Por: António Andrade
“A música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição”.
Aristóteles (Estagira, 384 a.C. – Atenas, 322 a.C.) Foi um influente filósofo grego, discípulo de Platão.
Introdução
A arte musical é uma forma de expressão artística que utiliza o som, neste caso, a música como meio de comunicação, envolvendo desde logo a criação, interpretação e arranjos de composições musicais, que podem abranger uma ampla variedade de estilos e géneros.
Sendo uma actividade a ser exercida por seres humanos, não é excesso algum afirmar que dentro deste contexto, há criaturas que quase diríamos, nasceram através da inusitada bênção de Deus, que este felizmente nos concedeu como andantes sobre a terra, com a vida de igual para igual a todos.
No entanto, essas mesmas criaturas, aproveitaram quase sempre e com mérito a dádiva do Altíssimo, incondicional e eterna, na superação das dificuldades da vida e seus caprichos; as vicissitudes, as adversidades, os vaivéns da sorte etc., impostos pela lei da existência.
Como se tivessem sido mais beneficiadas do que as outras por essa provação divina, mas como se pode ver e constatar, simplesmente abraçaram com força, sabedoria e engenho, o momento e a oportunidade que se lhes surgiram pela frente, durante o período de suas vivências neste Planeta.
Tranformando seus percursos artísticos e vivenciais, num grande sucesso e consequentemente obtendo enorme notoriedade nacional e internacional nas regiões ou países onde se inseriram ou nasceram e, por causa disso, ficarão para sempre lembradas e eternizadas na memória do nosso povo.
Figuras icónicas e intemporais
Seguindo este raciocínio com pendor na carreira artística feminina, com a internacionalização dos géneros tradicionais que contribuiu para uma maior divulgação da música crioula, a conclusão a que se chegou, é de que algumas mulheres em número restrito, formariam aquilo a que já se chamou Figuras icónicas e intemporais das músicas tradicionais de Cabo Verde, onde estariam exactamente as que agora estão.
Quer dizer, de um lado a Cise-Cesária Évora (Mindelo, 27 de Agosto de 1941 – Mindelo, 17 de Dezembro de 2011), a Titina Rodrigues (Mindelo, 27 de Novembro de 1947 – Setúbal, 6 de Maio de 2022) e a Celina Pereira (Sal-Rei, 10 de Setembro de 1940 – Almada, 17 de Dezembro de 2020), nesta escolha feita a propósito, mas é avaliação que consideramos dominante, por ser aceite pela maior parte das pessoas entendidas na matéria.
Outras figuras e ícones da música tradicional
E do outro lado, desde às mais antigas como a Gardénia Benrós e Sãozinha Fonseca, passando pela Fantcha e Ana Firmino, a Maria Alice e Lura, a Nancy Vieira e Teté Alhinho, a Mariana Ramos e Zenaida Chantre, a Dina Medina, a Teresinha Araújo e Lena França, às da nova geração pela Gabriela Mendes e Mayra Andrade, a Solange Cesarovna e Isa Pereira, a Zizi Vaz e Diva Barros, a Ceuzany e a Neuza de Pina, a Jenifer Soledade e Elida Almeida, a Assol Garcia e Cremilda Medina e mais recentemente a Bertânia Almeida, de entre várias figuras e ícones que neste momento não conseguiremos recordar os nomes de todas elas, que também com mérito cultivam e actuam na vertente da música autóctone, ou seja, música proveniente do conhecimento tradicional, cujos sentimentos foram incorporados nas tradições culturais das comunidades.
Num estilo já modernizado, mas sem fugir à essência do tradicional, a Jacqueline Fortes, artista filha de cabo-verdianos, nascida no estrangeiro é portadora de uma voz, melodiosa, poderosa e harmoniosa.
