O especialista em segurança José Rebelo alerta para a mudança do estatuto de Cabo Verde no tráfico internacional de drogas. O país, que historicamente era apenas um ponto de passagem, tornou-se também num mercado de consumo, evidenciando um novo desafio para as autoridades. A isso somam-se crimes violentos associados ao narcotráfico.
José Rebelo, Especialista em Segurança
Munidos de dados estatísticos, José Rebelo diz que a chegada de droga ao arquipélago tem-se feito por rotas inesperadas, como Lisboa, e há um aumento da presença de estupefacientes vindos da Guiné-Bissau. Além disso, recorda que, no ano passado, quantidades significativas de droga deram à costa em várias ilhas do país, incluindo Maio, Tarrafal de Santiago, Fogo e Santo Antão.
A seu ver, este fenómeno evidencia um fluxo mais intenso de substâncias ilícitas, que transitam pelo território cabo-verdiano e alimentam um crescente mercado interno.
O especialista destaca que este novo cenário em Cabo Verde impõe novos desafios à segurança nacional, uma vez que as apreensões e detenções de indivíduos ligados ao tráfico de droga tornaram- -se mais frequentes em locais como Mindelo e Praia.
Além disso, frisou que crimes violentos relacionados com o tráfico começam a surgir, alguns deles sem autoria conhecida, o que indica o fortalecimento de redes criminosas locais. Mesmo Mindelo, poupada desse tipo de actuação, passou a ter registos do género, o que por si comprova que o problema já não é apenas Santiago.
Drogas sintéticas: um perigo silencioso
José Rebelo alerta também para um problema crescente: a proliferação das drogas sintéticas. Ao contrário das drogas naturais, as substâncias químicas são produzidas em laboratórios por redes organizadas e são difíceis de identificar. A sua composição química, segundo o entrevistado do A NAÇÃO, pode escapar a análises laboratoriais convencionais, o que representa um risco acrescido para a saúde pública.
Segundo a mesma fonte, há indícios de que drogas sintéticas já circulam em Cabo Verde, algumas delas oriundas dos Estados Unidos e introduzidas no país através da diáspora, mas também de outras origens, por exemplo, da Nigéria. A ausência de marcadores laboratoriais para identificar os estimulantes utilizados e a inexistência de uma classificação jurídica para estas substâncias fazem, segundo Rebelo, com que as autoridades tenham dificuldades em combater este fenómeno.
“Juridicamente, não há crime de tráfico de drogas sintéticas em Cabo Verde, pois estas substâncias não estão classificadas no sistema legal. No entanto, isso não significa que deixem de causar danos pessoais e problemas de saúde pública”, explica José Rebelo.
Este especialista alerta ainda que o porto Vale dos Cavaleiros, na ilha do Fogo, tem sido uma das principais vias de entrada dessas substâncias ilícitas, frequentemente disfarçadas de medicamentos, anabolizantes e estimulantes. “Embora a venda de medicamentos sem receita médica seja proibida em Cabo Verde, este factor não tem impedido a sua circulação no país”, refere.
Aumento das apreensões de droga e novas dinâmicas do tráfico
Apesar da redução do número de grandes apreensões nos últimos anos, José Rebelo destaca que as quantidades de droga retiradas de circulação em Cabo Verde continuam a ser significativas. Conforme refere, dados de 2015 a 2022 indicam que o tráfico de droga representa cerca de 1,3% da criminalidade total no país, mas cerca de 12% dos crimes que afectam interesses colectivos e bens jurídicos protegidos.
Rebelo também sublinha que houve detenções importantes, incluindo “mulas” transportando pequenas quantidades de droga em aeroportos e o desmantelamento de grupos organizados na Praia e em São Vicente, alguns deles envolvendo advogados que agora respondem em tribunal.
O especialista reforça que o combate ao tráfico e ao consumo de drogas em Cabo Verde exige uma adaptação das instituições, tanto na criação de legislação específica para drogas sintéticas como no reforço da capacidade de deteção e apreensão dessas substâncias.
Geremias S. Furtado
