Por: Samilo Moreira
“A Câmara Municipal deve tomar as providências necessárias para que o orçamento municipal possa começar a ser executado no início do ano económico a que se destina, devendo, no exercício do poder de execução orçamental, adoptar as deliberações necessárias que garantam o princípio da mais racional utilização possível das dotações orçamentais e o princípio da melhor gestão da tesouraria.”
Artigo 42º (Execução orçamental)
Da Lei nº 79/VI/2005, de 5 de setembro, que estabelece o regime financeiro das autarquias locais.
Visando reforçar a disciplina e o rigor orçamental das autarquias, a transparência na gestão dos recursos públicos – evitando práticas que comprometem a sustentabilidade financeira e gerar impactos económicos e sociais negativos no médio e longo prazo – e promover uma gestão pública mais responsável, transparente e orientada para a estabilidade financeira, económica e social, apresento alguns pontos que considero importantes para revisão.
Alteração do artigo 32.º da Lei n.º 79/VI/2005, de 5 de setembro – Regime Financeiro das Autarquias Locais
Nos termos do art.º 32.º da legislação vigente: “As despesas com o pessoal, incluindo os encargos provisionais com o pessoal, não podem exceder 50% das receitas correntes previstas no orçamento.”
No entanto, essa metodologia tem permitido que algumas autarquias inflacionem as previsões de receita corrente, criando margem para o aumento insustentável na execução da despesa com pessoal. Essa mudança pode ser especialmente relevante para município como o da Praia, onde há inflacionamento da receita corrente no orçamento, evidenciado um crescimento insustentável da despesa com pessoal, tanto nos serviços quanto na empresa municipal SEPAMP, nesse momento, oficialmente próximo de 800.000.000 CVE/ano. Essa prática leva sempre a problemas financeiras a médio e longo prazo, e à necessidade de despedimentos futuros.
A proposta de alteração é a substituição da regra atual pela seguinte disposição: “as despesas com o pessoal, incluindo os encargos provisionais com o pessoal, não podem exceder 50% da média das receitas correntes executadas nos quatro anos anteriores ou do mandato anterior.”
A fundamentação das vantagens dessa nova metodologia:
Maior realismo orçamental: A base de cálculo passa a ser a receita efetivamente arrecadada nos últimos quatro anos ou no mandato.
Sustentabilidade financeira: Evita o aumento descontrolado da despesa com pessoal.
Prevenção de impactos sociais negativos: Reduz o risco de despedimentos em massa devido a desequilíbrios financeiros.
Melhoria da transparência e do rigor na gestão pública: As autarquias serão obrigadas a planear suas despesas com base em dados reais, exequíveis e sustentáveis.
Regulamentação do uso de cheques nas autarquias
Com o objetivo de garantir transparência, controle e prestação de contas, é necessário definir regras claras sobre o uso de cheques nas autarquias, priorizando a substituição desses meios de pagamento por sistemas eletrônicos ou bancarização efetiva. Para isso, devem ser estabelecidas, nas normas e instruções de execução orçamental dos municípios, regras específicas para pagamentos e recebimentos por cheques.
Atualmente, o uso arbitrário de cheques tem sido uma prática recorrente que oculta a real situação financeira da autarquia na Cidade da Praia. Grandes quantidades de dinheiro são movimentadas por meio de cheques sem o devido conhecimento da Direção Financeira, sendo esses valores detectados apenas em auditorias e inspeções – uma prática que, infelizmente, ainda não é regular em Cabo Verde.
Outra consequência dessa prática é a utilização de cheques para o pagamento de pessoas contratadas ilegalmente, o que representa um problema adicional, pois tais pagamentos não incluem os devidos descontos para a segurança social, descumprindo, assim, o requisito exigido pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) de que “as entidades empregadoras são obrigadas a remeter, mensalmente, as folhas de Ordenado e Salários – FOS”. Essa situação tem contribuído para o elevado montante devido pelas autarquias ao INPS.
Alteração da Lei n.º 134/IV/95, de 3 de julho – Estatuto dos Municípios
Competências do Presidente da Câmara Municipal
Para reforçar o princípio da estabilidade orçamental, propõe-se a seguinte alteração do art.º 98, n.º 1, alínea e) do Estatuto dos Municípios. De: “Autorizar o pagamento das despesas orçamentadas.” Para: “Ordenar e processar as despesas legalmente autorizadas.”
Principais diferenças (Ordenar → Emissão, Processar → Execução, Autorizar → Aprovação):
Autorizar o pagamento das despesas orçamentadas
Significa que a despesa já foi prevista no orçamento e cabe ao presidente da Câmara autorizar o pagamento.
Envolve a assinatura de cheques, transferências bancárias e outras ordens de pagamento pelo Presidente da Câmara Municipal.
É uma competência exclusiva do presidente da Câmara.
Ordenar, Processar e Autorizar (OPA) as despesas legalmente autorizadas
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Refere-se à fase da execução da despesa que ocorre antes do pagamento, na qual o responsável dá a ordem formal para que o pagamento seja processado, garantindo que todas as exigências legais e regulamentares foram cumpridas. Isso inclui: A verificação de documentos; conformidade com contratos; efetivação do pagamento por meio dos sistemas financeiro, verificação, validação e execução de que a despesa cumpre todos os requisitos legais e financeiros em conformidade com o Regulamento Orgânico (na prática, essa mudança obriga ao cumprimento do regulamento existente).