O talento que ela possui, dá-lhe essa facilidade ímpar de interpretar/cantar com elegância e classe quase todos os géneros eminentemente tradicionais, designadamente Morna, Coladeira, Funaná, Mazurca, Colá etc., que encontram eco e pureza numa mulher verdadeiramente talentosa, dito doutro modo, numa artista com talento, esta palavra que é normalmente utilizada para caracterizar as qualidades intrínsecas do ser humano.
Talento
Os dicionários onlines referem ao talento como um substantivo masculino de origem latina (talentum), que significa a facilidade com que se aprende ou se executa certo tipo de actividade, isto é, a predisposição para compreender, realizar e executar muito bem uma acção de qualquer natureza. Por exemplo: talento para aprender música ou idiomas, aptidão para artes ou praticar desportos, dom natural para ser artista e de renome, alguém que possui muito jeito no relacionamento interpessoal etc.
Enfim, o termo significa a inclinação natural do indivíduo em realizar comme il faut – locução francesa que se traduz em “como deve ser” – uma acção aparentemente de cariz complexo, podendo não o ser, mas com sucesso.
Verifica-se, de igual modo, na criatividade, na tomada de decisão, capacidade para influenciar, liderar, falar em público, na autogestão dos bens próprios, no raciocínio lógico, pensamento estratégico, resiliência etc. Para tudo isso, entra ou é necessário o talento – referido também por vocábulo incomum, que é sinónimo ainda de vocação, capacidade, competência, destreza etc. Ainda é tido pela grande inteligência, a agudeza de espírito, ou como atrás se disse, a engenharia vocal, habilidades etc.
Em suma, e em relação aos artistas, músicos e compositores, o talento poderá ser, de certa forma, queda para cantar, orquestrar ou compor. Estes dois pergaminhos, cantar e compor sobremaneira, encontram nela terrenos férteis, quando segura um microfone interpretando músicas dos outros ou cantando as de suas próprias criações.
Parábola dos talentos
Numa página online de conteúdo religioso, diz-se que a frase em questão, tem origem no Cristianismo, numa referência à Parábola dos talentos que se atribui a São Mateus (Capítulo 25, Versículos 14-30). Nela, um homem entrega a três servos, respectivamente, cinco talentos, dois talentos e um talento; os dois primeiros investiram o dinheiro e dobraram o capital, porém o terceiro enterrou o talento e o devolveu ao seu Senhor. Os dois primeiros recebem elogios, mas o terceiro é punido.
De acordo com a tradição Cristã, a mensagem sobre a referida Parábola, é que Deus nos dá dons e talentos únicos, e espera que os usemos para Sua glória, segundo a Sua vontade e propósito e, para o bem da humanidade.
Músicas tradicionais
Outro site dizia que músicas tradicionais ou folclóricas são aquelas que simbolizam as tradições e costumes de um povo, passados de geração a geração, como parte dos seus valores e da sua identidade. E representam as crenças e as tradições de uma certa região.
Para acrescentar que grande parte das músicas folclóricas, possuem letras de fácil memorização e estão ligadas às festividades, envolvendo também danças típicas de uma determinada cultura. Neste particular, diremos que, tais tradições, entre nós, englobam a Morna, a Coladeira, o Batuque, a Tabanca e o Finason, o Funaná, o Funacol e o Funamba, o Colá e o Talai Baxu etc.
Géneros tradicionais em evolução
Devido às influências de repertórios e géneros de outras latitudes que chegavam ocasionalmente ao torrão natal, nomeadamente do estilo Zouk, os nossos artistas e músicos, apoiados pelo avanço da técnologia de gravação digital e dos softwares de produção, passam a fazer a edição, mixem, gravação e masterização das suas músicas de forma mais eficiente.
Com tais tecnologias postas ao serviço de composições e dos arranjos musicais, criaram diversas temáticas provindas da Coladeira, alargando-se e passando a incluir temas variados também de sentimentos românticos e outras composições de carácter diversificado.
Aqui é que entra exemplos típicos como o Cola-Zouk ou Cabo-Zouk, o Cabo-Love ou Cabo-Swing, Cola-Dance e o Guetto Zouk etc., conforme queiramos chamá-los após identificá-los.
