PUB

Colunistas

Sinais de fogo

Por: José Vicente Lopes

1. A vitória do PAICV, a decisão de Rui Semedo em não se recandidatar à liderança desse partido e a demissão de Luís Carlos Silva do cargo de secretário geral do MpD constituem factos que me levam a escrever este artigo. Sobretudo por fazerem parte dos primeiros actos deste ano que ora começa, carregado de simbolismo, por ser o ano do cinquentenário da independência de Cabo Verde. 

A começar por Rui Semedo, numa situação normal, nenhum político, depois de vencer umas eleições, ainda por cima com a extensão das autárquicas do passado 1 de Dezembro, deixaria de se fazer a mais um mandato na liderança do seu partido e com isto à conquista da governação do país em 2026, caso não tivesse razões muito fortes para não o fazer, além daquelas que anunciou na sua comunicação, sem, contudo, pôr o dedo na ferida. O país e os cabo-verdianos merecem mais. 

Semedo teve muito provavelmente em conta, na sua ponderação, a postura de Francisco Carvalho, com quem, na verdade, nunca apareceu sintonizado de todo, dado que este e Janira Hopffer Almada integram o mesmo grupo ou facção que lhe foi metendo o pau na roda, impedindo a sua afirmação  como líder inconteste do PAICV. Basta ver como decisões importantes a nível do Parlamento (a eleição do presidente da bancada do PAICV e a eleição de titulares de órgãos externos, por exemplo), foram sendo obstaculizadas e adiadas até hoje por causa da divisão do PAICV em dois grupos, o de Rui Semedo e o de JHA, tendo esta com ela a maioria dos deputados eleitos no tempo em que era presidente do partido. Ou seja, aqui, e sejamos claros também, os interesses de grupo, ou de facção, sobrepuseram-se aos interesses do partido e do país.

Carvalho, no quadro da sua briga com o governo, chegou a um dado momento a reclamar da falta de apoio da liderança do PAICV, o que levou dias depois uma deputação encabeçada por Rui Semedo a fazer uma visita de desagravo e solidariedade à Câmara da Praia. 

Correndo por conta própria, Carvalho recusou integrar a equipa constituída por Rui Semedo no último congresso do PAICV, em 2021, alegando que se iria concentrar na gestão da cidade da Praia, uma estratégia nada inocente, como salta agora à vista. 

E, neste somar de sinais, na noite da sua vitória, a 1 de Dezembro, saltou também à vista não só a ausência do presidente do partido, Rui Semedo, como também o discurso de Carvalho dirigido a todo Cabo Verde e não apenas aos munícipes que o tinham acabado de eleger. 

Ora, o que naquela noite pareceu ser um despropósito veio a revelar-se, dias depois, a assunção por Carvalho da sua decisão de disputar a liderança do PAICV e depois Cabo Verde, antes ainda de qualquer análise interna no partido sobre qual deveria ser a melhor estratégia face aos resultados eleitorais de 1 de Dezembro.  

Para ser mais claro, ao ser o primeiro a colocar-se na “pole position” da sucessão de Rui Semedo, repito, antes mesmo deste assumir que não era candidato, Carvalho criou um facto novo, inultrapassável de todo. Mostrou que o seu futuro político não dependia de Rui Semedo, mas apenas de si próprio ou, quando muito, daqueles que o rodeiam. Além de um facto consumado, o posicionamento de Carvalho constituiu um não menos claro desafio ao agora líder incumbente do PAICV, Rui Semedo. 

E ao ser o primeiro a colocar-se na grelha de partida é de se perguntar também: desta feita, por que razão a liderança do PAICV e a gestão da Câmara da Praia passam a ser funções  compatíveis que antes não eram? Deixou a CMP de ter os problemas que tinha até 2024? 

