PUB

Economia

Suzano Vicente, presidente dos armadores de Cabo Verde: “2024 foi dos piores anos para o sector das pescas”

Suzano Vicente, presidente dos armadores de pesca, considera 2024 o pior dos anos para sector pesqueiro, marcado por uma redução drástica nas capturas e condições de trabalho. Em entrevista ao A NAÇÃO, esse operador chama a atenção do Governo para o impacto “devastador e profundo” que as pescas em Cabo Verde têm vindo a sofrer por falta de “investimentos públicos a sério”. “Os governos vão e vêm, mas os armadores estão sempre cá”, avisa. 

Um quanto cansado de promessas vazias e não concretizadas com vista à revitalização do sector pesqueiro, o presidente da Associação dos Armadores de Pesca de Cabo Verde enfatiza que 2024 “foi um dos piores anos registados para o sector das pescas, com uma drástica redução na produção e nas condições de trabalho”. 

Suzano Vicente salienta que “as dificuldades no sector das pescas permanecem as mesmas desde 2015”. “As nossas embarcações são pequenas, sem autonomia e sem sistemas de refrigeração adequados”. Sendo assim, na disputa dos recursos haliêuticos nos mares de Cabo Verde a frota nacional acaba por perder face à forte concorrência externa, particularmente dos pesqueiros europeus e chineses. 

O nosso entrevistado enfatiza que a Carta de Política das Pescas e o Plano de Gestão das Pescas, aprovados recentemente, visam, supostamente, resgatar e revitalizar um sector vital para economia nacional. Contudo, a associação nunca recebeu nenhum documento oficial sobre a Carta de Política de Pesca. “O que existe é a de 2019, documento este que nunca foi concretizado”, indicou. 

Da mesma forma, como assegura também, o plano de gestão das pescas vigente é “apenas” uma prorrogação do plano anterior, sem uma avaliação adequada, especialmente no contexto das mudanças climáticas. 

Conforme Suzano Vicente, há um ou dois meses, a associação entregou um documento ao Governo, fruto de um encontro com o ministro anterior, Abraão Vivente, propondo um estudo para rever a capacidade operacional das embarcações e a viabilidade de instalar sistemas de refrigeração e energia solar. No entanto, também neste caso, a associação ainda não recebeu o feedback do Ministério do Mar.
O presidente da APESC adverte que sem uma política clara para o sector, a situação irá manter-se, com os prejuízos que o sector tem vindo a acumular ao longo dos anos e décadas, “sai governo, entra governo”, continuando praticamente tudo na mesma. 

A distribuição dos benefícios previstos no Orçamento do Estado para as Pescas, no entender do presidente da APESC, poderia ser feita de forma mais racional ao longo dos cinco anos de governação, em vez de se concentrar tudo no último ano de mandato para tirar proveitos políticos. “O sector das pescas continua sem descolar a nível nacional, por falta de um braço forte do governo. É preciso ter um incentivo forte do governo”, sublinha.
Como exemplo de deriva em que as pescas se encontram, em oito anos, desta governação de Ulisses Correia e Silva, o sector já vai em quatro ministros, o que, do ponto de vista do entrevistado do A NAÇÃO, “indica que algo não está bem”. “Nenhum governo está interessado no sector das pescas. Se estivesse interessado, teríamos uma carta de política clara e um plano estatístico para o sector das pescas. Isto não existe”, aponta como exemplo. 

Como alega também, a APESC elaborou um plano de negócio a nível nacional que integra soluções para o sector das pescas, houve depois um encontro com o actual ministro, Jorge Santos, mas não passou disso. “As promessas do ministro incluem pagar os projectos e avançar com eles. Um dos projectos seria o da cooperativa, que é visto como um plano holístico para o sector das pescas”. 

A ideia de formar uma cooperativa, como diz aquele operador, surgiu por haver um dispositivo na legislação que permite conceder a uma cooperativa o título de interesse público. “Uma cooperativa permitiria que os armadores, que já possuem as suas embarcações, actuassem em grupo, complementando-se e vendendo os seus produtos a um preço mais competitivo”. 

Contudo, como deixa transparecer, optar por uma sociedade anónima, como parece pretender o Ministério do Mar, depois de todo o caminho já percorrido, deitaria por terra as recomendações do estudo, que custou cerca de 2.000 contos aos contribuintes. 

“Os governos vão e vêm” 

A propósito dos problemas e falta de diálogo com o poder político, Suzano Vicente lembra que “os governos vão e vêm, mas os armadores estão sempre cá”. E, nisso, a esperança é que um dia haja, realmente, um ministro comprometido com o sector das pescas e disposto a manter um diálogo mais forte. 

Isto é, “um ministro que atenda às chamadas telefónicas e mensagens, e que mantenha encontros regulares com a comunidade ligadas ao mar e às pescas para discutir os problemas e desafios do sector”. Infelizmente, “o diálogo com o governo não está a funcionar, e talvez a nossa mensagem não esteja a ser bem recebida”, admite. 

Na busca entretanto de solução para alguns problemas antigos, caso do alto custo do combustível e da eterna dependência dos preços internacionais, Suzano Vicente revela que a APESC solicitou ao Governo um estudo para definir os custos e benefícios de instalar sistemas de frio e sonar nas embarcações, mas que também não recebeu qualquer retorno. 

Face à realidade, aquele operador alerta que a capacidade interna de pesca é cada vez mais limitada e que a falta de apoio financeiro e estrutural impede os armadores nacionais de competirem com os navios estrangeiros. Por esta razão, defende uma discriminação clara dos recursos destinados ao sector das pescas e a necessidade de um tratamento diferenciado, dada a sua importância na cadeia de valor da economia e que seria bom que este tipo de medidas fosse adoptado já em 2025. 

“75% da nossa capacidade haliêutica é pescada por outros”

 APESC, a Associação dos Armadores de Cabo Verde, está a trabalhar com consultores num estudo para aferir a relação entre o sector das pescas e o turismo a nível nacional, e a contribuição da mesma para o turismo. “Se retirar o sector das pescas, o que seria do turismo?”, questiona o presidente da associação, Suzano Vicente, ao A NAÇÃO. 

Para o ano que acaba de começar, a APESC, segundo o seu responsável e porta-voz, tem um conjunto de acções previstas, incluindo a defesa dos interesses dos armadores de pesca e a realização de uma assembleia geral em Março para apresentar o plano em acção. 

Uma outra iniciativa será a realização, no final do presente ano, de um fórum internacional em colaboração com instituições nacionais e externas, como o Governo e Banco Mundial e a União Europeia. 

Observatório 

A APESC pretende também, segundo o seu presidente, criar um observatório para permitir a publicação de opiniões sobre o estado do sector. Como explica, a associação é membro da FITI (Iniciativa para a Transparência nas Pescas) e com base nisso espera poder identificar as áreas que necessitam de um tratamento diferenciado do Governo de Cabo Verde. 

 “A actividade pesqueira precisa de um estímulo forte do Governo, incluindo a concessão de equipamentos como sonar, que é um equipamento detector de cardumes, e sistemas de refrigeração para as embarcações”, adianta Suzano Vicente. 

No final do ano de 2025, se Cabo Verde não preencher alguns requisitos, a APESC planeia pedir mais uma extensão para o acordo com a União Europeia, o que já vem sendo recorrente, repetindo-se os dramas já conhecidos. 

“Não temos capacidade interna para pescar a quantidade que determinamos, por isso 75% da nossa capacidade haliêutica é pescada por outros”, conclui.  

João A. do Rosário

PUB

Adicionar um comentário

Faça o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PUB

PUB

To Top