O jornalista Carlos Santos, da Rádio de Cabo Verde (RCV), apresentou uma queixa junto da Autoridade para a Comunicação Social (ARC) contra o secretário-geral do MpD, Agostinho Lopes, por tentativa de censura ou de cerceamento da liberdade de imprensa e do direito fundamental de informar e de ser informado, bem como da garantia de independência de que goza o jornalista.
Pela gravidade das acusações “infundadas”, porque “despidas de quaisquer factos ou provas”, Carlos Santos resolveu apresentar uma queixa à ARC contra o secretário-geral do MpD, Agostinho Lopes. Esta acção, conforme este jornalista, assenta em dois documentos: um comunicado e uma queixa contra a RCV, divulgados pelo partido que suporta o Governo nos dias 15 e 16 do corrente mês.
Na primeira peça, consoante o teor da queixa, o partido do Governo caracteriza as frequentes intervenções do jornalista Carlos Santos no programa Bom Dia Cabo Verde de “muita falta de rigor, raramente sendo capaz de dar informação correta e dados de conhecimento geral, quando ao longo da sua coordenação tem diálogos com editores de outros programas que integram este espaço sob sua coordenação”.
O jornalista é também acusado de convidar, com MEDIA Liberdade de imprensa Carlos Santos apresenta queixa contra SG do MpD frequência, para o espaço Café Central “pessoas para anular, pôr em causa ou lançar dúvidas sobre os convidados anteriores, quando estes são próximos do MpD”. O partido conclui que este comportamento não pode ser considerado um exercício do contraditório e do pluralismo democrático, mas inserido numa estratégia global de anular toda e qualquer intervenção na RCV favorável ao sistema MPD.
Segundo Carlos Santos, salta à vista de qualquer pessoa que tenha lido o comunicado, ainda que possua baixo índice de literacia mediática, que a intenção do MpD é, tão- -somente, a de “descredibilizar, intimidar e amedrontar o jornalista”. No limite, o que pretende o partido com o libelo acusatório dirigido ao jornalista Carlos Santos é, pura e simplesmente, acabar com esse espaço de circulação e de cruzamento das várias correntes de opinião na sociedade cabo-verdiana”.
Direita radical
Conforme o queixoso, trata-se de uma estratégia digna de um partido político que se está a afastar do “centro mainstream e a abeirar-se da margem direita mais radical”. Esta atitude, segundo Santos, não surpreende, tendo em conta o histórico desse partido de “torpedear a liberdade de imprensa e de perseguir jornalistas que se permitem sair fora da caixa de ressonância do partido e do governo e das narrativas institucionais”.
“Estamos perante acusações gratuitas, absolutamente ocas em termos de fundamentação jurídica, ainda para mais estéreis porque despidas de quaisquer factos que as pudessem sustentar, corroborar, como aliás promete o Eng. Agostinho Lopes no último parágrafo do manual escrito com recurso ao famigerado lápis-azul da Real Mesa Censória que o MpD teima em reeditar desde que regressou ao poder”.
O sistema MpD tem afirmado que Carlos Santos não teria convidado ninguém para comentar a entrevista do líder do PAICV, mas este jornalista desmonta essa “inverdade”, lembrando que logo no dia seguinte, 07 de Janeiro, a entrevista de Rui Semedo foi alvo de uma “aturada análise a todo o seu conteúdo pelo analista político, José António dos Reis, um dos fundadores do Movimento para a Democracia e antigo governante na década de 1990.
Dados ignorados pelo SG do MpD
Para Carlos Santos, o SG do MpD teria evitado desferir “mais esta machadada à ainda frágil e imperfeita democracia cabo-verdiana” se tivesse dado ao trabalho de consultar o último “Relatório sobre o Pluralismo Político Partidário” – Vol. II Rádio, de 2023, apresentado à Assembleia Nacional pela ARC, e disponível no seu sítio na internet.
Nos noticiários da Rádio Pública, escreve à ARC, observa-se, à semelhança dos anos anteriores uma “proeminência do Governo nas peças com presença das formações político-partidárias: Presente em 27% das peças no Jornal da Tarde da RCV; 22,2% no Jornal da Noite da RCV.
Em relação aos partidos com assento parlamentar, de acordo com a ARC, o PAICV é o partido com maior número de presença no Jornal da Tarde da RCV (7,6%), o MPD (6,1%); Já no Jornal da Noite os dois partidos têm a mesma presença (6,1%). A entidade reguladora analisou igualmente o princípio do pluralismo político-partidário na programação informativa não-diária, ou seja, nos programas autónomos de debates e entrevistas.
Por exemplo, no “Discurso Direto” (programa de Grande Entrevista da RCV), das 39 edições emitidas, em apenas 7 constatou-se a presença de atores políticos. No entanto, o Governo foi a única formação presente, tendo sido representado maioritariamente pelos Ministros.
No que concerne ao programa “Direto ao Ponto” em que são convidados todas as semanas representantes dos três partidos com assento parlamentar, do PAICV, o MpD e a UCID alcançaram o mesmo valor de presença (30). Quando se alarga a análise para o universo das rádios contempladas no estudo, a presença do Governo e do partido que o suporta é “avassaladora”.