“Angola e Cabo Verde em Mim” do Pato, Gil e Vado, é claramente uma mistura do Cabo-Zouk com Cabo-Love ou um Cola-Zouk com Cabo-Swing, nesta nossa perespectiva.
O talento que Jacqueline Fortes possui, dá-lhe essa facilidade ímpar de interpretar/cantar com elegância e classe quase todos os géneros eminentemente tradicionais, designadamente Morna, Coladeira, Funaná, Mazurca, Colá etc., que encontram eco e pureza numa mulher verdadeiramente talentosa.
Aparição da artista
Na verdade, Cabo Verde assistiu e ouviu, a partir do início dos anos oitenta, à aparição da artista Jacqueline Fortes em título, como cantora em discos gravados subsequentemente, a partir do lançamento do seu primeiro trabalho discográfico, de seu próprio nome (Jacqueline), contendo três temas de Faria Júnior (Faixas A1 Nha Cozinha D’Manha, A4 Inguise e B2 Catatau), dois de Manuel d´Novas (A2 Divórcio Um Ca Ta Sena e B1 Professorinha), mais dois Populares (A3 Caminho Di Mar e B3 Seis One Na Tarrafal) e um do Luís Morais (B4 É Medjor Bó Feca Calode), tendo este nos arranjos, mas acompanhado dos ilustres elementos do Voz de Cabo Verde, onde se encontravam Paulino Vieira, Leonel Almeida, Bebeth, Kabanga e Zé António.
Contudo, já antes havia participado cantando nos palcos no Senegal e pela primeira vez em Mindelo em 1979, quando conheceu Cabo Verde e posteriormente em Portugal na discoteca Monte Cara e editora homónima, aliás, esta foi a produtora do disco, ambas propriedade do saudoso e eterno Bana.
Produziu mais cinco Lp´s, que de acordo com o tempo em que foram lançados, para surpresa geral, todos continuaram tendo boa aceitação nos gostos dos cabo-verdianos no país e na diáspora.
LP Dialogue, a grande novidade
Dialogue, o seu segundo LP, que é nada menos nada mais que Marido Exemplar, como é vulgarmente conhecido pelo sentido do refrão da música contida no disco, é um tema do músico e compositor Faria Júnior, ouvido na faixa A1 e grafado por Dialogue (do francês para português Diálogo), mas composto em crioulo e que obteve um sucesso estrondoso em todo o país.
O tema referenciado no LP, apresentando a maravilhosa voz da cantora, de forma sincronizada, melódica e ritmada, fez o povo vibrar de emoção, embarcando-se na onda musical envolvente, sentimental e inédita por estas bandas, que em pouco tempo, tornou-se um fenómeno de audição e viria confirmar a sua carreira musical, com vasta crítica positiva que transformou o Cola Zouk na grande novidade musical do ano.
Por esse motivo, é de se afirmar que o primeiro estilo do género, de que há memória, nestas ilhas, após a chegada do som dos discos dos Cabo Verde Show, foi sem dúvida Dialogue que deu título ao Long Play por ela gravado em 1986.
Ao ser tocado na altura – perdoe-se-nos o exagero se tal acontecesse – foi uma explosão musical, cujo som agradável que se fazia sentir, teve um impacto generalizado e duradouro, enorme no seio dos gostos da população, quer de Barlavento onde o tema se deu origem, quer de Sotavento onde veio desaguar, como se tivesse sido um rio de grande caudal, arrastando o público a também ouvir, com igual emoção, praticamente todas as faixas do disco da Grande Voz da artista também conhecida por certa imprensa como A Grande Dama da Música de Cabo Verde. Outros tempos! Outras vontades! Lindos tempos!
Tema angústia das mulheres
O tema socializado e de cunho sentimental muito badalado na altura, fez com que algumas mulheres rotulassem os seus companheiros de “Marido Infiel”, enquanto outras mulheres, no contraponto de suas angústias sobre o relacionamento conjugal, se gabavam de que dispunham do “Marido Exemplar!”.
