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Cultura

Jaasiel Sança Uma voz que vem do coração

Jaasiel Sança canta com alma profunda e vem de uma família de músicos do Sal, com raízes na Boa Vista. Se o seu potencial como intérprete de primeira linha da música de Cabo Verde já se afirmava nas primeiras gravações, ficou agora mais do que confirmado com a Rapsódia de Mornas, editado no final de 2024. As composições de Betú, Jorge Humberto ou Nazálio Fortes, produzidas por Kim Alves, ganham vida nova e frescura nesta voz rouca e serena, que nos chega da América.

É sabido que a música cabo-verdiana muito deve à igreja nazarena, instalada nas ilhas desde o início do século XX, a partir da Brava. Foram vários cantores e instrumentistas, guitarristas e sobretudo pianistas, que aprenderam as primeiras notas, nesta igreja. Jaasiel Sança – nome de baptismo bíblico, atribuído pelo pai, nazareno – hoje uma das melhores vozes masculinas da música tradicional cabo-verdiana, também nasceu para a música através da igreja nazarena. Foi, nas suas palavras, “exposto à música desde criança”.  

Aos treze anos, o concurso Todo o Estudante Canta, no Liceu, apesar de não estar inscrito, gostaram do que ele cantou e acabou ficando no segundo lugar. E a partir daí, não parou mais. 

Natural da vila de Santa Maria, a família Sança, originária da Boa Vista, é mais uma de tocadores e cantores da ilha. E muito antes de seguir para continuar os estudos superiores em Coimbra, Portugal, Sança tocou bastante e cantou com grupos de colegas no Sal. As coisas ficariam mais definidas em Portugal, durante esse período de estudante universitário, onde tocava e cantava praticamente todos os dias. 

Tocatinas, espectáculos na comunidade de estudantes africanos, feiras e festivais de Verão, levam Jaasiel Sança a descobrir melhor o seu espaço como músico e intérprete, para além da afirmação do potencial da sua voz. Formado em Direito, o músico deixa Portugal para os Estados Unidos, pensando sempre na música. Mas, fazendo a vontade aos pais, decide continuar a estudar, desta vez Criminal Justice. Regressa depois ao Sal, de 2008 a 2011, mas depois da morte do pai, Jaasiel sente que Cabo Verde é pequeno demais para as suas ambições profissionais. Regressa aos EUA, mas a estadia produziu muita música e espectáculos, nos festivais de música das ilhas, em locais de Santa Maria. 

América, projecto Rapsódia de Mornas

Na América, uma nova fase da sua carreira musical começa com o convívio com músicos de várias origens: americanos, cubanos, brasileiros, panamianos e de outros países latinos. A nova banda faz digressões e concertos, inclusive no Berkley Performance Center, em 2015, como convidados especiais, uma das melhores salas de espectáculos de Boston e da Costa Leste. A rapsódia de mornas, recentemente gravada, e a circular nas redes sociais, trouxeram uma nova visibilidade para o trabalho de interpretação de Jaasiel. Um projecto que começou há seis, sete anos, como revelou ao A NAÇÃO. 

“Embora tenha deixado de tocar ao vivo, por causa das minhas funções como conselheiro financeiro, continuei a tocar com amigos e em casa. E de cada vez que pegava no violão, as mornas que eu tocava vinham nessa sequência da rapsódia que acabemos gravar, de forma espontânea. E esse encaixe levou-me a pensar que poderia dar uma boa rapsódia, para gravar”, conta Jaasiel. 

Contactado nesse sentido, o músico e produtor Kim Alves abraçou também o projecto. “A rapsódia que acabamos de gravar e pronta há uns dois anos e meio, só que sentíamos que ainda não tinha chegado a hora de a lançar, pôr cá fora.” 

Hoje, o disco está em todas as plataformas digitais, Apple Store, Spotify, Amazon Music, etc. A resposta, diz Sança, tem sido bastante positivo, desde que começou a ser divulgado. Com arranjos de Kim Alves, e harmonias vocais do primo Júlio Sança, a rapsódia inclui várias mornas de Betú e de Jorge Humberto, que ganharam nova vitalidade na voz rouca do cantor salense. E a resposta não podia ser melhor. 

“Por vezes, fico sem palavras diante de tantos elogios, são muitas chamadas e mensagens, com um feed-back extremamente positivo. E não desvalorizando os outros, um dos feed-backs que mais nos tocou e deu-nos a certeza da qualidade do nosso trabalho, foi o de Betú, pela razão de que são músicas suas que gravámos e não tem preço, é muito gratificante.” 

A ideia agora é levar o projecto o mais longe possível. E nesse sentido, o cantor e os seus músicos preparam já um primeiro espectáculo, de apresentação do disco, estando ainda por decidir o local, EUA ou Cabo Verde. “A nossa ideia é que seja algo bastante intimista, tal qual, tal como surge no nosso vídeo de promoção, que circula nas redes sociais”, afirma. Para além das faixas gravadas, ainda existem outras para um outro disco, como revela. 

“Estamos a pensar num LP, mas numa edição limitada, apenas para o registo do trabalho, para as pessoas terem em casa, etc. Para já, estamos a fazer os contactos para os concertos de apresentação, nos Estados Unidos, Cabo Verde e Europa.” Viver da música é o desejo de sempre de quem se dedica a essa actividade. Sança não foge à regra. “ Estou a preparar as coisas, a minha vida, para poder dedicar-me totalmente à música. Estou a trabalhar diariamente neste sentido. Tenho um projecto musical, no âmbito dos cinquenta anos da independência de Cabo Verde, que vai sair poucos dias antes dessa data de 5 de Julho”. 

Projectos futuros

Isto para além de um outro, que o cantor não quer revelar para já, para não perder o ‘momentum’ da coisa, como explica. Será mais para o final do ano, é que é algo “nunca feito na música de Cabo Verde”, tudo o que sabemos para já. “É uma ousadia, que acreditamos irá funcionar muito bem”, diz. A música, explica, está na família desde a sua bisavó, Nha Júlia Sança, “considerada a maior cantadeira de Dja d’Sal. E quando o administrador vinha de visita, contam que era ela quem vinham buscar para cantar para ele. E vários tios meus também tocavam violão, cavaquinho, mas nada de muito profissional ou sério, digamos assim.” 

Mas antes da rapsódia, Sança já tinha gravado Casa di Nha Cumpade, com arranjos de Palinho Vieira e a participação do falecido Totinho no sax e outros instrumentos gravados ainda no Sal. As vozes foram já gravadas na América, assim como o vídeo de promoção. Mas antes, o primeiro EP, Ká Berto, foi gravado em 2014, com músicas de Cabo Verde com influências do jazz, com cinco composições dele e do irmão. Seguiu-se Ê duedu, um funaná lento, e Mi má bô, gravado durante a pandemia da Covid, para além de outras participações noutras gravações. O disco Rapsódia de Mornas, tem mornas de Betú (Cuzas di coraçon, Nha Coraçom I, Dor di Nh’ Alma), Nazálio Fortes (Bela), Luís Lima, Jorge Humberto (Mais um pintor) e Paulino Vieira, na voz de Jaasiel Sança (principal) e Ju Sança (coros), com produção de Kim Alves.

 

Joaquim Arena

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