O orçamento da Comissão Nacional de Eleições (CNE) para 2023, foi aprovado conjuntamente com o orçamento da Assembleia Nacional (AN-parlamento) à revelia da contestação deste órgão eleitoral que, na ocasião, alegou que, à luz da lei, deveria gozar de autonomia financeira e, consequentemente, de um orçamento privativo como garantia da integridade de eleições livres. Assim, na sequência de um recurso interposto pelo Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional (TC) acabou por declarar inconstitucional tal procedimento da aprovação do referido orçamento “por desconformidade com o princípio de independência da Comissão Nacional de Eleições”.
O Provedor de Justiça, que foi chamado para resolver esse diferendo, interpôs um pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade do Mapa XII, anexo à Resolução n.º 87/X/2022, publicada na I Serie do Boletim Oficial nº 125 de 30 de dezembro (Orçamento Privativo da Assembleia Nacional para o ano económico de 2023), na parte que contempla a Comissão Nacional de Eleições (CNE) com uma dotação, no âmbito das despesas da Assembleia Nacional, por violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 28º do Código Eleitoral, e o Tribunal Constitucional acabou por lhe dar razão, conforme o acórdão 120/2024, daquela Corte.
Recorde-se que, no início de 2023, a Comissão Nacional de Eleições (CNE), conforme noticiou A NAÇÃO nas suas edições 802 e 805, esteve sem meios financeiros para pagar salários e honrar os seus compromissos com terceiros. Na base dessa situação esteve a imposição, por parte do Governo, do modelo de bancarização e sem o cumprimento dessa decisão do Ministério das Finanças, a CNE não recebeu verbas do Tesouro, o que lhe obrigou a usar saldos próprios para financiar as suas actividades.
Na altura havia uma braço-de-ferro entre a CNE e o Ministério das Finanças que tinham interpretações diferentes sobre a independência e autonomia da autoridade eleitoral.
A CNE entendia que, à luz do número 1 do artigo 28º do Código Eleitoral, deveria gozar de autonomia financeira, ou seja, pedia um orçamento privativo em prol da integridade das eleições livres. Contudo, o Governo não acudiu à exigência da autoridade eleitoral, por considerar que a unicidade de caixa “constitui um dos princípios fundamentais na gestão das Finanças Públicas e na transparência da gestão da coisa pública”.
Tal princípio, conforme o executivo, determina que toda a receita deve ser centralizada na Caixa do Tesouro, permitindo a fiscalização do Tribunal de Contas e a consolidação dos dados disponibilizados ao cidadão diariamente ao nível da execução dos recursos públicos.
Entretanto, em Novembro de 2022, a presidente da CNE, Maria do Rosário, mostrou-se contra o modelo de bancarização proposto pelo Governo e defendeu o fim da unidade orçamental com a Assembleia Nacional, reivindicado desde 2018.
Estava em causa, segundo Maria do Rosário, a independência da instituição e a própria integridade das eleições livres em Cabo Verde, salvaguardadas no Código Eleitoral. Lembrou ainda que é o próprio Código Eleitoral que, no artigo 28, impõe a aprovação de um orçamento privativo para a instituição.
Recurso do Provedor de Justiça junto do Tribunal Constitucional
Mas, perante a intransigência do Ministério das Finanças, a CNE socorreu-se do Provedor de Justiça que, no âmbito das suas competências, interpôs um recurso junto do Tribunal Constitucional no sentido de suscitar a análise da legalidade do procedimento que vem sendo adoptado pela Assembleia Nacional, que, ao invés da aprovação do orçamento privativo da CNE, vem optando por uma dotação no seu próprio orçamento privativo.
O Provedor de Justiça, José Carlos Delgado, rebateu, também, a tese do Governo que considera que a Lei do Orçamento do Estado poderia sobrepor-se ao Código Eleitoral, lembrando, na altura, que esta é uma questão da hierarquia das leis: “O Orçamento do Estado não é uma lei que exige maioria reforçada”.
Contudo, esta situação fica agora esclarecida, através do acórdão nº 120/2024 do Tribunal Constitucional, que deu provimento ao pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade apresentada pelo Provedor de Justiça e, consequentemente, dando razão à CNE que reivindicou um orçamento próprio e não uma dotação do orçamento privativo da Assembleia Nacional.
Sobre este assunto, o Tribunal Constitucional decidiu o seguinte: “declarar a inconstitucionalidade do artigo 1º da Resolução nº 87/X/2022, de 30 de Dezembro, que aprovou o orçamento privativo da Assembleia Nacional, na parte em que contemplou à CNE com uma dotação, no âmbito das despesas da AN, por desconformidade com o princípio de independência da Comissão Nacional de Eleições”;
“Limitar a repercussão retroativa da declaração de inconstitucionalidade, determinado a não produção de qualquer efeito desta decisão sobre a execução do orçamento da AN de 2023, no tocante aos recursos previstos para a Comissão Nacional de Eleições”, diz o acórdão.