Mas, a história tem contornos verídicos e através da temática extrai-se revelações de um trio de mulheres, cada qual mostrando primeiramente o lado negativo e depois positivo da vivência dos seus maridos na qualidade de casais com suas esposas.
O extremo oposto a que chegou o comportamento de dois deles, pelas narrações da primeira esposa, bem como da segunda, que tinham habitos de aventurar-se, divertindo-se com amigos pelos bares da cidade do Mindelo e, na maioria dos casos, esquecendo-se de ambas, que deixavam cada uma em suas casas e com as quais viviam em plena comunhão de vida. É o que se percebe dos comentários da primeira esposa traduzidos nas letras da música, a seguir:
Fonte: som do disco
“Marid infiel é só pá angústia de gent
Nha saúde tá mut complicodu
Tensão já sbim nerve ta descontroladu
Hoje n pegal nas calmas ta navega note sussegod”
(Marido infiel é só para angústia das pessoas
Minha saúde está muito complicada
Tensão já me subiu e nervos descontrolados
Hoje peguei-lhe nas calmas a navegar na noite sossegado).
Por isso, estando de atalaia, viu-o a sair sorrateiramente na noite galopando a estrada rumo à avenida mais movimentada do Mindelo, no seu percurso, cujo itinerário a mulher descreveu-o assim:
“Squa caladin rumo pá Rua de Lisboa
Cafe Royal e Portugal é sij pont de encontro”
(Saiu caladinho rumo para Rua de Lisboa
Café Royal e Portugal é o seu ponto de encontro).
Introspecções filosóficas
Para que um relacionamento conjugal seja saudável, ambos os indivíduos devem estar comprometidos a resolverem os seus próprios problemas, bem como aceitar os do parceiro.
A vida conjugal pode ser difícil por vários motivos, mas é possível superar as dificuldades com diálogo, compreensão e paciência. A falta de comunicação e disposição para resolver problemas simples ou complexos se encontram na nossa psique.
Quando a necessidade de fuga da realidade é forte, por vezes nós mentimos para nós mesmos e para as pessoas à nossa volta de que tudo está bem. Mas, o medo de enfrentar as causas dos conflitos existe porque não estamos bem com nós mesmos, refere uma página online. Aqui é que entra o apotegma de Sócrates “Conhece-te a ti mesmo”, com as introspecções caracterizadas por acções de fazer umas análises íntimas e reflexivas sobre nós próprios.
Veja-se que a primeira esposa continuou manifestando a sua indignação e aparente angústia em face das desculpas, que se presume, bem estruturadas do marido.
“Mi inocente de sij mintira ej sopram n´uvid
Oi pamod um ta spende de pé”
(Eu inocente com suas mentiras, eles sopram-me no ouvido
Óh porque suspendo de pé)
Já dizia George Sand (1804 – 1876), que A mentira é fácil, a verdade é muito difícil. O Nelson Rodrigues (1912 – 1980), até diria que Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas. Naquele comportamento em que O homem esquece para ter passado e mente para ter futuro, do Mia Couto (1955 – ).
Para um especialista na área da Psicologia, o relacionamento conjugal acaba sendo alvo das dores de cabeça emocionais não resolvidas. A maioria delas actua sobre os homens e as mulheres de forma inconsciente, por isso, às vezes é difícil percebermos o que está causando determinados problemas e desentendimentos.
Como refere o site, a auto-estima baixa, a carência afectiva, o desespero para salvar o namoro/casamento, o desejo de ter filhos, a vontade de ser amado e a insegurança criam cenários trágicos na nossa cabeça. Imaginamos que o parceiro irá abandonar-nos e perderemos aquele porto seguro tão amado e que nunca mais encontraremos o amor novamente.
Melhor seria compreender e entender que o parceiro também possui as suas próprias inseguranças e incertezas; as suas fraquezas sobre a vida e sobre si mesmo e se isso lhe estiver causando sofrimento, seguramente que vai exteriorizá-lo no relacionamento alheio à vida em comum. Dessa forma, o casal entra em atritos.
