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Liberdade e Democracia

Por: Germano Almeida

Muito brevemente Cabo Verde vai celebrar, com a pompa que ao longo dos últimos anos temos assistido, o 13 de janeiro, oficialmente designado pelo Parlamento como dia da Liberdade e da Democracia.

Se todas as instituições são importantes para a construção do edifício social que é o estado de direito democrático, todos estamos de acordo que a instituição mais necessária para a garantia e segurança desse ideal estado de direito democrático é a JUSTIÇA, administrada pelos tribunais judiciais em todas as suas instâncias. 

A credibilidade da Justiça em Cabo Verde e consequentemente a fé que o geral da população depositava nela era ímpar, as pessoas em geral acreditavam nos tribunais e seus juízes com a mesma fé que têm em Deus. Quando o tribunal decidia, era como se DeusNossoSenhor em pessoa tivesse decidido, porque, revestido pela negra toga, o juiz adquiria carácter de oráculo. 

Isso até à independência nacional. Depois disso, a instituição judicial começou crescentemente a vulgarizar-se e a perder crédito. Particularmente por causa de inadmissíveis e muito prejudiciais atrasos no andamento de certos processos que causaram consideráveis danos à economia nacional, sem que nenhum poder tivesse tido força para pôr cobro a esse destempero. Tudo isso por imperativo da separação de poderes, um slogan que, levado às últimas consequências, é bem capaz de causar mais danos que benefícios. E, como afirma o prof.João Silvestre Alvarenga num artigo publicado no on line Santiago megazine, em 26.09.24,  “num periodo de 10 anos, de 2002 a 2022, o percentual dos indivíduos que afirmam que não confiam nada na justiça aumentou 61,3%, isto é, partiu de 15,8% para alcançar 25,5%, equivalente a um em cada quatro pessoas… Em números absolutos, correspondeu a um aumento de 10%”. 

E quando ele publicou esses dados, ainda não tinha  acontecido o fragor das últimas afro-sondagens que, em princípio, deviam ter lançado um pânico generalizado entre os nossos governantes, mas parece terem apenas provocado uma ligeira inquietação. “O inquérito revelou uma “queda de confiança” dos cabo-verdianos em todas as instituições, incluindo a Presidência da República, a Assembleia Nacional e uma avaliação negativa do desempenho do Governo”.

Não é de se estranhar que assim tenha sido, como se diz em Santo Antão, o tempo é o real das coisas. É pena não se poder instituir na Constituição que nenhum partido político deve estar no governo por período superior a dois mandatos. Isso seria absolutamente salutar no nosso país, tendo em conta que a partir do segundo mandato todos têm começado a meter água, senão mesmo a desgovernar. Basta darmos uma vista d’olhos pelo PAIGC/CV de 75/90: veremos que a partir de 85 já estava francamente debilitado e em queda, já sem soluções para o país, enfim, um governo para esquecer. O MpD entrou em 90 cheio de boa vontade e força, fez um primeiro mandato que seria excelente se não tivesse enveredado pela descontrolada abertura da nossa pobre economia ao setor privado e às privatizações das empresas públicas rentáveis. Mas no segundo mandato já não sabia por onde se virar e de novo entregou o país ao PAICV que regressou ao poder para dois excelentes mandatos. Mas teve o azar de ganhar um terceiro que foi francamente lastimoso. Do presidente do partido ao mais humilde militante, a impressão que davam é que estavam fartos daquilo tudo e desejosos de alijar a já insuportável carga do poder, já só queriam ir repousar num qualquer canto sossegado. E de facto, mais uma vez deram o lugar ao MpD que entrou com fervorosa genica, destruindo tudo que o PAICV tinha estado a construir para tudo começar de novo: clusters do mar e de terra todos pelo esgoto abaixo, urgente privatização dos transportes… Na pressa de fazer depressa, nem deu para assinar contratos, ficou-se em família por memorandos de entendimento. Enfim, uma festa pegada na ternura da economia azul, mas que agora estertora a olhos vistos, já sem nenhum Deus com coragem de enviar um filho salvador.   

Porém, é o preço a pagar por viver em pluripartidarismo, comummente chamado de democracia, estado de direito democrático, esse perverso nome que rendeu sete anos de cadeia para um deputado. De quatro em quatro anos cumprimos o ritual das eleições, e a cada 13 de janeiro são abertas as portas do Parlamento, e do seu púlpito os nossos governantes debitam em transmissão direta pela televisão e com palavras bonitas o que esse dia feriado lhes inspirou. Um dia desses surgirá certamente um curioso a fazer o cotejo desses discursos, a mostrar como anualmente se repetem. 

É que não poucos dos nossos governantes fazem muito lembrar aqueles sacerdotes que rigorosamente cumprem os rituais da sua congregação sem, porém, minimamente acreditarem na realidade ou nas virtudes do Ente que dizem fervorosamente servir. Querendo fazer um breve bosquejo, e já que falamos em liberdade e democracia que daqui a dias vai-se incensar, basta lembrar a forma verdadeiramente escandalosa como o Parlamento entregou um deputado ao poder judicial, como disse com singeleza o presidente da AN, para o “conter”; como o juiz encarregado de o conter o enterrou na cadeia sem nunca se lembrar que, enquanto magistrado judicial, tinha especial dever de respeito pela legalidade instituída que garantia ao deputado imunidades só passíveis de serem retiradas pelo Parlamento. E para quê falar dos acórdãos que o incriminaram: instância, supremo e por fim a infâmia do tribunal constitucional? Mas em verdade não se poderia esperar comportamento muito diferente da parte dos demais órgãos do poder Estado, quando o próprio presidente da República, por inerência de funções o guardião-mor da Constituição e por conseguinte do chamado estado de direito democrático, abertamente à margem das leis e das instituições do país, faz questão de impor à sociedade a sua companheira com a designação de “primeira dama”, sem se dar conta de que nem essa ridícula designação pode alguma coisa acrescentar a quem por si já tem dignidade, como também que ele tinha particular dever de não impor o seu querer à margem das leis.

No entanto, ainda bem que ainda existam algumas pessoas que dizem acreditar na irreversibilidade do processo democrático cabo-verdiano, quando não poucos cada vez mais vivem receando uma hatizização do nosso país. Esperemos que não fique apenas por uma crença, de contrário ficará com valor igual àquela norma constitucional que declara inviolável o direito à liberdade.

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