Será realizado pela Direção de Gestão Orçamental, Financeira, Fiscal e Patrimonial da autarquia (DGOFFP) sob fiscalização do vereador(a) do pelouro. Isso inclui: o processamento contabilístico e a emissão de documentos como faturas, compromissos e ordens de pagamento.
Continua uma competência do presidente da Câmara, mas apenas na fase final do processo.
Exemplos práticos:
Após o processamento da despesa referente à construção da estrada, o Presidente da Câmara autoriza o pagamento para a empresa contratada. Isso pode caracterizar usurpação da competência prevista no n.º 1 (e seguintes) do artigo 92 da Lei n.º 134/IV/95, de 3 de julho – Estatuto dos Municípios, que estabelece que compete à Câmara Municipal: “Executar o plano de atividades aprovado pela Assembleia Municipal e velar pelo cumprimento das deliberações desse órgão deliberativo”, quando as execuções do Plano de atividades, Orçamento e pagamentos são feitas pelo Presidente da Câmara, como está a acontecer na Cidade da Praia. Portanto, não há checks and balances.
A Câmara Municipal firma um contrato para a construção de uma estrada. O vereador(a) e DGOFFP verificam se a despesa está prevista no orçamento e se os documentos estão corretos, processando a despesa antes do pagamento. Esse procedimento está em conformidade com as competências da Câmara Municipal estabelecidos no Estatuto dos Municípios, nos seguintes número s:N.º 1 e n.º 2 – âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços, N.º 3 – âmbito do planeamento, N.º 4 – âmbito do urbanismo e construção, e ao Âmbito do n.º 5 alínea a) art.º 92, conjugado com a alínea e) do art.º 98.
Além disso, essa proposta está em conformidade com o Código de Contratação Pública (CCP), que considera a Câmara Municipal como a Entidade Adjudicante.
Reuniões ordinárias vs. extraordinárias
O salário líquido de um vereador profissionalizado é de 109.000 CVE/mês. A senha de presença de um eleito municipal (vereador não profissionalizado e deputados municipais) é, atualmente, de 15.000 CVE líquidos por reunião/sessão. Com a alteração do n.º 1 do art.º 91 do Estatuto dos Municípios (EM), que passa a determina que: “As reuniões ordinárias da câmara municipal têm lugar semanalmente quando dispõe de 9 (nove) membros e quinzenalmente quando esse número é de 7 (sete) ou 5 (cinco) membros”, significa que o vereador não profissionalizado passa a receber 60.000 CVE/mês em alguns municípios. Se houver duas reuniões extraordinárias por mês, esse valor pode chegar a 90.000 CVE.
Assim, um vereador não profissionalizado pode receber apenas menos 19.000 CVE do que um profissionalizado. Além disso, se houver reuniões extraordinárias desnecessárias para inflacionar o subsídio, e inclusive distorcer a obrigatoriedade da reunião ordinária na CMP e na AMP, irá ocorrer a situação em que um vereador não profissionalizado ganha o mesmo ou mais do que um profissionalizado.
Outro problema é que há deputados nacionais que também assumem o cargo de vereador, acumulando, na prática, dois salários. Para além da violação ética e moral, representa um incentivo para que não haja vereadores profissionalizados, pois podem acumular esses valores com outra profissão ou função.
De acordo com o n.º 3 do artigo 142 do novo Estatuto dos Municípios: “A câmara municipal pode reunir-se extraordinariamente por iniciativa do presidente ou a pedido da maioria dos vereadores, não podendo, neste caso, ser recusada a convocatória.”
Sugere-se a seguinte redação:
“A câmara municipal pode reunir-se extraordinariamente por iniciativa do presidente ou a pedido da maioria dos vereadores, sempre que circunstâncias excecionais o exijam e não seja possível reuni-la ordinariamente, devendo ser invocada essa circunstância. Os atos praticados devem ser sujeitos à ratificação expressa na primeira reunião ordinária seguinte da câmara municipal, não podendo, neste caso, ser recusada a convocatória ou a inclusão do tema na ordem do dia.”
Com esta alteração consegue-se:
Critérios objetivos para convocação: Evita o uso discricionário, arbitrário e intencionalmente subjetiva da reunião extraordinária e da urgência- prevista inclusive no art.º 126 do Regimento da AMP.
Justificação fundamentada do porquê da impossibilidade de aguardar a reunião ordinária.
Não distorce a conformidade com prazo mínimo de convocação da reunião ordinária que o estatuto estabelece, e garante o tempo suficiente para análise dos temas a serem discutidos.
Se os mecanismos de fiscalização estabelecidos no art.º 128 do Estatuto dos Municípios (ou art.º 230 do novo Estatuto dos Municípios), especialmente no que se refere à atuação da Tutela Administrativa e do Ministério Público (MP), não forem aplicados de maneira eficiente e tempestiva, a alteração na Lei pode acabar sendo ineficaz na prática.