Mas, o certo e interessante em toda a história do tema, é que, a segunda esposa, também inconformada com a vivência marital, lamentou-se da mesma forma. Na realidade, o comportamento do seu marido, não estava muito distante da anterior (angustiada mulher), a ver pelo expressivo desabafo, seguinte:
“Dmeu despoj kel tá sai de serviçe Justin pa junzin monk
Lourenço ou Boca d′Tubarão e kem sabe sel ka tem ot brock
Tambe el ti tá sofre dor dês situaçon
Kes crise universal pá ej tud é normal”
(O meu depois de sair do serviço, vai direitinho para Joãozinho coxo
Lourenço ou Boca de Tubarão e quem sabe se não terá outro lugar
Também está a sofrer a dor dessa situação
Com essa crise universal para eles tudo é normal).
A falta de confiança gera desconfiança no percurso do infiel marido, já desacreditado consigo mesmo e com a mulher que vem continuando a expor as suas mágoas, desta forma:
“Kond el tá tchga se desculpa é só traboi
E mi tud convencid tá speral preocupod
El ma se mundo na boa vida!”
(Quando chega à casa, sua desculpa é só trabalho
Eu toda convencida a lhe esperar preocupada
Ele e seu mundo na boa vida!).
Entretanto, do outro lado do ciclo das lamentações estaria uma mulher cuja vivência em comunhão com o seu marido até parece um mar de rosas ou um conto de fadas, como ocorre com a terceira esposa, que também em jeito de desabafo deu origem a este longo refrão, senão vejamos:
“Mi nka tem ess problema
Nha marid é exemplar
Casa traboi
Traboi casa
El ka sabê vadia
Sun tiver n’arranjo de panela
El tá po mesa e cuida d’nós fidge!”
(Eu não tenho esse problema
Meu marido é exemplar
Casa trabalho
Trabalho casa
Ele não sabe vadiar
Se eu tiver no arranjo de panela
Ele coloca a mesa e cuida dos nossos filhos!).
Diáspora
O termo diáspora, de acordo com dicionários onlines, tem a ver com dispersão e refere-se ao deslocamento, forçado ou não, de um povo pelo mundo. Foi largamente utilizado para designar os processos de ‘dispersão’ dos judeus entre os séculos 6 a.C (cativeiro na Babilônia) e o século XX (perseguições na Europa).
Assim, originalmente falando, o termo se associa ao processo que ocorre quando populações se dispersam pelo mundo, saindo do seu país de origem devido a perseguições políticas, religiosas de entre outras, como aconteceu com a diáspora judaica, por exemplo, atrás mencionada.
No entretanto, cá entre nós, as condições climatéricas e a pobreza da terra, sobretudo, foram das principais causas de entre muitas, que ocorreram com o povo cabo-verdiano que por estas razões também se viu obrigado a emigrar.
Culturalmente falando, concordo com tais dicionários, do meu ponto de vista significa: dispersão de um povo, espalhamento, disseminação, distribuição, difusão, separação, afastamento, apartamento etc.
Por outro lado, a maioria dos historiadores falam em duas grandes diásporas, chamadas de primeira e segunda diáspora judaica, respectivamente.
Na primeira diáspora judaica: em 586 a.C., os hebreus foram deportados para a Babilônia.
Na segunda: em 70 d.C., os romanos destruíram Jerusalém e os judeus foram deportados para a Ásia, África e Europa. Tanto numa como noutra, são tidos em conta dois processos que conjuntamente, demoraram 19 séculos e foram marcados, como se disse, por cativeiro e perseguições. Segundo certos escritos históricos, a diáspora judaica terminou em 1948, com a criação do Estado de Israel na Palestina.