Conquistar Praia para depois conquistar Cabo Verde tornou-se coisa normal. Foi o que aconteceu, lembre-se, com Ulisses Correia e Silva em 2016, e este era, de resto, e no fundo, o grande propósito pessoal e político também de Abraão Vicente. Pela sua importância enquanto o mais importante município do país, Praia está fadada, pois, a ser trampolim para os políticos que almejam governar Cabo Verde. E é bom que os munícipes saibam disso sempre que forem chamados a votar naquele que promete resolver os problemas da cidade e, antes mesmo disso acontecer, na primeira oportunidade, se lança em voos mais altos. 

Voltando a Rui Semedo, em teoria, volto a dizer, numa situação normal, era expectável que ele concorresse à liderança do PAICV para depois disputar a chefia do governo em 2023. Contudo, contadas as suas espingardas, preferiu atirar a toalha ao tapete, saindo com glória possível da liderança do PAICV. Aliás, mal anunciou a sua decisão choveram nas redes sociais os aplausos, uns nada inocentes, como é próprio da política. Dos notáveis do PAICV, os únicos, até o fecho desta edição, a não fazê-lo são Francisco Carvalho e JHA. Não é por acaso, certamente. 

E, para concluir, Rui Semedo cumpriu, como pôde, a missão de dirigir o maior partido da oposição, num período politicamente difícil, tendo ao mesmo tempo que encaixar as caneladas e desautorizações de alguns dos seus camaradas, conseguindo, mesmo assim, os resultados de 1 de Dezembro que lhe permitem, como consolo, sair pela porta grande da ribalta política. O que acontecerá depois ao PAICV isso deixa de ser o seu problema. Quem o substituir terá a obrigação de fazer melhor tendo em mira as legislativas do próximo ano. 

2 . A demissão de Luís Carlos Silva das funções de SG do MpD não deixa de ser estranha no quadro em que o MpD, sobretudo este MpD de Ulisses Correia e Silva, normalmente se move. Isto é, por mais graves que sejam os tropeços ninguém é responsabilizado por nada, daí a gestão inconsequente que têm sido estes anos de governo de UCS. 

Assim, sendo o SG do MpD um cargo mais administrativo do que político, não sendo LCS o primeiro responsável politico pela estratégia autárquica do partido derrotado nas eleições de 1 de Dezembro, é de se perguntar: por que razão é o SG a demitir-se e não toda a cúpula ventoinha, a começar pelo presidente do partido, a fazê-lo? 

Portanto, só por este aspecto, ao demitir-se, LCS deixa Ulisses Correia Silva, Olavo Correia, Fernando Elisio Freire e Janine Lélis em situação, no mínimo, embaraçosa. Aos olhos da opinião pública, Luís Carlos mostrou uma coragem que os outros, a começar por UCS, parecem não ter. 

Também neste caso, lendo os sinais, é de se perguntar igualmente: o que poderá estar por trás de uma tal evidência? Na sua decisão LCS apenas teve em conta a sua consciência pessoal, antes de “saltar fora”, por lealdade institucional, discutiu primeiro o problema da sua demissão com os outros altos responsáveis e pares do MpD? 

Qualquer que seja a resposta, não havendo outras explicações para além daquelas que já foram dadas, o que importa é o acto em si de LCS. Isto é, ao demitir-se, deixando Ulisses, Olavo, Fernando Elisio e Janine na cabine do Titanic (MpD), o que era suposto ser um acto de coragem política acaba também por ser o seu contrário: uma deserção, um “saltar fora”, agora que o PAICV volta a aparecer como o principal beneficiado do ora anunciado descalabro  do MpD. 

Anunciado, porquanto é a própria cúpula ventoinha, com o seu silêncio ou declarações desconectadas da realidade, a dar a entender que o combate de 2026 está perdido. O que não deixa de ser estranho, sobretudo se olharmos para trás e vermos como José Maria Neves conseguiu sobreviver às derrotas autárquicas de 2004 e 2008, remodelando acto contínuo o seu gabinete, ou criando factos novos (lembrem-se da maioria sociológica?) e reconquistando o governo a seguir a esses dois maus momentos. 

