A estrondosa derrota do MpD nas eleições autárquicas foi o facto político de maior relevo no ano que ora finda. O escândalo relacionado com o salário da Primeira-dama, que transitou de 2023, teve novos desenvolvimentos neste ano, com a divulgação dos relatórios da Inspecção Geral de Finanças e do Tribunal de Contas, assim como a decisão da Procuradoria Geral da República, que ordenou a abertura de um processo sobre o caso.
O PAICV venceu as eleições autárquicas de 1 de Dezembro conquistando 15 das 22 Câmaras Municipais. O maior partido da oposição conservou a Câmara da Praia, e ganhou “surpreendentemente” na ilha do Maio que, desde as primeiras eleições autárquicas, em Dezembro de 1991, estava nas mãos do Movimento para a Democracia (MpD).
Os dados definitivos tornados públicos pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) confirmaram que o MpD, que detinha 14 Câmaras, passou a contar com apenas sete.
De acordo com os resultados finais divulgados pela CNE dos 351.935 eleitores inscritos no caderno eleitoral votaram apenas 176.756 eleitores. De acordo com o documento, foram registados 3.304 votos em branco e 2.123 votos nulos.
De acordo com a mesma fonte, a nível nacional, o PAICV obteve 87.030 votos para a câmara municipal, correspondendo a 80%, e o MpD, 72.312 (42,21%). A UCID obteve 9.280 votos, o que representa 5,42% e o PTS conquistou 640 votantes (0,37%).
Quanto aos independentes, o Santa Catarina Sempre e Acima de Tudo (S-SAT) obteve 587 (0,34%), o Movimento Independente Tarrafal de São Nicolau (MITSN), 582 (0,34%), o Mas Soncente Katem Parada (MSKP), 550 (0,32 %).
Ainda o Movimento Autónomo Sãovicentino (MAS) contou com 307 votos (0,18%), e o Poder das Mulheres e Jovens Resilientes (PMJR) da Ribeira Grande de Santiago, 42 votos, correspondendo a 0,02%.
Salário da Primeira-dama
Já no fecho de 2024, a Procuradoria Geral da República (PGR) determinou a abertura de instrução pela prática de crimes de abuso de poder, participação ilícita em negócios, peculato, recebimento indevido de vantagem, previstos e punidos pelos artigos 372.º, 369.º, 366.º e 365.º-A, do Código Penal, respectivamente, na sequência dos relatórios da Inspecção Geral de Finanças e Tribunal de Contas, relacionados como o pagamento do salário da Primeira-dama entre 1 Janeiro de 2022 a 31 Dezembro de 2023.
De acordo com um comunicado da PGR, emitido esta terça-feira, 10 de Dezembro, o processo de instrução visa investigar a existência de factos puníveis e responsabilizar os seus agentes, ao abrigo do disposto nos artigos 58.º, 59.º e 301.º do Código de Processo Penal.
Assim, foi determinada a abertura de instrução pela prática de crimes de abuso de poder, participação ilícita em negócios, peculato, recebimento indevido de vantagem, previstos e punidos pelos artigos 372.º, 369.º, 366.º e 365.º-A, do Código Penal, respectivamente.
Crises nos Grupos Parlamentares
Com o chumbo das candidaturas de Démis Almeida e Luís Pires, a o presidente do PAICV, Rui Semedo, decidiu manter João Baptista Pereira como líder do Grupo Parlamentar do Partido. Porém, esta decisão não agradou o deputado João do Carmo, que afirmou que o seu nome foi proposto para o cargo pela maioria dos deputados do partido. Por outro lado, Demis Almeida e Luís Pires foram convidados a integrar a direção do Grupo Parlamentar do PAICV, como vice-presidentes.
No MpD, Paulo Veiga demitiu-se do cargo líder do Grupo Parlamentar do partido alegando falta de concordância entre a Comissão Política Nacional e o Governo. Este deputado considerou que a sua função foi posta em causa tendo em conta que a bancada da maioria tem como missão fazer articulação com o Governo e com a Comissão Política Nacional do partido, em matéria de política interna.
Com a demissão de Paulo Veiga, Celso Ribeiro, que era vice-presidente do Grupo Parlamentar do MpD e que tinha apoiado a decisão do seu antecessor, foi eleito líder da bancada da maioria.
Leilões do INPS
Os leilões dos depósitos à prazo do INPS geraram uma troca de “galhardetes” entre o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, e o Presidente da República, José Maria Neves.
Em Março, o Chefe de Estado afirmou que o Governo deve tomar medidas para ser consequente com as recomendações do Banco de Cabo Verde (BCV) em relação aos leilões do INPS para garantir a “transparência na gestão da coisa pública”.
Segundo o PR, todo o processo não era adequado para uma instituição pública como é o INPS.
O BCV, que regula o sistema financeiro, não foi consultado e todo o processo “não foi transparente” e por causa disso o BCV instou as autoridades competentes a adoptar medidas, designadamente anulação de todo o processo.
O Governo, segundo JMN, não pode realizar, como disse o ministro das Finanças, a reunião entre o Banco Central, INPS e o próprio Governo para articular posições porque isso contraria a autonomia e Independência do Banco Central, por um lado.
Olavo Correia respondeu, na altura, que o PR estava “equivocado”, porque “mal assessorado”. Afirmou ainda que estava decidido em levar avante o “diálogo tripartido” entre o Governo, O INPS e BCV, depois deste ter considerado que o leilão dos depósitos do INPS não foi transparente e, por isso, passíveis de serem anulados.
Embaixadores políticos
Depois de vários vetos a embaixadores políticos, o Governo tentou franquear a porta barrada pelo Presidente da República, propondo o nome de Felisberto Vieira (Filú) para o cargo de embaixador de Cabo Verde em Havana, Cuba, mas José Maria Neves não aceitou.
O primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva disse que Filú reunia todas as condições para chefiar essa missão diplomática, por considerá-lo “um cidadão cabo-verdiano que tem historial daquilo que foi a sua dedicação política e ao serviço da Nação cabo-verdiana”.
Na sequência desse veto, a Presidência da República emitiu um comunicado onde revelou os critérios predefinidos (linhas vermelhas) para a nomeação de individualidades que não pertençam à carreira diplomática:
“Não é nomeado quem já esteja prestes a aposentar-se; não é nomeado quem seja fortemente conotado com a política ativa ou esteja no ‘furacão da política’, recordando a expressão que o Presidente da República utilizou quando explicitou publicamente esses critérios”.
Publicado na Edição 904 do Jornal A Nação, de 26 de dezembro de 2024