Por: João Serra
“É a economia, estúpido!” (“It’s the economy, stupid!”, na versão original em inglês) foi uma frase inventada, em 1992, por James Carville, durante a campanha presidencial, nos EUA, de Bill Clinton contra o presidente George H. Bush. Este último, em março de 1991 tinha uma taxa de aprovação de cerca de 90%. Em agosto de 1992, 64% dos estadunidenses já tinham uma opinião negativa acerca da sua performance. A braços com uma recessão e com o desemprego a aumentar, Bush viu o rumo das eleições inverter-se a favor do seu adversário político.
E a história dessa inesperada inversão na tendência de votos dos eleitores estadunidenses pode ser resumida da seguinte forma. Em 1992, quando Bush era o presidente dos EUA, o país enfrentava uma recessão económica e os estadunidenses entraram na chamada “Guerra do Golfo”. Sendo um ano de eleições presidenciais, o presidente incumbente foi desafiado na disputa pela presidência por Clinton, que atacava Bush por ter metido os EUA na guerra, pensando em ganhar votos com isso. Todavia, tratava-se de um pensamento errôneo, na medida em que a taxa de popularidade do presidente republicano subira muito, após o início da guerra no Koweit, ou seja, o democrata batia na tecla errada.
Foi nesse contexto que Carville, estratega da campanha de Bill Clinton, criou, com a sua famosa frase, uma mensagem clara, explicando a mudança na aprovação do presidente George H. Bush e conquistando votos para a eleição do então pouco conhecido governador do Arkansas, de apenas 46 anos. Foi um autêntico fenómeno eleitoral.
Desde então, a frase “É a economia, estúpido!” tornou-se mundialmente célebre, e é recordada sempre quando se analisam os processos eleitorais, passando o fraco desempenho da economia a ser considerado sempre como o principal responsável pela queda de um governo nos países democráticos.
Mas, antes da invenção dessa frase, o voto económico já era um conceito utilizado na ciência política e na economia, referindo-se à tendência dos eleitores de basearem as suas decisões de voto nas condições económicas prevalecentes no país: se está a correr tudo bem com a economia, os eleitores tendem a apoiar os partidos ou candidatos no poder; se a economia não está bem, os eleitores são mais propensos a votar contra os incumbentes. No entanto, dentro da economia, destaca-se a inflação e o seu impacto no poder de compra como o aspeto mais importante na opção de voto dos eleitores, podendo fazer com que um candidato do partido no poder perca umas eleições mesmo com uma economia relativamente pujante.
Segundo conclui um trabalho de investigação intitulado “O Voto Económico em Portugal no Século XXI: Uma Análise Empírica”, de Mário Daniel da Rocha Domingos, e publicado pela Universidade de Coimbra a 14 de fevereiro de 2023, “o voto económico é um tema amplamente discutido na literatura internacional. Desde o lançamento da obra fundamental de Downs, ‘An Economic Theory of Democracy’, várias teorias nasceram e foram testadas empiricamente, tendo a hipótese da responsabilidade eleitoral ganho um maior número de adeptos, pelas evidências que têm sido demonstradas.
Vários são os autores (Veiga e Veiga, 2004; Auberger e Dubois, 2005; Veiga e Veiga, 2010; Martins, 2010) que concluíram empiricamente que melhores (piores) condições económicas conduzem a melhores (piores) resultados eleitorais para o partido no governo. Desta forma, torna-se intuitivo associar-se uma determinada responsabilidade governamental pelo desempenho dos indicadores económicos, que se reflete nos resultados das eleições para o partido incumbente. A responsabilização materializa-se quando observamos que os bons resultados eleitorais, ou seja, a reeleição, se comparam a uma recompensa do eleitorado pelo bom desempenho, assim como maus resultados eleitorais correspondem a uma penalização, com a eleição de um partido da oposição para o governo.” (Pág. 26).
