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Colunistas

Um bom momento político

Por: José Vicente Lopes

1. As eleições de domingo, mesmo incluindo os incidentes de percurso, inevitáveis, revelaram-se, globalmente, mais um bom momento para Cabo Verde. Quem perdeu aceitou a verdade das urnas e quem venceu lá cumpriu o “costume” também, apresentando-se humilde, sob os aplausos e euforia dos seus apoiantes. E o facto de haver uma câmara, São Lourenço dos Órgãos, em que a candidatura do PAICV venceu por apenas um voto, sem alvoroço nem vandalismos, ilustra a maturidade a que chegamos. 

Mas infelizmente, porque nem todos somos feitos do mesmo barro, em qualquer pano cai nódoa, também tivemos um Augusto Neves, em São Vicente, a acenar o machado de guerra aos seus adversários, como se não precisasse deles para governar. Além de incompressível, num autarca sénior, destaque-se o facto de não ter conseguido perceber, até hoje, que em democracia, sobretudo quando se está em maioria relativa, uma forma também de se estar em minoria, a negociação é um jogo de paciência e uma arte permanentes. 

Tirando este momento de todo infeliz, a que se junta a denúncia de António Monteiro, da UCID, de envolvimento do narcotráfico na candidatura do MpD em São Vicente, globalmente, ao fim de 33 anos, a democracia está normalizada e erigida num costume caro aos cabo-verdianos, convencidos que são eles que põem e são eles que tiram, pelo voto, quem os deve ou não governar. Esta é, e mais uma vez, a melhor lição a tirar do pleito de domingo, 01 de Dezembro. 

2. É consabido que as eleições autárquicas não são eleições legislativas, mesmo assim elas servem para fazer avaliações a meio percurso do desempenho do Governo e do partido que o suporta. Não fosse assim, o governo em peso, a começar pelo primeiro-ministro, não se envolveria de corpo e alma na disputa autárquica. Isto é, ganhando, Ulisses & Cia poderiam aparecer sorridentes e felizes com os resultados; perdendo, foi o que se viu: de omnipresentes durante campanha, UCS & Cia parecem ter desaparecido em combate. Apenas os vencidos da noite, com realce para Abraão Vicente e o SG do MpD, Luís Carlos Silva, deram a cara por uma luta que era de todo o sistema ventoinha capitaneado por Ulisses, Olavo, Janine e Fernando Elísio. 

Portanto, pela estratégia usada, de envolvimento directo na campanha, foi o governo o primeiro a conferir dimensão nacional às eleições de 01 de Dezembro. E agora, pelo tamanho do rombo no casco do MpD, que passa pela perda do estatuto de maior força do poder local, a discussão interna adivinha-se ruidosa, no mínimo. Como irá UCS sobreviver a este momento amargo é o que haveremos de ver brevemente neste cinema, sabendo que a sua aura de vencedor se encontra seriamente afectada. 

3. Vencedor inequívoco das eleições de 01 de Dezembro, a reflexão possível coloca-se também em relação ao PAICV, em particular ao seu líder Rui Semedo. A vitória de domingo não se deve apenas aos méritos pessoais e políticos dos seus candidatos, mas também, e em grande parte, aos deméritos da governação do MpD. 

Em Cabo Verde, habitualmente, não é a oposição que vence as eleições, é a situação que as perde, pela má gestão que vai fazendo dos vários dossiês da vida local e nacional. Saturado, o eleitor quer livrar-se, não importa a que preço, dos estafermos que lhe andam a infernizar a vida. Na saúde, por exemplo, quando o GAO chega ao ponto de chamar a atenção para a falta de investimentos no sector é porque realmente andamos muito mal. Hoje, até as clínicas privadas mostram-se cheias de utentes que desistiram dos serviços públicos por falta de respostas. E se isto acontece é porque nós, cidadãos ou sociedade civil, desistimos de reclamar das más prestações com que somos brindados todos os dias. 

Convencidos que não vale a pena reclamar, porque o governo deixou de ouvir as pessoas, tão acostumado anda em ludibriar a sociedade com o seu habitual de jogo de palavras, frases de auto-ajuda e números estatísticos, os cidadãos procuram as suas próprias soluções. E por isso, “já que não nos ouvem”, resta-lhes acertar contas com o Governo no dia das próximas eleições. Transportes, saúde, emprego, professores em eterno estado de reclamação, para não citar outros domínios, são problemas em demasia para qualquer que seja o governo. 

Portanto, foi no meio dessa grande insatisfação que Rui Semedo, enquanto líder (nominal) do PAICV, foi procurando sobreviver, sob a ameaça de Janira Hopffer Almada. Um mau resultado global seria a sua defenestração. Agora, que pode chamar a si a parte que lhe cabe da vitória de 01 de Dezembro, num cenário de maioria sociológica da população, resta saber se isto tudo é suficiente para calar os seus críticos. Parece-me que não. 

O discurso de vitória de Francisco Carvalho, e os incentivos que este já começou a receber para avançar para primeiro-ministro em 2026, mostra que a situação no PAICV é de quem caminha no fio da navalha, restando saber, neste tabuleiro, o que JHA pretende fazer, isto é, se avança ou se deixa o seu “afilhado” avançar para a conquista da liderança do PAICV. Mesmo tendo vencido a disputa de domigo, a gestão das ambições no PAICV não se desenha por isto fácil e o MpD conta com os deslizes e tiros no pé que o ajudem a reverter a situação em que se encontra neste momento. A legitimidade obtida por Francisco Carvalho agora na Praia é acima de tudo dele, cabendo-lhe tirar as devidas ilações disso, da forma que eventualmente entender no tempo que durar o seu segundo mandato à frente da CMP. 

Mas a história mostra que, por duas vezes, o PAICV de JMN perdeu as autárquicas (em 2004 e 2008) e por duas vezes, nas legislativas seguintes (2005 e 2011) venceu a parada. Como em toda a disputa política, a vitória faz-se construindo, passo a passo, neste caso até 2026, em função daquilo que as câmaras do PAICV forem capazes de realizar. Porque, em 2026, a “coisa” haverá de inverte-se: a começar pela Praia, um mau desempenho autárquico haverá de reflectir-se na escolha dos eleitores, daí que a luta entre Francisco Carvalho e o governo/MpD vai continuar. 

4. Os cabo-verdianos precisam voltar a acreditar que este é um país possível, com menos fantasias, menos encontros para atrair investimentos que nunca chegam, menos workshops com os senhores das Nações Unidas impondo-nos as suas modas, menos viagens caras atrás de hubs e startups imaginárias, em suma, mais pés no chão. Por isso é importante que a conquista do poder, em 2026, eventualmente pelo PAICV, não se deva apenas ao facto de os cabo-verdianos já terem perdido a paciência e a esperança neste MpD de Ulisses Correia e Silva. Os cidadãos acham que merecem mais e melhor saúde, mais e melhores transportes, numa palavra, mais do que aquilo que lhe prometeram e que não se anda a cumprir. Ah, as pessoas continuam a gostar de governantes humildes, que não destilem soberba, que as escutem, porque ser cabo-verdiano, como disse Jorge Barbosa, custa muito. 

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