É claro que os actores e os contextos foram diferentes ao que estamos a viver hoje. Enquanto JMN é tipo de político que sai do sarilho através da primeira brecha que tem pela frente, UCS parece congelar-se, fechando-se numa sala de pânico, à espera que o assunto morra por si. Enfim, cada partido tem a liderança que merece, ainda que sejamos todos, enquanto país e cidadãos, a pagar no fim a factura por tão estranha forma de estar na política. 

3. No estado em que o país se encontra, de descrença e até de desesperança, traduzido na quantidade de gente que já se pôs a andar destas ilhas, fora aqueles que pretendem o mais depressa possível seguir o mesmo caminho, este é muito provavelmente o pior momento da nossa história recente. (Um dia, quando a poeira do tempo assentar, haveremos de ver o verdadeiro tamanho do problema que nos aflige neste momento.) 

O PAICV dá a entender que a descrença e a desesperança que vão marcar os 50 anos da independência nacional é da exclusiva responsabilidade do MpD. Quando, na verdade, o problema é sistémico e por isso de todos os partidos políticos, em especial dos dois partidos do arco da governação, PAICV e MpD. A abstenção registada nas últimas eleições não afectou apenas o MpD; ainda que em menor grau, ela afectou também o PAICV, para não falar da UCID. A abstenção na Praia, à volta de 55%, é reveladora da realidade que temos a bater-nos à porta. 

É assim, acho eu, que devem ser interpretados os mais recentes estudos da Afrosondagem que apontam para uma queda acentuada de confiança dos cabo-verdianos nos seus políticos e instituições para níveis jamais vistos. O estado a que chegamos resulta, obviamente, e muito em particular, destes oito anos da governação de UCS, mas também dos governos anteriores. Isto torna a situação complexa e um alarme para o descrédito do próprio regime democrático num tempo em que as democracias se encontram em claro retrocesso.  

No nosso caso, estamos a recolher os frutos de sucessivos anos de governação à vista, de reformas adiadas, de más políticas nos mais variados domínios da vida cabo-verdiana, de falso desenvolvimento e, principalmente, de promessas impossíveis de realizar. Os santo-antonenses, se quiserem, podem continuar a esperar sentados em cima de uma rocha pelo seu aeroporto internacional (uma fantasia herdada do governo de JMN, que até aeroporto para Brava chegou a prometer) e os praienses, por seu turno, que esperem sentadinhos também pelo seu novo hospital nacional, quando nem o hospital de Trindade, há anos à espera de ser remodelado, é posto em condições de funcionar. 

Estas e outras infra-estruturas, sem esquecer a auto-estrada Praia-Tarrafal, tão cedo sairão do papel ou da maquete, caso já haja maquetes. Vão ter o mesmo destino dos 45 mil postos de trabalho por ano, prometidos por UCS, promessa essa que JHA logo tratou de cobrir, como se estivessem num jogo de poker. Daí, repito, a quantidade de gente que, tendo deixado de acreditar nos  políticos, deixou também de acreditar na possibilidade de uma vida decente em Cabo Verde, optando pela emigração, fenómeno este que o inquérito da Afrosondagem apenas veio mostrar a ponta do iceberg. Nestes dias em que a Praia, capital de Cabo Verde, atravessa mais uma nova a crise de água isto ilustra o estado de desenvolvimento em que ainda nos encontramos. 

Portanto, é neste ambiente, de amarga melancolia, de frustração geral, que Cabo Verde vai, primeiro, celebrar o seu meio século de independência em Julho de 2025, e será neste mesmo ambiente politico e espiritual, que, depois, em 2026, se irá eleger o próximo governo. Vai-se precisar, seguramente, de trabalhar arduamente para reconquistar a confiança perdida no país e isto não se mostra fácil, à partida, por mais novas fantasias em gestação neste momento para nos serem vendidas em 2026. Por razões que só o Diabo conhece, o poço é sempre mais fundo daquilo que pensa e alcança a nossa vã filosofia. 

PUB

Adicionar um comentário

Faça o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PUB

PUB

To Top