Por: João Serra*
“Cabo Verde precisa emagrecer a máquina do Estado, redefinir prioridades e investir em quem precisa” – Dom Ildo Fortes, Bispo do Mindelo.
O Presidente dos EUA, Donald Trump, ordenou a suspensão de toda a ajuda internacional deste país, com exceção dos programas humanitários alimentares e da ajuda militar a Israel e ao Egito. A suspensão é válida por um período de 90 dias (a partir do dia 25 de janeiro pp.), dando tempo à nova Administração para avaliar se os programas e as ajudas são consistentes com as políticas de Trump.
Conforme a agenda trumpista “America First” (EUA em primeiro lugar), apenas projetos que tornem o país comprovadamente mais seguro e próspero podem receber financiamento. Por outro, Trump pretende eliminar programas relacionados com iniciativas que impulsionam diversidade, equidade e inclusão, e também reverter políticas de luta contra as mudanças climáticas.
Os EUA são de longe a nação que, direta ou indiretamente, mais contribui com ajuda externa, pelo que uma eventual restrição na sua política de ajuda internacional afetará largos milhões de pessoas em todo o mundo, bem como o processo de desenvolvimento dos respetivos países. Para já, Cabo Verde não sabe se terá ou não o 3.º Compacto.
Pior ainda, a abordagem da ajuda internacional de Trump é um estímulo acrescido a todos os partidos e movimentos que, em diferentes países, seguem a mesma linha política. Estando os ventos a soprar favoravelmente para o lado desses políticos populistas ou de extrema-direita, ao que tudo indica nada de positivo pode vir daqui em diante, no que diz respeito à ajuda pública ao desenvolvimento (APD).
Em 21 de março de 2024, publiquei, neste periódico, um artigo intitulado “Reformar (a sério) para encurtar a mão estendida para a ajuda externa”, do qual, pela sua atualidade face aos acontecimentos mais recentes em torno da ajuda externa, retomo e atualizo o essencial, para efeitos de elaboração do presente artigo.
Cabo Verde tem historicamente dependido significativamente da ajuda externa (empréstimos concessionais e donativos) para sustentar o seu desenvolvimento económico e social. Esta assistência tem sido crucial para financiar projetos de infraestrutura, programas sociais e iniciativas de redução da pobreza.
Apesar do progresso obtido, o país enfrenta, há vários anos, os desafios do insuficiente crescimento económico nacional e da falta de competitividade internacional. A esses desafios acresce, ainda, a pesada dívida pública, que condiciona os investimentos em infraestruturas essenciais à dinamização da economia.
Tudo isso torna o país especialmente vulnerável a crises globais, nomeadamente guerras e ressurgimento de discursos nacionais autocentrados que relegam para segundo plano compromissos cruciais com o desenvolvimento global, os direitos humanos e o combate às alterações climáticas.
Face a essa situação, impunha-se, há já muito tempo, a realização de reformas estruturais que fizessem aumentar o crescimento do PIB potencial e da produtividade, visando incrementar a produção de recursos endógenos, mas tal não foi feito de forma consequente.
Com efeito, ao longo de vários anos, não foram implementadas as reformas fundamentais de que o país tanto precisa, visando, a médio e longo prazo, a diversificação da economia e um crescimento económico mais robusto e sustentável. Ora, particularmente nos últimos anos temos tido governos praticamente desinteressados das reformas estruturais e alinhados com uma atitude relativamente conformista face ao “status quo”, continuando, por exemplo, as políticas económicas a serem feitas de forma avulsa e atabalhoada, e de acordo com a espuma dos dias.
Outrossim, a reforma do Estado e da Administração Pública (AP), visando, nomeadamente, a contenção da despesa pública, ou não foi feita ou, quando iniciada, ficou pelo caminho. Em resultado disso, continuamos com serviços públicos, em vários setores da Administração do Estado, gordos, ineficientes e principais sorvedouros dos escassos recursos endógenos disponíveis. Note-se que as despesas correntes do Estado deverão passar de cerca de 41 mil milhões de ECV em 2015 para quase o dobro em 2025 (81,4 mil milhões de ECV), um acréscimo em mais de 98,5%, conforme dados do MFFE.
Na falta de ímpeto reformista, a solução descoberta é o recurso continuado à ajuda externa e ao subsequente endividamento externo, pouco se importando com a criação de uma capacidade produtiva endógena geradora de recursos, bem assim, com a redução das gorduras do Estado.
A medir pelo destaque que atualmente é dado, na comunicação política, aos financiamentos recebidos dos parceiros de desenvolvimento, seja qual for o montante, Cabo Verde está a tornar-se, cada vez mais, num país que vive orgulhosamente de mão estendida para a ajuda externa. Refira-se que a APD, ainda hoje, constitui a principal fonte de financiamento do investimento público, entre 60 e 70%.
Em termos absolutos e relativos, nunca o país recebeu tanta ajuda externa como atualmente, com o seu peso no Orçamento do Estado (OE) a passar de 15% em 2015 para 25% em 2025, conforme previsto no OE2025. Do mesmo modo, a dívida externa deve passar de cerca (ca) de 150 mil milhões de ECV em 2015 para ca de 208 mil milhões de ECV em 2025, um incremento em ca de 39%, também segundo dados do MFFE.
Todavia, Cabo Verde não pode continuar com a mão estendida para a APD, se quiser crescer mais e de forma sustentável. Ora, a história não registou, até hoje, nenhum país que tenha suportado o seu processo de desenvolvimento com base, quase que exclusivamente, na ajuda externa e no endividamento externo. Por outro lado, existem grandes incertezas em torno da ajuda internacional, conforme já referido.
Assim, é preciso que se encurte a mão estendida para a ajuda externa, que se mude a retórica falaciosa e que se encetem, urgentemente, as necessárias reformas.
Para o efeito, importa uma visão de desenvolvimento devidamente estruturada, baseada numa estratégia de diferenciação sustentada e mobilizadora, com ideias precisas e propiciadora de um consenso político e social o mais amplo e construtivo possível.
Nessa visão, reveste-se de particular importância e urgência a reforma da AP, visando tornar o aparelho administrativo redimensionado, ágil, flexível e adequado a um ambiente caraterizado pela complexidade e mudança acelerada. Ou seja, é preciso melhorar a qualidade dos serviços prestados pela AP e a sua contribuição para a diminuição dos custos de contexto, enquanto um fator essencial para um bom ambiente de negócios.
Já no plano económico, as reformas estruturais devem incidir sobre os quatro principais eixos estratégicos enunciados e desenvolvidos no nosso artigo, intitulado “Cabo Verde pós-pandemia de Covid-19: A pobreza do “Plano de Retoma da Economia” do Governo, também publicado neste semanário a 03 de março de 2022.
O caminho para o crescimento económico baseado em fatores endógenos é o único que garante aos cabo-verdianos uma vida mais próspera e mais digna, isto é, com menos privações e esmolas de terceiros.
Praia, 22 de fevereiro de 2025
*Doutorado em Economia
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