Por: João Serra*
Um estudo da Afrosondagem (AS) sobre a migração, divulgado no dia 20 de dezembro pp, revelou que a maioria dos cabo-verdianos, ou seja, 64 % pensa em emigrar.
Conforme avançado pela Inforpress, José Semedo, diretor-geral da AS, explicou que esta percentagem é superior à de 2017 (período anterior à pandemia de Covid-19), em que cerca de 57% dos cabo-verdianos manifestaram o desejo de emigrar. Revelou ainda que diminuiu a proporção daqueles que disseram que nunca iriam emigrar, passando de 46% para 30%.
Destacou-se que o desejo de emigrar é particularmente elevado entre os jovens. Cerca de 76% dos jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos ponderam emigrar. Esse interesse também abrange outras faixas etárias e níveis de educação: 76% das pessoas com nível secundário e 65% das pessoas com nível superior indicaram que, de alguma forma, pensam em emigrar. O estudo também revelou que 62% das pessoas empregadas a tempo inteiro e 75% a tempo parcial indicaram que emigrariam, caso pudessem.
A procura de emprego é o fator motivador para essa enorme vontade de emigração dos cabo-verdianos, ainda segundo o referido estudo.
Por isso, não é de se estranhar que o desemprego permaneça o maior problema identificado pela população, sendo apontado por 55% dos inquiridos no estudo da AS.
No seu primeiro mandato, o Governo em funções prometeu criar 45 mil empregos entre 2016 e 2021. Entretanto, verifica-se até 2023 – ou seja, passados quase sete anos – a destruição líquida de cerca de 4.000 empregos relativamente a 2015, embora a taxa de desemprego tenha reduzido de 12,4% (27.599) em 2015 para 10,3% (21.853) em 2023 (INE). Saliente-se que a descida relativa da taxa de desemprego em 2,1 pontos percentuais resultou basicamente da redução da população ativa (devido à emigração), que passou de 222.085 em 2015 para 212.313 em 2023, um decréscimo em cerca de 10.000, valor superior ao ocorrido no diferencial entre os números de desempregados (5.746).
A não criação líquida de emprego, apesar do crescimento alegadamente robusto do PIB, constitui um paradoxo e desafia as teorias macroeconómicas, que relacionam as mudanças na taxa de desemprego ao hiato entre a produção real e a produção potencial. Por exemplo, segundo a Lei de Okun, quando o crescimento do PIB observado se encontra acima do potencial, a economia apresenta um hiato do produto positivo e espera-se que o desemprego diminua em resultado da criação líquida de emprego. Inversamente, se a produção cair abaixo do potencial, abre-se um hiato negativo e espera-se que o desemprego aumente.
Ora, a Lei de Okun não está a verificar-se em Cabo Verde, uma vez que o crescimento económico acima do PIB potencial não está a resultar na criação líquida de emprego, mas antes na sua destruição.
Embora o desemprego e a inatividade afetem todas as camadas etárias da população em idade ativa, são os jovens os mais atingidos. De acordo com dados do Inquérito Multiobjectivo Contínuo de 2023 (IMC-2023), um total de 46.149 jovens entre os 15 e os 34 anos de idade estavam em 2023 sem emprego e fora do sistema de ensino ou formação, representando 26,4% do total dos jovens nesta faixa etária. Os dados do IMC-2023 apontam ainda que o desemprego atinge sobretudo os jovens habilitados com ensino secundário e médio ou superior e as mulheres.
Os jovens são ainda mais penalizados quando se fala em exploração laboral, precariedade e salários baixos. Por exemplo, conforme o IMC-2022, um total de 50.514 empregados, representando 28,4% da população empregada, encontrava-se, em 2022, na situação de emprego precário, caraterizado por ser sazonal, ocasional, temporário ou a tempo parcial. Estimo que a maioria daqueles que se encontravam nessa situação são jovens.
