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Ainda os direitos dos reclusos

Por: Germano Almeida

Sou obrigado a retomar a questão do computador do deputado Amadeu Oiveira. Não por vontade própria, mas antes pressionado, diria mesmo, quase forçado por protestos e imposição de pessoas diversas que despudoradamente me acusam de ter querido branquear as palavras do senhor procurador-geral da República, branqueamento esse efetuado por via de propositada omissão de opiniões graves e gravosas, afirmam, por ele proferidas no que concerne ao direito de o deputado Amadeu Oliveira, preso na cadeia civil de S. Vicente, poder ter um computador portátil dentro da prisão. REPITA-SE: um computador portátil  SEM LIGAÇÃO ELETRÓNICA, isto é, SEM WI-FI.

Mesmo aqueles que me considerem eventual branqueador de entidades públicas, deveriam concordar que o senhor procurador-geral da República não precisa de branqueamento. Isso porque, ainda que lhe faltasse tudo o mais, ele tem poder, tem poder que sobra, ele ordena e nós outros obedecemos. Tendo ou não tendo a lei a par do seu poder, ele é soberano no que diz ou faz, tanto mais que as palavras da letra da lei, como ensinam os entendidos e também as vítimas, quando devidamente torturadas, dizem exatamente o que queremos que seja ouvido. Como aliás ficou bem claro na interpretação, melhor, na invenção da interpretação que o senhor procurador-geral da República deu de “com wi-fi” e “sem wi-fi”. Portanto, fica entendido que não se tratou de um processo de branqueamento das acções do procurador-geral da República, mas antes de um lamentável ato de distração da minha parte ao não reparar que nesse mesmo pronunciamento sobre o direito de um preso ter ou não um computador, o procurador-geral aproveitou para represtinar princípios políticos e conceitos que fizeram agradável carreira nos primeiros anos da nossa independência, mas que e infelizmente a pouco e pouco foram sendo olvidados e caindo em desuso, substituidos que a pouco e pouco foram sendo por uma visão mais pragmática da vida, mais terra a terra, enfim, uma sociedade onde muitos são chamados, porém poucos são escolhidos. E daí que fica mister atropelar, se necessário, aqueles que embaraçam a caminhada, o que importa realmente é guindar-se aos lugares cimeiros e de visibilidade social.

Mas não é, felizmente, o caso do procurador-geral da República! Porque nessa entrevista que tem merecido generalizado opróbio da malta das redes sociais e onde eu inocente apanhei por tabela, o senhor procurador-geral da República já não contesta em absoluto o direito do deputado Amadeu Oliveira a um computador portátil sem ligação eletrónica. Contesta sim, a injustiça social de ele Amadeu Oliveira, recluso igual a qualquer outro, poder ter um computador portátil e a maioria dos demais presos não. Eis as palavras sediciosas do senhor procurador-geral da República, fiscal da legalidade, responsável pelo exato cumprimento da lei: “É uma questão de igualdade entre os reclusos, são todos reclusos, não se pode priveligiar um ou outro, tendo em conta a sua condição”. 

Portanto, não é uma questão de ter ou não ter direito a ter um computador, ter ou não ter ligação eletrónica. É antes uma questão de igualdade social, que, não se podendo ter na sociedade em geral, que ao menos se tenha na cadeia. Nesta perspetiva, a cadeia funciona como uma espécie de um pequeno kolkose, com o procurador-geral da República a funcionar como um tardio, porém, perigoso comunista, assim uma espécie de um Staline doméstico impondo por esta via a coletivização da igualdade negativa, pois que ou todos devem ter um computador ou nenhum pode ter.

Não pouca gente terá ficado feliz com essa espécie de regresso ao passado como às águas de um rio onde não se sonhava mais poder banhar. O grande problema que resta agora é o que fazer com a lei que existe e diz expressamente que um preso tem direito a um computador portátil, que fazer com o respeito pela lei escrita, pela norma legal.   

Logo no início da declaração a que estamos a reportar, o procurador-geral referiu com abundância de pormenores à defesa dos direitos humanos, direitos fundamentais que não podem ser violados. No entanto, é forçoso reconhecer que também o senhor procurador-geral da República não é igualmente muito dado a respeitar a lei quando as normas não são do seu agrado. E talvez seja por isso que o desembargador Simão Santos não foi criminalmente perseguido pelo ministério público pelo cometimento do crime de prevaricação no caso da absolutamente ilegal prisão do deputado Amadeu Oliveira.      

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