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Olhar para os nossos

Por: Adelino Correia

Um início de dezembro difícil para a comunidade estudantil africana. De língua portuguesa. Em Macau. Que chora a morte prematura de um colega. Da geração dois mil. E respondia pelo nome de Erilson Neto. Anelca para os familiares. Mais próximo. Miúdo diligente. Sociável. Com um olhar cativante. De fino trato. Conversador nato. Que conquistou, pela simpatia e sociabilidade, a comunidade estudantil cabo verdiana. Mas. Não só. 

Na verdade, dava prazer ter um dedinho de conversas com ele. Pese embora, preso nas suas convicções e sabedoria, gostar de prevalecer nos diálogos mais acesos e afoitos, que promovia. Conhecem pessoas assim?     

Não se estranhem, pois, se ouvirem bons testemunhos a respeito do santomense, que ora nos deixa, para ingressar na casa do Criador. Que quis e queria conhecer. Mais e melhor. Para perceber a raça humana. E, já agora, a razão das festividades que ficou conhecida como a festa do Purim judaica.   

Oriundo de São Tomé e Príncipe fez a sua licenciatura em Administração Pública no Instituto Politécnico de Macau, hoje, Universidade Politécnica de Macau. De onde saiu para se ingressar num dos programas de mestrado da Universidade São José. Uma instituição de ensino superior com uma forte ligação à Igreja Católica. Onde se nota, cada vez mais, a presença de jovens oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), sendo que, o recém-falecido, teve como companheiro de quarto, um promissor estudante das nossas ilhas de morabeza. 

Trago à colação a sua infeliz partida, para que, colectivamente, possamos refletir sobre o bem-estar dos estudantes africanos, em geral e, dos cabo verdianos, em particular, no Extremo Oriente. Um debate que se quer fazer. Com responsabilidade. Seriedade. E. Muita maturidade. Para não ferirmos susceptibilidades.   

E a pergunta que não se quer calar é a seguinte. Estão os jovens preparados para transitarem do programa de licenciatura para o de mestrado no mesmo ano lectivo? Ou. Haverá necessidade de maior ponderação antes do salto qualitativo e qualificativo? 

Duas questões de respostas difíceis. Tendo em conta a ambição pessoal de cada um. A necessidade de valorização pessoal para o ingresso no mercado de trabalho. Hoje cada vez mais difícil. Ao que se acrescenta o conforto que Macau transmite e proporciona. 

Porém. São perguntas que terão de ser respondidas. Primeiramente. Pelos governos dos PALOP. Os responsáveis pela vinda dos estudantes. Com base nos relatórios de instituições de ensino que cada um frequenta. E. Num segundo momento. Pelos pais. E encarregados de educação. Certo sendo que, esses, devem conhecer mais e melhor, os seus educandos. Um trabalho conjunto que terá de ser feito. O quanto antes. Por forma a perseverarmos a saúde mental e a inteligência emocional dos jovens. 

Sejamos honestos e façamos a necessária e recomendável reflexão sobre esse pertinente assunto. Até porque, a morte do santomense, leva-nos a refletir sobre dois conceitos próximos que, no entanto, apresentam diferenças substanciais. Pese alguma semelhança.  

Solitude e solidão. Ao decidir colocar um ponto final na sua existência, Anelca, quis nos dizer, que andamos distraídos com o próximo, in casu, com os estudantes, que andam e cruzam connosco todos os dias. 

Mais. Quis nos dizer também, que, por detrás de cada sorriso, duma saída noturna, do refúgio no alcoolismo – cada vez mais preocupante e a ter em conta – da recusa em participar em eventos da(s) comunidade(s), a não ser mediante contrapartidas financeiras, escondem um conjunto de questões que podem levar ao isolamento. 

E é aqui que entra a solidão. Numa palavra. Erilson quis nos dizer, com todas as letras, que os jovens andam tristes. Fruto duma vida isolada. Numa espécie de gueto. Ornamentado com acessos rápidos e enganadores às redes sociais. Onde cada um passa mensagens mentirosas para fora. E para si mesmo. O tal conforto. Que Macau proporciona. Um assunto sério. Que requer algum cuidado. Ponderação. E equilíbrio na abordagem.  

A solidão, na verdade, é uma situação não voluntária, em que a pessoa se sente sozinha. E o estar sozinho significa e quer significar sofrimento e, quando persiste, pode ser o gatilho emocional para a psicose e alguns distúrbios mentais. Que levam, naturalmente, ao suicídio. 

O que queremos dizer, dizendo-o, de forma clara, frontal e expressamente, é que muitas vezes sentimos sozinhos na presença de amigos e familiares. Não tenhamos ilusões. Estamos sós no meio de uma grande multidão. Só um olhar atento, despretensioso e não egocêntrico, será capaz de o discernir. Para levar um abraço e palavras de encorajamento que proporciona cura emocional aos que precisam. Anelca precisava. Reclamou. Mas. Não fomos a tempo.      

Por outro lado, a prematura morte do “leve leve”, nos mostra que, mesmo aqueles que se isolam para meditar e pensar nas coisas da vida, podem vir a sentir sozinhos. E. Abandonados. 

Não quero com isso dizer e assumir que é o caso. O que sei é que, o santomense, sempre privilegiou momentos a sós – solitude – onde evitava o contacto de outras pessoas, por escolha pessoal e própria, por forma a refletir na e sobre a vida. Ou seja, isolava, deliberadamente, para se auto valorizar, buscando informações que, posteriormente, seriam e são transformados em conhecimentos.  

Reparem que, na solitude, a pessoa se isola, de forma alegre e propositada, por ser uma forma de estar em contacto consigo mesmo, de fortalecer a autoconfiança e o amor próprio. Para elevar a sua autoestima. Nada de mau nisso. Não é verdade?  

Ou seja, ele desfrutava de seus momentos de isolamento, mas, sabia e tinha consciência, que possuía e tinha relações de amizade, com outros estudantes, sobretudo os de Cabo Verde, e, aproveitava esses momentos, ao máximo. Daí o epíteto de sociável. E de bom colega. Ou, “que privilegiava estar connosco, sem querer ir embora”. No dizer de uma jovem. Após à sua partida.    

No entanto, apesar de ostentar as virtudes acima referidas, os mais próximos não se aperceberam de que acompanhado se encontrava só, absolutamente, sozinho. Com as suas psicoses. E tormentas mentais. A ponto de nos deixar todos mergulhados numa profunda angústia. E a questionarmos. O que poderíamos ter feito por ele? Enquanto aguardamos respostas das autoridades e dos familiares para as questões que fizemos em cima. Estarão os jovens preparados para o mestrado, imediatamente, a seguir a conclusão da licenciatura?     

O que nos sobra. São as saudades. E. A necessidade imperiosa de olhar para os nossos. Estar mais próximos. Ou, como algumas pessoas sustentam, nos colocar na brecha para sermos o suporte que cada um possa vir a precisar. 

Pensemos nisso! Fora de caixa e das amarras emotivas. Cada ser humano é único, insubstituível. Com experiências, sonhos e sentimentos que tornam o mundo mais rico. Nenhuma dor deve ser enfrentada sozinha. É essencial lembrar, a cada um, que falar é o primeiro passo para o alívio da dor. Estender a mão para alguém e abraçar pode salvar e/ou ajudar a salvar vidas. 

Valorizemos a vida. Que é um bem precioso. E. Bem assim. A saúde mental de cada estudante nessa grande cidade de Santo Nome de Deus.         

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