Por: António Medina*
A situação social e económica das ilhas de São Vicente, Santo Antão e São Nicolau, do grupo de Barlavento, é um reflexo claro das desigualdades regionais que persistem em Cabo Verde. Embora o país tenha avançado em vários setores, não é difícil perceber que, enquanto algumas ilhas, em particular Santiago, continuam a receber a maior parte dos investimentos e atenção, outras, como São Vicente, Santo Antão e São Nicolau, enfrentam sérios desafios estruturais. Estes problemas, agravados por uma combinação de pobreza extrema, bairros degradados, aumento do desemprego juvenil, criminalidade e um crescente mercado de drogas e prostituição, são sinais alarmantes de um país dividido, onde a promessa de um desenvolvimento equilibrado e justo ainda não foi plenamente cumprida.
A centralização do desenvolvimento em Santiago e a falta de investimentos substanciais em outras ilhas não só comprometem o bem-estar dos seus habitantes, mas também acentuam as desigualdades regionais. Santiago, sendo a ilha mais populosa e o centro político e económico de Cabo Verde, continua a ser o foco principal de investimentos e projetos estruturais. Isto leva à criação de um ciclo vicioso onde as outras ilhas são constantemente deixadas em segundo plano, com recursos e oportunidades escassos para suas populações. O reflexo disso é evidente na vida diária de muitas pessoas em São Vicente, Santo Antão e São Nicolau, que lutam contra a falta de infraestrutura, serviços básicos e, pior ainda, oportunidades de emprego dignas.
O aumento da criminalidade, o consumo de drogas e a prostituição, atualmente presentes na região de Barlavento, conhecida como ‘Dá Café’, são sinais claros de uma sociedade desamparada, onde as pessoas, especialmente e os jovens, não veem perspectivas de futuro.
Em um cenário como esse, a educação, o acesso ao mercado de trabalho e a possibilidade de uma vida melhor parecem ser privilégios distantes, enquanto a desesperança se espalha rapidamente. O crescente desemprego juvenil, muitas vezes resultado da falta de políticas públicas eficazes e de programas de capacitação, agrava ainda mais a situação.
Entretanto, a discrepância entre as ilhas não é apenas uma questão de falta de investimentos. É também uma questão de governança. A centralização do poder e da tomada de decisões em Santiago tem criado um sistema onde as necessidades específicas de cada ilha são frequentemente negligenciadas. As vozes das comunidades de São Vicente, Santo Antão e São Nicolau, por exemplo, muitas vezes são abafadas em um contexto político e administrativo que privilegia os centros urbanos e o poder central.
Diante deste cenário, torna-se urgente refletir sobre a necessidade de uma reforma profunda do modelo político e administrativo de Cabo Verde. A regionalização, seja política, administrativa ou económica, é uma solução que poderia permitir uma distribuição mais equitativa de recursos e oportunidades pelo país. O fortalecimento das administrações regionais poderia permitir uma maior autonomia local, onde as populações de cada ilha teriam mais poder para decidir sobre as suas próprias prioridades e, assim, desenvolver soluções mais eficazes para os problemas locais. A regionalização poderia também facilitar o acesso a fundos e investimentos direcionados, que atendam às especificidades de cada região e promovam o desenvolvimento de maneira mais equilibrada.
Além disso, uma medida concreta que poderia apoiar esse processo de regionalização seria a criação de um Centro de Formação Profissional de excelência na zona de Barlavento, abrangendo ilhas como São Vicente, Santo Antão e São Nicolau. Este centro funcionaria como um polo de capacitação técnica para os jovens, oferecendo oportunidades de formação nas áreas chave do desenvolvimento nacional. Ao promover habilidades profissionais e técnicas, especialmente nas zonas mais desfavorecidas, o centro contribuiria para reduzir o desemprego juvenil e permitiria que os jovens participassem ativamente no desenvolvimento das suas próprias comunidades. Este centro não só atenderia as necessidades locais, mas poderia também servir como um modelo para toda a costa africana, fortalecendo a cooperação regional e a mobilidade de conhecimento.
Em vez de manter a centralização em Santiago, que muitas vezes desconsidera as realidades locais, é preciso dar mais espaço para que as outras ilhas possam crescer de forma sustentável e inclusiva. Se Cabo Verde pretende ser um país justo e desenvolvido, é fundamental que todos os seus cidadãos, independentemente da ilha onde vivam, tenham as mesmas oportunidades de acesso a educação, saúde, emprego e bem-estar. A regionalização poderia ser o primeiro passo para garantir que as ilhas do grupo de Barlavento, como Santo Antão, São Vicente e São Nicolau, não continuem a ser vistas como ilhas “secundárias”, mas como partes fundamentais de um projeto nacional de desenvolvimento inclusivo.
A resposta a essa questão, no entanto, não deve vir apenas da reflexão académica ou política. Deve ser resultado de um diálogo profundo com as comunidades afetadas, garantindo que suas vozes sejam ouvidas e suas necessidades, atendidas. O futuro de Cabo Verde deve ser construído de maneira mais equitativa, respeitando as diferenças e singularidades de cada ilha, sem que uma região sobreponha as demais.
Medina 2025
*Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais)
