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Donald Trump e a “Teoria do Louco”

Por: João Serra*

Será que o Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, está a usar a chamada estratégia do homem louco? Eis a questão que muitos colocam e que procuraremos desenvolver no presente artigo.

Em 2005, o Prémio Nobel da Economia (PNE) foi atribuído a Robert Aumann e a Thomas Schelling. Segundo o Comité do Nobel (CN), os dois economistas foram galardoados “pela sua teoria da decisão interativa, que pode ser aplicada em políticas de segurança e desarmamento, na formação de preços de mercado e em negociações políticas e económicas”. 

O trabalho de Aumann e Schelling, que lhes rendeu o PNE, foi desenvolvido com base na “Teoria dos Jogos”. Esta é uma ciência de estratégia que tenta determinar quais as ações que os diferentes “players” devem adotar de modo a alcançarem os seus objetivos da melhor maneira. E os jogadores podem ser políticos, parceiros comerciais, trabalhadores ou mesmo organizações criminosas.

Schelling foi um dos primeiros a utilizar a “Teoria dos Jogos” no campo das relações internacionais, analisando a corrida nuclear no seu livro clássico “The Strategy of Conflict”.

Ele usou essa teoria para argumentar que, numa guerra nuclear, a capacidade de retaliar a um ataque é mais importante do que a de resistir a um ataque, e que a incerteza de que a retaliação de facto vai acontecer tem mais importância do que a garantia de um contra-ataque.

Tais ideias forneceram o fundamento teórico para a política de contenção mútua entre as superpotências nucleares durante a Guerra Fria e, ainda segundo o CN, “mostraram-se de grande relevância para a resolução de conflitos e os esforços para evitar guerras”.

Com efeito, ao analisar a perspetiva de uma guerra nuclear, na década de 1960, Schelling chegou à conclusão de que a mera ameaça pode ser usada como arma para dissuadir o adversário. Ambos os lados sabem que não há vencedor num conflito nuclear. Se um acredita genuinamente que o outro é capaz de iniciá-lo, pode ceder às demandas dele.

Mas a ameaça precisa ser credível, não pode ser considerada uma fanfarronice. Para convencer o adversário da disposição em apertar o “botão nuclear”, basta parecer louco o suficiente para isso – daí a designação da “Teoria do Louco” (“Madman Theory”, no original em inglês). A loucura (ou simulação de loucura) proporciona uma vantagem estratégica numa escalada nuclear. 

A teoria do homem louco passou então a ser uma estratégia de política externa que procura convencer os adversários de que o líder em questão é imprevisível e capaz de tomar qualquer decisão, inclusive as mais irracionais. Ao semear a dúvida e o medo, espera-se que os opositores sejam dissuadidos de agir de forma agressiva, temendo reações desproporcionais. 

Richard Nixon (1969-1974) foi o primeiro presidente dos EUA a quem se atribui o uso da “Teoria do Louco”. Ele acreditava que, se os vietnamitas o vissem como “louco” o suficiente para apertar o “botão nuclear”, recuariam e os EUA sairiam vitoriosos do conflito com aquele país sul-asiático.

Com Trump na presidência dos EUA, a estratégia do homem louco ganhou nova relevância e dimensão, devido ao seu estilo de liderança pouco convencional. A sua abordagem direta e, muitas vezes, incendiária e errática em relação a questões internas e externas fez com que muitos analistas considerassem que ele aplica, intencionalmente ou não, a teoria do homem louco.

Por exemplo, Jim Sciutto, jornalista da CNN, publicou, em outubro de 2020, um livro intitulado “A teoria do louco: Trump assume o mundo”. Nele, dá exemplos de episódios em que Trump foi imprevisível durante o seu primeiro mandato, nomeadamente em relação ao líder norte-coreano, Kim Jong-un. 

Na verdade, ao longo do seu primeiro mandato entre 2017 e 2021, Trump envolveu-se em várias situações que exemplificam esta estratégia. A sua relação turbulenta com a Coreia do Norte é um caso emblemático. Em 2017, trocou ameaças públicas com Kim Jong-un, elevando as tensões a níveis alarmantes. Ao apelidar Kim de “homem-foguete” e ao afirmar que responderia com “fogo e fúria”, Trump projetou uma imagem de imprevisibilidade. No entanto, esta postura acabou por culminar em encontros diplomáticos inéditos entre os dois líderes, algo que alguns interpretam como um resultado positivo da sua estratégia.

Já nos primeiros dias do seu segundo mandato, Trump tomou uma série de medidas extremamente controversas, que constituem um autêntico retrocesso civilizacional, podendo provocar danos significativos à sociedade norte-americana e ao mundo. Também anunciou outras tantas, cuja concretização poderia conduzir a consequências imprevisíveis, reconfigurando a ordem mundial. Além disso, tem utilizado a política das tarifas aduaneiras para fazer com que países tradicionalmente aliados como o Canadá e o México atendam ao seu desejo de maior controlo das fronteiras, para, supostamente, evitar a entrada de imigrantes e drogas ilícitas nos EUA. E parece estar a conseguir os seus intentos, usando precisamente a teoria do homem louco: ameaça subir e sobe as tarifas para de seguida suspender a sua aplicação mediante promessas feitas que vão de alguma forma ao seu agrado.  

De igual modo, é difícil não ver a sua proposta chocante para a Faixa de Gaza como uma estratégia do homem louco. Recentemente, propôs que os EUA “assumam o controlo” desse território e removam cerca de dois milhões de pessoas, realojando-as definitivamente nos países vizinhos.  A Faixa de Gaza seria depois reconstruída e transformada na nova “Riviera do Médio Oriente”.

Quando fez esse anúncio com uma aparente sinceridade, lendo um pedaço de papel, Trump parecia muito deliberado, pelo que se infere que era intencional. Com isso, usou conscientemente a “Teoria do Louco”, que prevê que o comportamento supostamente irracional seja deliberado e imprevisível. Tal visa passar a impressão de que uma loucura pode ser cometida a qualquer momento, ainda que isso não seja verdadeiro, mas credível o suficiente para enganar o visado. Assim, nunca se sabe ao certo se a pessoa apenas se faz passar por louca ou se de facto é um indivíduo instável.

Muitos dos que ouviram a ideia de Trump poderão ter pensado se ele é louco, tanto mais que muitas outras coisas que diz e faz não se enquadram no senso comum, para além de se saber que terá admitido um pouco de loucura nos assuntos externos e que gosta de manter os líderes mundiais questionando a sua sanidade. De facto, o que parece ser evidente é que ele usa a estratégia do homem louco.

A utilização da “Teoria do Louco” por Trump pode até trazer alguns ganhos pontuais a curto prazo. No entanto, a estratégia pode ter limites num mundo altamente interligado. Com efeito, a imprevisibilidade constante pode gerar instabilidade global, afetando não apenas adversários, mas também parceiros comerciais e aliados estratégicos. Além disso, a longo prazo, a confiança na liderança dos EUA pode ser comprometida, dificultando colaborações futuras.

Praia, 15 de fevereiro de 2025

*Doutorado em Economia

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