“Cão de guarda da democracia”
Carlos Santos considera queo SG do MpD quis, tão- -somente, destruir a credibilidade do jornalista, “um ativo construído ao longo de mais de 30 anos e reconhecido pela generalidade dos cabo-verdianos”.
“Tudo porque o jornalista, agindo quão ‘cão de guarda da democracia’ resolveu submeter uma entrevista do presidente do partido e primeiro- -ministro ao crivo de um jornalista comentador/analista. Tudo dentro daquilo que se exige de uma imprensa livre: ser vigilante, exigir a prestação de contas, accountability, manter os poderes, sejam eles quais forem, dentro de um apertado escrutínio”.
O queixoso lembra que, “nos regimes democráticos, como é o nosso, os governos têm sobre eles o radar da imprensa e a atenção redobrada dos jornalistas, não para fazer o panegírico das suas ações e entoar loas ao seu desempenho, mas sim para levar aos cidadãos todas as informações apuradas com todo o rigor, isenção e imparcialidade, num processo assente na responsabilidade social. Esta tem sido a nossa missão ao longo das últimas três décadas”.
Condenações
A Associação Sindical dos Jornalistas de Cabo Verde (AJOC), a da Direção da Rádio de Cabo Verde e a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) reafirmaram a confiança na credibilidade do jornalista Carlos Santos e na condenação, em uníssono, da postura antidemocrática demonstrada pelo SG do MpD, partido que sustenta o Governo em Cabo Verde.
A AJOC diz considerar graves as afirmações feitas pelo MpD e que põem em causa a integridade profissional de Carlos Santos que, segundo a associação sindical, “é um jornalista com provas dadas”, ainda mais quando estas mesmas acusações são feitas “sem se apresentar provas objetivas”.
“É preocupante que, numa semana em que se está a falar de liberdade e democracia, um partido político, que se gaba de dar liberdade ao povo cabo-verdiano, recorra a acusações públicas dessa natureza contra um jornalista, promovendo ataques contra a sua pessoa nas redes sociais, muito deles vindo covardemente de perfis falsos” escreve a direção da AJOC, que interpretou a ação do MpD como uma “tentativa de intimidação e condicionamento da liberdade de imprensa”.
“Avisamos que vamos estar atentos a qualquer tentativa de censura ou coação contra profissionais da comunicação social, prontos para agir lá onde for preciso” enfatiza.
O director da RCV, Marcos Fonseca, numa comunicação interna, também se pronunciou em defesa de Carlos Santos, recordando que, de acordo com a Constituição da República, é garantida a liberdade de imprensa, bem como a independência dos meios de comunicação social em relação ao poder político, estando estes protegidos contra qualquer forma de censura.
A FIJ, por seu lado, apelou à ARC a rejeitar a queixa do SG MpD, no sentido de garantir a liberdade de imprensa e de expressão. O secretário- -geral da organização internacional de jornalistas, Anthony Bellanger, afirmou que os jornalistas devem poder conduzir programas de interesse público, sem receios.
“Nenhuma autoridade ou partido político deve interferir na escolha de convidados”, indicou, acrescentando que “os cidadãos têm todo o direito de participar no processo político e de oferecer opiniões divergentes nos debates políticos, pois esta é a verdadeira essência da democracia”.
“A independência editorial dos jornalistas deve ser respeitada por todos”, disse Bellanger.
SG do MpD “quer mostrar serviço”
Na última edição do programa “Clube de Imprensa” da Rádio Alfa, o primeiro presidente da AJOC (1990- 1994), o jornalista José Vicente Lopes disse que a reclamação do MpD, e de Agostinho Lopes em particular, é “completamente desnecessária, quer mostrar serviço” criando toda esta situação à volta de um programa que tem “grande prestígio junto da opinião pública”.
“Eu fui ouvir o programa e cheguei ao fim sem perceber qual é a razão da reclamação”, disse José Vicente Lopes que pontuou que a reclamação levada à ARC, pelo secretário- -geral do MpD, “não faz sentido” e que por isso “não tem pernas para andar”.
António Alte Pinho, que foi também um dos convidados desta edição do “Clube de Imprensa” e está no imbróglio da acusação do MpD a Carlos Santos, afirmou categoricamente que durante a quase meia hora de conversa só fez menção ao MpD no início do programa, em resposta a uma questão pontual colocada pelo jornalista da RCV sobre a remodelação do governo. “Eu não falei nada sobre a entrevista do primeiro-ministro”, garantiu Alte Pinho.
Questionado sobre se a situação poderá amedrontar jovens jornalistas, José Mário Correia afirma que não, pois “os tempos são outros e há uma determinação maior”.
“Quem acompanhou esse tempo todo sabe que o MpD nunca se deu bem com a classe jornalística”, relembrou, sublinhando ainda que Agostinho Lopes “reeditou aquilo que parecia já não ser prática do MpD, entrou feito um leão mas sairá disso, se calhar, até pior que um cordeiro. Vai sair mal disso, acho que foi um mau trabalho”, concluiu.
Daniel Almeida