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Outras Vozes, Outras Vidas: Casa Têdja

Por: Joaquim Arena

É sabido como a telha vem perdendo a sua importância na cobertura de casas, em Cabo Verde, sendo cada vez mais substituída pelo terraço. Podíamos falar de algumas razões para isso: provavelmente é mais prático e mais fácil estender ferro e cimento sobre uma casa, reservar o espaço do terraço para outros fins, como local de armazenamento de materiais, de galinheiros, pocilgas, ou local para dar umas festas, de vez em quando. E pelas nossas ilhas, verificamos como o terraço afastou a casa telhada – muitas vezes reflexo da ascensão social das famílias dos emigrantes ‘mercanos’ -, mesmo se nós todos encontrámos a telha na antiga casa dos avós ou de familiares, quer nos bairros das cidades, quer no meio rural. Vem tudo isto a propósito da imagem que temos ao descer a Serra Malagueta em direcção à cidade do Tarrafal. 

Na distância, destaca-se se o vermelho dos prédios e das casas, que por sua vez desce em direcção ao azul marinho, da praia e da costa. O mesmo passando-se com a povoação de Mangue, atravessada pela estrada. Mas quem decide fazer o trajecto pela costa, seguindo a estrada de Figueira das Naus e Ribeira Prata, encontra o mesmo espectáculo nos telhados desta última, no sopé da colina. A harmonia trazida pela telha faz destas localidades um caso à parte em todo o panorama urbano do país. 

Ao descobrir, por acaso como sempre acontecia nestas situações, o processo de endurecimento da argila, de imediato o homem do Neolítico pensou em como este material poderia servir para cobrir as suas casas, daí ter surgido o que chamamos de cerâmica. Esta palavra deriva do termo grego Keramiké, que por sua vez vem de Keramos, a palavra para argila. Os romanos aplicaram a telha nas suas cidades e vilas e exportaram a técnica para todo o império, incluindo a Península Ibérica. De Portugal ela veio para as ilhas dos Açores e Madeira, Cabo Verde e para o resto do império português. Querer saber a origem verdadeira da telha, derivado do cozimento da argila, leva-nos a várias teorias, entre elas ao rei Kininas, da ilha de Chipre. 

Os romanos difundiram duas espécies de telhas: as Tégulae planas, de forma retangular, munidas de rebordos laterais nos seus lados mais compridos e tendo em média cerca de 34 a 40 cms de comprimento por 23 a 27 cms de largura. E as Imbrices, de secção semi-cilíndrica (como a antiga telha de canudo ou mourisca) utilizadas para recobrir as juntas deixadas pelas Tégulae. O uso das telhas romanas mantém-se muito tempo na Europa, tendo sido utilizadas em França até ao Séc. XI, e só posteriormente foi substituída a sua forma retangular pela trapezoidal, mais adequada à sua função.  Até chegar à conhecida telha francesa, de encaixe, surgida em 1841, na Alsácia, cujo fabrico mecânico iria revolucionar o seu uso, e que iria cobrir muitas casas da Brava, São Nicolau, São Filipe no Fogo, Praia, Santo Antão, Boa Vista, etc. 

Mas não é apenas o lado estético da telha, pois existem várias vantagens, como a sua resistência ao clima, que evita a infiltração de água ou vento, trazendo conforto e segurança às habitações. Também podemos falar da vantagem ecológica da telha e da sua durabilidade e aspecto económico, acessível a todos. Ao contrário de Cabo Verde, no Brasil, o processo de fabrico das telhas criou alguns mitos, entre eles de que as telhas eram fabricadas, moldadas nas coxas dos escravos. O historiador Bráulio Moura veio, há pouco tempo, desmentir o mito:

“Nas cidades históricas ainda se ouve gente espalhando a estória de (as telhas) eram feitas nas coxas dos escravos. E que por isso elas tinham o formato “canoa” mais largo em uma ponta e mais estreito em uma outra. Isso além de ser mentira é ainda uma crença racista, associando trabalho mal feito ao trabalho dos negros escravizados. Acontece que não existe nenhuma cidade colonial do Brasil (nem em Portugal), prédio com telhas diferentes umas das outras, elas são padronizadas. As telhas coloniais eram feitas em moldes de madeira, onde eram também secadas ao sol. Imagine se um dono de escravos ia deixar eles dormindo horas no sol com uma telha em cada perna.

Essas telhas do Brasil colônia têm em média 75 centímetros de comprimento ou um pouco mais. Para que um escravo moldasse ela sobre as coxas, era preciso que ele tivesse altura de 3,5 m. Isso mesmo. Ele teria que ser um boneco gigante de Olinda para ter uma coxa deste tamanho. Considerando pessoas de 1,80 m, as telhas teriam cerca de 33 centímetros, ridículo em um telhado, não é mesmo? O fato é que a expressão “feito nas coxas” tem provável origem sexual, surgida de relações rápidas e feitas às escondidas, em alguns casos para não perder a virgindade, praticando ato nas coxas às escuras. As cidades históricas do Brasil para variar, criaram mais esse boato para enfeitar a narrativa de antigos guias, condutores e publicações, no intuito de tornar os lugares mais interessantes.”

Voltando às nossas ilhas, a verdade é que nenhuma outra cidade cabo-verdiana adoptou a telha na cobertura dos seus edifícios como o Tarrafal. E, em consequência, nenhuma é mais bela, mais deslumbrante e aprazível, na aproximação, sobretudo ainda do cimo da serra, descendo a estrada. Estamos a falar das mesmas gerações de emigrantes que vivem em Portugal, França e Holanda, e que vêm investindo as suas economias na compra de terrenos e na construção de casas. E perguntamos, por que é que os moradores da Assomada não adoptaram esta prática? Qual a razão para que, do Mangue ao Tarrafal, pareça que estamos num país mais arrumado, mais limpo, mais harmonioso, mais agradável? Não é só nas casas individuais, modernas, ali para os lados da Ponta do Atum e do hotel King Fisher, mas também na modernização de partes da cidade, onde subiram prédios de três, quatro andares. Mas tudo sempre com a preocupação da cobertura da telha vermelha. É curiosa e admirável esta opção dos emigrantes e dos construtores. A telha está em todo o lado, nos telhados, passadiços, alpendres, telheiros, num hino generalizado a este material, fazendo do Tarrafal uma cidade ‘vermelha’ aos olhos de quem a visita.

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