A recente eleição de Helena Fortes, do MpD, como presidente da mesa da Assembleia Municipal de São Vicente, com o apoio do PAICV, está a suscitar as mais variadas leituras sobre a natureza da relação entre essas duas formações políticas. Enquanto alguns vêem esse “arranjo” como um passo positivo para o desenvolvimento da ilha, outros há – caso da UCID, deixada de fora – que desconfiam das intenções por trás deste entendimento.
Eduíno Santos, jornalista veterano que acompanha de perto as questões políticas e económicas da ilha do Monte Cara , diz não se ter surpreendido com a posição do PAICV na Assembleia Municipal de São Vicente (AMSV), que viabilizou a eleição de Helena Fortes, eleita do MpD, para presidente da mesa desse orgão. Como deixa a entender, quem esperava uma viva disputa, tal como aconteceu em 2020, acabou por se enganar, redondamente.
“No mínimo, houve um acordo pontual que permitiu a eleição da presidente da Assembleia Municipal eleita na lista do partido mais votado”, afirma este analista, que diz não acreditar que o PAICV e o MpD entraram numa negociação no estilo “toma lá, dá cá”.
O PAICV e os resultados das urnas
Este entrevistado do A NAÇÃO lembra que o PAICV é um partido experiente e da área do poder, a nível nacional, e que está a ler correctamente o que os eleitores mindelenses expressaram nas urnas, no passado dia 1 de Dezembro. “Se os eleitores, em São Vicente, quisessem uma solução de maioria absoluta, teriam dado ao MpD essa maioria, mas o eleitorado, com exceção de 2016, sempre atribui a responsabilidade de governar a mais de um partido”.
Santos destaca que a UCID, desde 2008, quando participou na gestão de Isaura Gomes, deixou de entender essa vontade do eleitorado. “O resultado está à vista: a queda eleitoral da UCID, com Monteiro a ficar atrás do Patcha nos votos para a Câmara Municipal, e o prenúncio de que será ultrapassado pelo PAICV, deixando de ser a segunda força política da ilha”.
Em sentido contrário à UCID, Santos acredita que o PAICV “interpreta bem os resultados eleitorais e, melhor ainda, o crescimento dos seus votantes, em particular na classe média, empresários a quem não interessa o impasse e uma gestão por duodécimos”. Ele não tem dúvidas, contudo, de que o “PAICV está a tentar chamar para si o papel de partido charneira, papel que a UCID ignorou”.
Por estas razões, Santos defende que não se pode falar em aliança PAICV/MpD para governar São Vicente, pois os dois partidos se alternam no cenário nacional e o PAICV quer fazer isso também a nível local. E vai mais longe: “Com a postura assumida pelo PAICV, fica claro que as grandes decisões da Câmara Municipal vão ter que ter o seu aval”. E sublinha que “esta é uma oportunidade para São Vicente fazer a diferença e mostrar que é possível fazer avançar a democracia, e que a democracia em Cabo Verde não pode existir apenas na base das maiorias absolutas”.
Questionado se a ilha está prestes a entrar numa nova era de incertezas e instabilidade, Eduino Santos responde: “Pela forma como começou, em comparação com 2020, tudo indica que não. Todos sabem que ninguém quer a repetição da situação vivida nos últimos quatro anos. Todos sabem o que o eleitorado mindelense decidiu nas urnas e todos sabem também que, em democracia, a penalização vem das urnas. Os resultados da UCID nesta eleição são a prova disso”.
Primeiro passo para fim do bloqueio
Emanuel Brito, um cidadão sanvicentino, também vê com bons olhos o entendimento alcançado entre o PAICV e o MpD na constituição da mesa da AMSV. A seu ver, ao fim de quatro anos de bloqueio, esta colaboração abre novas e promissoras perspectivas para o desenvolvimento de São Vicente, o segundo município mais importante de Cabo Verde.
Brito acredita que esta união de forças políticas é um passo significativo para o futuro da ilha. “Tratou-se de um primeiro passo, de entendimento, não de coligação, obviamente, que poderá evoluir para algo mais consistente que venha viabilizar a aprovação do plano de atividades e do orçamento”, acrescenta.
Além disso, destaca a escolha de António Duarte, do PAICV, cuja formação e experiência em arquitetura são vistas como um trunfo valioso. Emanuel está confiante de que este acordo poderá trazer uma visão inovadora e estratégica, contribuindo de forma decisiva para o crescimento sustentável e harmonioso de São Vicente.
“Com uma liderança forte e uma visão clara, São Vicente pode se tornar um modelo de progresso e prosperidade em Cabo Verde. O futuro é promissor, e os sanvicentinos têm todas as razões para acreditar em dias melhores”, conclui.
Traição para quem esperava mudanças
Mas, como sempre acontece em democracia, também esta solução encontrada para a eleição da presidente da mesa da AMSV tem os seus críticos, caso de Cristina Santos, uma conhecida activista local. A mesma expressou a este jornal a sua indignação para o que classifica de “aliança inesperada” entre o MpD e o PAICV.
“Este acordo é uma traição à vontade do povo. O MpD e o PAICV estão a ignorar o desejo claro de uma Assembleia Municipal tripartida, onde todas as vozes seriam ouvidas e respeitadas”, considera.
A opinião de Cristina Santos encontra eco em duas cidadãs, ambas aposentadas, que preferiram manter o anonimato por receio de represálias. “Nós votámos para ver uma mudança real, não para assistir a mais do mesmo. Este entendimento entre o MpD e o PAICV é uma afronta à nossa democracia,” disse uma delas. A outra acrescentou: “O povo queria era ver a UCID a trabalhar em conjunto com o PAICV para garantir um equilíbrio de poder. Esta aliança só serve para concentrar ainda mais poder nas mãos de poucos.”
Crença e descrença
Estas críticas reflectem, grosso modo, um sentimento de desconfiança e frustração entre certos segmentos da população mindelense. Muitos acreditam que a verdadeira intenção por trás deste entendimento é a manutenção do status quo, representado por Augusto Neves e o seu partido, MpD, em vez de uma verdadeira colaboração para o progresso da ilha.
A UCID, a segunda lista mais votada nas eleições de 1 de Dezembro, ficou de fora da constituição da mesa, o que muitos consideram um desrespeito à vontade popular, já que esse orgão poderia, perfeitamente, integrar elementos dos três partidos mais votados, daí a ideia de “arranjo” entre os dois principais partidos.
Diante dos factos, o que poderá acontecer, depois, com a distribuição dos pelouros e da própria governação de São Vicente, será algo a ver durante os próximos quatro anos de mandato. E aqui, uma vez mais, as opiniões variam: vão da crença à descrença.
João A. do Rosário