A professora cabo-verdiana Rosalina Tavares, atualmente residente no Brasil, anunciou a sua candidatura ao cargo de Reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Caso seja eleita, tornar-se-á a primeira mulher negra e africana a ocupar tal posição numa universidade brasileira, facto que considera ser “tanto um ato de reparação histórica quanto de democratização da gestão universitária”. As eleições estão agendadas para fevereiro.
Segundo Rosalina Tavares, a sua candidatura decorre de uma extensa trajetória de formação académica e experiência de gestão na própria UNILAB. “Formação académica e experiência de gestão somam-se ao compromisso com a consolidação institucional da Unilab e à construção de uma universidade que efetivamente seja protagonista no ensino, pesquisa, extensão, inovação, arte, cultura e desporto”, afirma.
Tendo em conta que a Universidade foi criada no contexto de políticas de ação afirmativa, destinadas a reparar as injustiças históricas contra a população negra brasileira, bem como para promover a cooperação internacional com os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e Timor-Leste, Tavares reforça que a UNILAB “é inclusiva, destinada a jovens oriundos de categorias sociais historicamente excluídas do acesso ao conhecimento” e que, por isso, requer “representatividade étnico-racial e de género” na sua gestão superior.
Principais desafios e abordagem proposta
Rosalina Tavares entende que o maior desafio da UNILAB é cumprir as suas próprias diretrizes de ensino, pesquisa, extensão, internacionalização e integração. A professora acredita que, nos últimos anos, houve um retrocesso no desenvolvimento do plano estratégico da instituição, o que demanda uma forte mobilização de recursos para construir campi, residências e reforçar os programas de mobilidade académica.
“É preciso investir na diversificação de ofertas formativas mais competitivas, alinhadas à integração da Unilab na CPLP, como cursos nas áreas da saúde, das tecnologias de informação e comunicação, da proteção ambiental e sustentabilidade”, explica a candidata. Além disso, salienta a importância de parcerias com poderes públicos no Brasil e na comunidade CPLP para assegurar a permanência e acolhimento de estudantes de baixa renda, muitos dos quais africanos.
Experiência cabo-verdiana
Como cabo-verdiana, Rosalina Tavares acredita estar especialmente capacitada para aprofundar o enfoque internacional da UNILAB. “Existe um enorme desconhecimento sobre os países africanos e sobre a África em geral, decorrente dos processos históricos de apagamento teórico, físico e simbólico da nossa ancestralidade. A Unilab pode cumprir a missão de resgatar a história de África e das diásporas”, afirma.
Tavares conta que chegou ao Brasil para fazer toda a sua formação superior (graduação, mestrado e doutoramento) e, desde então, exerce funções administrativas e de gestão que, nas suas palavras, garantem-lhe “experiências e competências robustas para a Gestão da Unilab”, caso vença as eleições.
Prioridades em investigação, extensão e inovação
Para Rosalina Tavares, os pilares de investigação, extensão e inovação devem andar lado a lado com a missão de “refazer o caminho de Sankofa”, contribuindo para a reparação histórica e o fortalecimento de laços com as comunidades afrodescendentes. A professora considera que a UNILAB deve: “Possibilitar a mobilidade académica e os intercâmbios científicos, de forma que docentes, estudantes e técnicos possam deslocar-se aos países africanos parceiros para realizarem ações de pesquisa e extensão que impactem positivamente no desenvolvimento sustentável dos PALOP e Timor-Leste.”
Tavares também defende o fortalecimento de uma oferta de educação à distância, sobretudo em nível de pós-graduação, para formar quadros locais com foco nas necessidades específicas de cada país parceiro.
O papel da UNILAB no desenvolvimento socioeconómico e cultural dos PALOP
Esta candidata sublinha a importância de a UNILAB manter um currículo “afrocentrado e descolonial”, contribuindo, assim, para a formação de profissionais capacitados que possam alavancar o desenvolvimento de países historicamente afetados pela escravidão, colonialismo e subsequentes processos de alienação cultural.
“A ausência de alternativas de desenvolvimento pautadas pela justiça social em África decorre, em grande medida, dos efeitos da escravidão e do colonialismo”, afirma Tavares. Nesse sentido, considera que uma educação comprometida com as línguas e culturas africanas é fundamental para a superação do subdesenvolvimento no continente.
Estratégias para fortalecer a internacionalização
Rosalina Tavares destaca que a internacionalização e a integração são a “pedra angular” da UNILAB. Para isso, quer fomentar um diálogo permanente com o Governo Federal do Brasil, com a CPLP e com as representações diplomáticas dos países parceiros. Além disso, planeia parcerias com organizações internacionais, como a União Africana, o Banco Africano de Desenvolvimento e diversas fundações de apoio ao ensino superior.