Por outro, chame-se a atenção para a explicação que a investigação dá à abstenção, um fenómeno que vem aumentando de eleição para eleição em Cabo Verde. “Os eleitores abstêm-se, se os benefícios de eleger um ou outro forem semelhantes (o eleitor recebe o mesmo nível de utilidade independentemente do partido que vence as eleições, portanto, numa ótica de minimização de custos, o eleitor simplesmente evita deslocar-se às urnas, ou gastar o seu tempo a decidir em que partido votar).” (Pág. 4).
E os factos parecem comprovar a associação que é feita entre o desempenho dos indicadores económicos e os resultados das eleições para o partido incumbente. Por exemplo, a subida de custo de vida foi a maior razão de voto em Portugal nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, realizadas no mês de junho do ano em curso.
Com efeito, de acordo com um inquérito “Eurobarómetro” sobre o resultado dessas eleições, divulgado pela Lusa no dia 03 de outubro, o “aumento do custo de vida foi a razão que levou a maioria dos portugueses (59%) a votar nas eleições europeias de junho. Portugal é o segundo Estado-membro [da União Europeia (UE)] com maior percentagem de inquiridos que selecionaram a subida de preços e do custo de vida como principal incentivo para votar, depois da Grécia (70%), e acima da média da UE (42%).”
De igual modo, a perda de poder de compra do estadunidense médio durante o mandato de Joe Biden poderá ser a principal razão para a reeleição do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais nos EUA, ocorridas a 06 de novembro pp.
Na verdade, segundo o “Brazil Journal” (edição online de 13 de novembro de 2024), a abrangência dos eleitores estadunidenses médios que migraram para o campo de Tump sugere uma motivação comum a todos eles – a perda de poder de compra, ou seja, a subida do nível de preços (inflação) que não foi acompanhada na mesma proporção pela subida do nível de salários.
Efetivamente, desde o início do mandato de Biden em janeiro de 2021 até outubro de 2024, a taxa de inflação subiu cerca de 20%, enquanto os salários médios subiram 18% e o rendimento per capita disponível cresceu apenas 12% – lê-se, ainda, no “Brazil Journal”.
Em resultado disso, o estadunidense médio compra hoje, com o que recebe pelo seu trabalho, menos bens e serviços do que no final de 2021. Isso foi apenas atenuado pela queda recente da inflação, não obstante os preços continuaram a subir, só que a um ritmo mais lento. Isto é, continua-se, ainda, a verificar inflação em cima de inflação, o que corrói ainda mais o poder de compra.
E como a inflação é sempre e em qualquer lugar um imposto regressivo (Milton Friedman), isto é, afeta mais os mais pobres, e os EUA são um país com distribuição de rendimento bastante desigual, é provável que mais da metade dos trabalhadores estadunidenses tenha sofrido essa perda de poder de compra. Isso pode ter custado a eleição à democrata Kamala Harris, contrariando a noção de que a economia “forte” a favoreceria, conclui o “Brazil Journal”.
Como escrevi no meu artigo anterior, tenho por mim que a acentuada perda de poder de compra, nos últimos anos, foi a principal razão para a retumbante derrota eleitoral do MpD nas últimas eleições autárquicas, apesar de Cabo Verde apresentar, aparentemente, bons dados macroeconómicos. Penso que não estou enganado, na medida em que 9 em cada 10 inquiridos (92%) consideram, no recente inquérito da Afrosondagem, que o Governo tem falhado em manter os preços estáveis.
Assim, parafraseando James Carville, digo: É a perda de poder de compra, estúpido!
E não venham com a lengalenga de que se tratam de eleições locais e não nacionais. Na verdade, as condições económicas nacionais têm maior impacto no sentido de voto dos eleitores do que as condições económicas locais, uma vez que as políticas adotadas pelo governo nacional afetam diretamente o desenvolvimento económico local – como demonstram estudos feitos por vários especialistas, por exemplo, Veiga e Veiga (2010).
Praia, 20 de dezembro de 2024
*Doutorado em Economia