Contudo, mais concretamente sobre o sentido deste termo diáspora, existe ainda um estudo na perspectiva de Stuart Hall, (Kingston, 3 de Fevereiro de 1932 — Londres, 10 de Fevereiro de 2014). Conforme o site disponibilizado online, foi um teórico cultural e sociólogo britânico-jamaicano que viveu e exerceu suas actividades no Reino Unido a partir de 1951. Ele mesmo desenvolveu um estudo sobre os fenómenos relativos a migrações humanas dos ex-países coloniais para as antigas metrópoles.
Fazendo aqui um paralelismo com esse estudo já nos tempos mais distantes, além da América do Norte, mas sobretudo São Tomé e Príncipe, Senegal e Angola e mesmo a Guiné Bissau, serviram também de emigração cabo-verdiana numa escala considerável.
O estudo do investigador cabo-verdiano Doutor Brito Semedo no seu Magazine Cultural Esquina do Tempo, de 31 de Agosto de 2024, denominado EMIGRAÇÃO CABO-VERDIANA – HISTÓRIA, REALIDADE E OPORTUNIDADE, possui uma importância assinalável, motivos suficientes pelos quais se transcreve um pequeno trecho:
“A emigração cabo-verdiana teve seus primórdios nos meados do século XVIII, com os primeiros ilhéus indo para a América do Norte, especialmente os Estados Unidos, atraídos pela pesca da baleia.
No século XIX, as condições difíceis nas ilhas, agravadas por secas e fomes, forçaram muitos cabo-verdianos a emigrar para São Tomé e Príncipe, como trabalhadores contratados nas roças.
A proximidade geográfica fez de Dakar, no Senegal, um dos principais destinos no início do século XX, especialmente entre as décadas de 1940 e 1960. O colapso das colheitas em 1947 levou a uma grande onda migratória, com muitos cabo-verdianos a dirigir-se para Angola”.
Mas, prosseguindo com o estudo do teórico Stuart Hall “O conceito fechado de diáspora se apoia sobre uma concepção binária de diferença. Está fundado sobre a construção de uma fronteira de exclusão e depende da construção de um ‘outro’ e de uma oposição rígida entre o de dentro e o de fora”.
Continuou dizendo que, “Porém as configurações sincretizadas da identidade cultural requerem a noção derridiana de différance, uma diferença que não funciona através dos binarismos, fronteiras veladas que separam finalmente, mas são também places de passage (lugares de passagem) e significados que são posicionais e relacionais, sempre em deslize ao longo de um espectro sem começo nem fim”.
CD Valor Di Amor
Jacqueline Fortes deixou passar sete anos sem gravar, alegadamente a cuidar da sua família, citando o site Cabo Verde & a música – Museu virtual.
Mas de acordo ainda com as nossas pesquisas, a partir dos meados dos anos oitenta, este quinto disco (Valor Di Amor) que a artista terá gravado em 1997, incluiu na sua faixa 4, um tema do género Funaná do multi-instrumentista Manuel De Candinho com o nome Siman Fla.
Aliás, o próprio foi director musical do disco e já o tinha gravado esse tema com voz no seu LP denominado Si Agu Mar Bira Grogo de 1983.
Ainda, muito antes, no LP/CD CURAÇON CALMA, CA POM MO, Jacqueline já tinha enveredado e experimentado o Funaná na faixa A1 Ca pom mõ, da mesma lavra do músico e compositor de Chaminé em São Domingos na ilha de Santiago.
No entanto, no CD Valor Di Amor, no qual a artista gravou o emblemático Siman Fla, numa perfeita combinação do ritmo, da harmonia e letras, sui generis, em abono da verdade, o famoso Funaná reflete no seu contexto os hábitos e costumes nas tradições e vivências do povo, i.e., a cisma do povo, de que o xerém que pertence ao seu dono, não seria nunca lançado por outrém e, se eventualmente lançado, não seria recuperável, por ser, como manda a tradição, o símbolo edificado de uma cultura de defesa do que é mais sagrado, em toda a parte, mas mais concretamente na ilha maior Santiago, como são a honra e o respeito dirigidos ao semelhante. Não é por acaso que, lançando o xerém, o provocador eventualmente não repetiria o gesto no futuro, pois, terá que ser responsabilizado a todo o custo para nunca mais o fizer – na nossa opinião.