“Pretendemos mobilizar capital humano e recursos financeiros para a produção em rede de conhecimentos, com ações de ensino, extensão, pesquisa, ciência, tecnologia e inovação, além de formar profissionais que fomentem o desenvolvimento nos países da Comunidade”, explica.
Presença de estudantes cabo-verdianos e medidas de reforço
A UNILAB tem, segundo disse, formado quadros cabo-verdianos, qualificados, contribuindo assim para o desenvolvimento de Cabo Verde. No entanto, Tavares reconhece que nos últimos anos houve um decréscimo no número de estudantes do arquipélago, motivado pelo surgimento de novas instituições de ensino superior em Cabo Verde.
Para contornar esse cenário, Rosalina Tavares propõe diversificar ofertas formativas na graduação e, principalmente, na pós-graduação, tornando a UNILAB mais atrativa para jovens cabo-verdianos. “Será determinante reforçar a parceria com instituições de ensino superior em Cabo Verde, promovendo o ensino à distância e uma maior qualificação de quadros in loco. Isso estará alinhado ao papel da UNILAB de promover o desenvolvimento dos PALOP”, sublinha a candidata.
Inovações administrativas para melhorar o funcionamento da UNILAB
A professora critica o facto de a UNILAB ter sido governada, na maioria, por reitores nomeados pelo Governo Central brasileiro, e pelo frágil diálogo entre a Reitoria actual e a comunidade académica. Tavares promete inverter essa lógica, promovendo uma gestão “democrática e participativa”, que recupere a confiança de docentes, discentes e técnicos-administrativos.
“O nosso lema é Reencantar e Democratizar. Vamos restituir à comunidade o direito de pertencimento, devolvendo-lhe a liberdade de expressão e a oportunidade de construir a Universidade em conjunto”, afirma.
Para Rosalina Tavares, é fundamental melhorar as condições de trabalho nos campi do Ceará e da Bahia, investir em laboratórios de pesquisa, ampliar as salas de aula, as residências estudantis e as infraestruturas de lazer, ao mesmo tempo que se capta financiamento para redimensionar o quadro de pessoal.
Fortalecimento de laços com comunidades locais e internacionais
Rosalina Tavares considera que a UNILAB, por ser internacional e interiorizada, deve estreitar relacionamentos com comunidades do Maciço de Baturité (Ceará) e do Recôncavo Baiano (Bahia), bem como com os países da CPLP. “Alguns países rompem os laços por falta de uma interlocução proactiva, é preciso diálogo para identificar as suas necessidades formativas”, diz.
A sua proposta passa pela criação de ofertas específicas, em colaboração com outras instituições académicas, incluindo parcerias para cursos à distância. “As nossas ofertas formativas e os conhecimentos produzidos devem ter pertinência social, devendo ser permanentemente socializados com as comunidades”, acrescenta.
Equidade de género e inclusão social
Tavares relembrou ainda que historicamente, as universidades no Ocidente são geridas por homens brancos, reflexo de machismo, patriarcalismo e racismo institucionalizados e afirmou que quer reverter este quadro. “A minha candidatura visa construir, com a comunidade, uma gestão democrática e paritária, onde todas as identidades de género e orientação sexual participem”, explicou, apontando que, na UNILAB, apenas uma mulher esteve na Reitoria desde a sua criação, apesar de a maioria do corpo docente ser feminino.
Trajetória académica e profissional
Rosalina Tavares exerce funções na UNILAB desde 2012, tendo sido Coordenadora do Curso de Administração Pública, Directora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Pró-Reitora de Graduação e Pró-Reitora de Administração, além de integrar conselhos máximos da universidade. “Nós, mulheres africanas, negras e esclarecidas, temos uma missão importante na gestão académica, historicamente marcada pelo machismo e pelo eurocentrismo”, afirma.
Para esta professora, a sua candidatura “visa desconstruir a ideologia que toma a Europa como única civilização digna de nota, recuperando a filosofia da ancestralidade africana e redefinindo o nosso lugar de fala e localização psicológica”.
Momentos marcantes e convicção na vitória
Chegada à UNILAB em 2012, apenas um ano após o início do seu funcionamento, Rosalina Tavares participou ativamente na construção e consolidação da instituição. “Foi sempre satisfatório contribuir com o desenvolvimento da UNILAB, o que me dá a certeza de que é possível fazer uma gestão melhor para esta Universidade, encantando-a e democratizando-a”, conclui.
A eleição para a nova Reitoria da UNILAB está prevista para Março deste ano. Se eleita, Rosalina Tavares tornará ainda mais forte a presença de Cabo Verde na cena académica brasileira, marcando uma viragem histórica no projeto de ensino superior que liga o Brasil aos países africanos de língua portuguesa.
GF