E não é difícil imaginar que muitos desses jovens com emprego precário auferem o salário mínimo nacional (SMN), cujo valor é muito baixo. Mas há também muitos jovens com emprego “ful time”, inclusive jovens com uma qualificação académica de nível médio ou superior, que auferem o SMN ou um pouco mais do que isso.
Portanto, para além do alto nível de desemprego, muitos jovens trabalhadores qualificados enfrentam logo uma barreira muito grande à entrada para o mercado de trabalho – os baixos salários, que também resultam do facto de estarem a desempenhar funções para as quais estão sobrequalificados.
Assim, muitos jovens face ao desemprego, à precariedade, aos baixos salários e ao aumento do custo de vida, particularmente nos últimos anos, não veem outra alternativa senão emigrar. A isso acresce ainda oportunidades de trabalho surgidas na Europa cada vez mais envelhecida.
Os cabo-verdianos com formações profissionais ou habilitações superiores que emigram chegam a ganhar três ou quatro vezes mais nos países que os acolhem do que em Cabo Verde. Muitos deles conseguem empregos estáveis e progressão profissional. E para os que partiram eventualmente a pensar no regresso, parece, agora, que a saída é permanente.
A saída massiva de jovens para o exterior está a gerar falta de mão-de-obra qualificada em diversas áreas. Setores-chave da economia como o turismo, a construção civil, a agricultura e os transportes são os mais afetados, trazendo consequências para o desenvolvimento socioeconómico do país.
Sobre a emigração dos jovens nos últimos dois anos, 27% dos entrevistados pela AS considera que houve uma emigração em massa e a maioria, cerca de 67%, considera que a saída por parte dos jovens é benéfica para os países da Europa e para os EUA.
Já o Governo considera que a atual emigração em massa de jovens é benéfica para Cabo Verde, uma vez que – citando de memória – os emigrantes nacionais adquirem mais conhecimentos, enviam dinheiro aos seus familiares residentes no país, além de serem potenciais investidores, pelo que estando aqui no país ou lá fora significa praticamente a mesma coisa. Deixa-se ainda a ideia de que o país talvez ganhe mais com a emigração do que ter os jovens qualificados a residir e a trabalhar no país.
Ora, se é verdade que a emigração constitui uma das fontes de recursos externos mais importantes para Cabo Verde, representando em média mais de 15% do PIB e mais de 30% das reservas externas do país, não é menos verdade que a emigração, sobretudo de jovens e de profissionais qualificados, constituí um fenómeno conhecido como “fuga de cérebros”, que é apontado em estudos técnicos como um dos principais entraves ao desenvolvimento dos países de origem dessas pessoas. Ciente disso, o Governo de Portugal, por exemplo, procura travar a evasão de talento com medidas que visam reduzir a emigração dos jovens portugueses qualificados, o que significa que, contrariamente ao Governo cabo-verdiano, não é indiferente e tampouco vê com bons olhos a saída para o exterior dos seus profissionais.
É que, de um modo geral, a população emigrante tem uma preponderância de jovens ativos e qualificados, o que traz consequências para o desenvolvimento socioeconómico de qualquer país, nomeadamente por três motivos:
Primeiro, porque a saída de jovens para o estrangeiro afeta a força laboral do país, provocando a falta de mão-de-obra na economia. Segundo, a fuga dessa população ativa representa uma redução da receita fiscal e do consumo, o que impacta negativamente o Orçamento do Estado, a sustentabilidade da segurança social e a dimensão do mercado interno. E, terceiro, faz-se um investimento na formação dos jovens, que depois não têm o devido reconhecimento na sociedade cabo-verdiana e acabam por emigrar. Isto é, não há o devido retorno para o desenvolvimento do país, a não ser as eventuais remessas que alguns deles possam enviar.
Assim sendo, é algo “kafkiano” o Governo pensar que a emigração em massa de jovens é benéfica para Cabo Verde, porque não o é. Será que alguma alma piedosa consegue explicar esta verdade de “La Palisse” aos nossos iluminados governantes?
Praia, 02 de janeiro de 2025
*Doutorado em Economia