Tratando-se de um dos discos mais conceituados da artista por envolver uma vasta gama de renomados músicos e executantes de instrumentos de cordas e teclados, bateria e percussão como são Manuel De Candinho já referido, Quim Alves, Dick, Albertino Évora e Djosa, Jack Santos e Amanhã etc., e nos coros ainda com ALbertino, mais o Zé Rui, DIck, Mileia e Lutchinha.
O site Cabo Verde & a música – museu virtual, acima mencionado, refere que o disco foi gravado em New Bedford nos Estados Unidos. O Discogs indica ter sido na Europa em 1997. Mas o certo é que na sua contra-capa, pode-se ver a sigla made in E.U., da qual se reforça e se percebe, de facto, ter sido produzido nos Estados Unidos.
Com o Produtor Executivo Tony Neves e na Produção/arranjos musicais Manuel De Candinho supra-referido, que ainda aparece em mais duas composições nas faixas 2. Clandestine e 3. Valor Di Amor. Gravado e misturado com o Engenheiro de som – Quim Alves e de Dick e Albertino Évora na mistura.
Faria Júnior voltaria a surgir como compositor dos temas 1. Andropausa e 6. Mensagem di Gratidão, ainda com o consagrado Ano Novo, por sua vez, surgindo com duas das suas valoradas composições nas faixas 4. Chofer e 7. Sofrimento. Nesta última, que é uma belíssima Morna, a artista esteve em dueto com Albertino Évora onde obtiveram uma sintonia perfeita.
O repertório completa-se com a sua composição em 8. Más Perto Di Bó, uma espécie de Cola-dance, evocando o momento singular, até que enfim, ter chegado à terra prometida dos seus progenitores, que sua mãe tanto lhe havia falado, dando-lhe razão ao apreciar essa morabeza sem igual, e exortando que outros descendentes visitassem Cabo Verde.
Embalo de repertório
A envolvência e a beleza dos sons e ritmos do disco Valor di Amor, no embalo de repertório, numa desenvoltura melódica bastante apreciável nos temas variados, apresentando Mornas, Coladeiras, Mazurca e Funanás, da tanta fantasia que provocam aos nossos ouvidos, aos olhos e ao espírito, como que voando-se no ambiente, parecem pairando-se atemporal nas idílicas paisagens do nosso arquipélago.
Sempre no seu estilo modernizado é de se lhe tirar o chapéu no Siman Fla, pois, está-se perante uma das melhores interpretações do Funaná nos últimos tempos. Eis um trecho das letras do tema:
Fonte: som do disco
“Nha cana ca ta piladu
Nha bagaçu ca ta torcedu
Nem nha xerém ca ta lançadu oh ioi
Si lançadu ca ta codjedu
El é um verdadi papia riju
Sinon ma um ta murmureba i des manera quim ta pupa!
Oh nhu Patchani nhu papia co Né
Nhu dal consedju di más grandi
Inda e ca conche homi frontadu oh ioi!
Dipos di mansa cobra rabu
El é um verdadi papia riju…”
(Minha cana não é pilado
Meu bagaço não é torcedo
Nem o meu xerém é lançado
Se lançado não é colhido
É uma verdade falar alto
Senão eu murmurava e dessa maneira que eu grito!
Oh senhor Patchani, o senhor fale com Ney
O senhor dá-lhe conselhos de mais velho
Ainda não conhece homem afrontado oh ioi
Depois de pisar a cobra o rabo
É uma verdade falar alto…).
