido com frequência que a economia de Cabo Verde está a crescer. Dados e mais dados são apresentados, com números que indicam que estamos a trilhar o caminho certo. Porém, a pergunta que surge é: esse crescimento está a beneficiar toda a população? Embora o país possa estar a experimentar um crescimento no setor do turismo, nas remessas de emigrantes e em alguns indicadores macroeconómicos, a realidade das zonas periféricas, onde vive uma grande parte da população, é bem distinta.
O custo de vida, impulsionado por uma inflação galopante, está a tornar-se insustentável para muitas famílias. Os preços dos alimentos e do gás, por exemplo, sobem a um ritmo alarmante, colocando grande parte da população em uma situação de extrema vulnerabilidade. A questão que fica é: como podemos falar em “crescimento” quando tantas pessoas enfrentam dificuldades diárias para sobreviver?
A pobreza persistente e os problemas sociais
A pobreza continua a ser uma realidade incontestável para milhares de cabo-verdianos. Em pleno século XXI, como é possível que, em um país que se diz estar em crescimento, tantas pessoas vivam abaixo do limiar da pobreza? As estatísticas podem até mostrar que o país está avançando em alguns aspectos, mas as zonas periféricas, onde a miséria e a falta de condições básicas predominam, revelam uma outra realidade.
O quadro social é ainda mais alarmante quando observamos o aumento de problemas como o uso de drogas e a prostituição entre os jovens. O consumo de substâncias ilícitas está a crescer, e muitos jovens, sem perspectivas de um futuro melhor, veem-se atraídos por um caminho sem retorno. A prostituição, muitas vezes associada à pobreza extrema, tornou-se uma forma de sobrevivência para várias mulheres e jovens, refletindo a escassez de oportunidades reais para mudar sua realidade.
O abandono escolar e a falta de oportunidades
Outro fator que me preocupa profundamente é o alto índice de abandono escolar. Muitas crianças e jovens, devido à falta de recursos e a um ambiente familiar desestruturado, deixam a escola precocemente. O abandono escolar é uma das principais causas da perpetuação do ciclo de pobreza em Cabo Verde. Se o governo realmente deseja promover um crescimento sustentável, é necessário repensar as políticas educacionais e sociais, com foco no apoio às famílias e na garantia de uma educação de qualidade para todos.
A desconexão entre o discurso oficial e a realidade do povo
O que mais me preocupa, porém, é a desconexão entre o discurso oficial e a realidade vivida pelo povo cabo-verdiano. O governo fala em crescimento, mas como podemos falar em desenvolvimento económico quando tantas pessoas ainda vivem na miséria? Como falar em progresso quando problemas sociais como a droga e a prostituição se agravam? Como podemos acreditar no progresso quando nossas escolas estão a perder alunos e as famílias se desestruturam?
Reconheço que houve avanços em algumas áreas, mas a realidade é que ainda estamos longe de uma situação em que todos os cabo-verdianos possam usufruir igualmente desse crescimento. Precisamos de políticas públicas mais eficazes, que atentem às necessidades básicas da população e, sobretudo, uma abordagem mais inclusiva para que o desenvolvimento beneficie a todos.
A necessidade de um desenvolvimento verdadeiro
Cabo Verde precisa de um desenvolvimento genuíno, que não se resuma a números e indicadores, mas que se reflita na melhoria da vida de cada cidadão. Precisamos de uma educação de qualidade, políticas sociais eficazes, mais oportunidades de emprego e uma distribuição mais equitativa da riqueza. O crescimento económico só é relevante se ele chegar a todos, e não apenas a uma pequena parte da população.
Como cidadão, sinto que chegou o momento de cobrar mais do nosso governo. Não podemos mais aceitar que nos digam que tudo vai bem enquanto vemos nossas ruas se encherem de jovens perdidos, famílias em situação de pobreza e crianças abandonando a escola. É hora de exigir mudanças. É hora de agir.