CD Terra d´Nhas Gente
Jacqueline Fortes, nasceu em Dakar no Senegal em 1954, filho de país cabo-verdianos originários da ilha de São Vicente e ali cresceu, de acordo com o site Cabo Verde & a música, acima referido, sem conhecer a terra dos seus ascendentes, até que, finalmente, em 1979, aconteceu o sonho que se tornou uma realidade e chega a Mindelo vinda do Senegal, como retratado anteriormente. No entanto, cerca de 31 anos depois, voltou a reviver esse acontecimento ímpar do seu passado que deu nome ao seu sexto disco Terra d’Nhas Gente, produzido em 2010, sob etiquetas da Lusafrica e da Harmonia em França.
Este CD, constituiu um hino para todos os cabo-verdianos que nasceram no estrangeiro, tal como é o caso de Jacqueline e todos os sanvicentinos e cabo-verdianos de uma maneira geral, pelos sons e conteúdos do disco em cada faixa, e ainda por atravessar vários géneros, incluindo o Funaná lento na faixa 6. Kondison em parelha com Guy Fortes e o Batuque em 7. Odisseia di Bensôn de parceria com Júlio Tavares.
Sem dúvida, mais uma vez, um dos grandes trabalhos discográficos produzidos com a sua voz romântica, saudosista, perfeita sincronização e harmonização com os temas, para além daquele que deu título ao CD em questão.
CD Terra d´Nhas Gente
Artistas de tão alto gabarito, qualidade, nível e dimensão estético-musicais, como tão bem encarna a Jacqueline e seus pares, provavelmente terão vindo de Marte, Júpiter ou Saturno, chegando à terra para nos alegrar, num convívio saudável, revigorante e gratificante que não existe em nenhum outro lugar neste agitado mundo do século XXI.
Desta vez, com arranjos do músico Nando Andrade e participação de Tchenta Neves Piano, Voginha Guitarra acústica, Djordam Guitarra eléctrica, Djimy e Zé Paris Viola baixo, Samuel Cruz e José Fortes Cavaquinho, Jorge Cruz Bateria, Tey Santos Percussão, Miroca Paris Congas, Naná Almeida & Nilza Xalino Coros.
Discos gravados
De acordo com o site Discogs, a artista gravou cerca de seis discos expostos a seguir:
1 – JACQUELINE, LP, Discos Monte Cara, Portugal 1981 – Arranjos de Luís Morais
2 – Jacqueline – Dialogue, LP, Joman’s Production, França 1986 – Direcção musical de Manu Lima
3 – JACQUELINE FORTEZ, COOPERANTI / VIAGEM DE COSTA Max – Single, Joman’s Production, Cabo Verde 1987 – Director musical Manu Lima
4 – JACQUELINE CURAÇON CALMA, CA POM MO LP/CD, Maracas Production/Melodie, França 1990 – Programação e Arranjos de Manu “KAT” Santos e Manuel de Candinho
5 – Jaqueline Fortes, Valor Di Amor, CD, LUSAFRICA/MÉLODIE/NT&T, MADE IN THE E.U. 1997 – Direcção musical de Manuel De Candinho e
6 – Terra D´nhas Gente, JACQUELINE FORTES CD, Lusafrica/Harmonia, França 2010 – Director musical Nando Andrade.
Teve ainda diversas participações apoiando seus colegas artistas em gravações de discos e em espectáculos de beneficiência. Em 2016, o site da UCCLA, anunciava a presença da Jacqueline Fortes de 12 a 14 de Agosto daquele ano, na 32.ª edição do Festival Internacional da Baía das Gatas, em São Vicente/Mindelo, bem como de suas colegas Fantcha e Lura.
Há cerca de cinco meses, no dia 23/08/24 – 01:25 pm, a página da Inforpress informava que a cantora iria comemorar naquele mês 50 anos de carreira, que aconteceu com um espectáculo nesse mesmo dia, no Baile de Emigrante em Mindelo, realizado no Clube do Castilho.
Proximamente, à memória do artista DJÔ de Black Power e de África Star, falecido no dia 13 de Fevereiro de 2021 em Portugal, iremos debruçar sobre as contribuições que este deu à música nacional, bem como à latina e à anglo-saxónica – a jamaicana, a britânica e a norte-americana.