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São Vicente

São Vicente: Moradores de bairros degradados à espera de novas promessas de habitação condigna

O problema da habitação na ilha de São Vicente é um tema antigo e, ao que tudo indica, eterno. Os bairros informais, muitos construídos em encostas e linhas de água, não param de crescer, ilustrando a precariedade em que milhares de cabo-verdianos continuam a viver na ilha do Porto Grande. Com as eleições autárquicas de 1 de Dezembro, muitos desses munícipes e eleitores aguardam, uma vez mais, por um novo rol de promessas para resolver os velhos problemas de habitação.

Nas últimas décadas, apesar de todas as intervenções feitas, pelos poderes central e local, o número de gente a viver em condições indignas continua grande. Volta e meia, ouve-se falar no surgimento de novos aglomerados que tendem, um dia, a transformar-se em novos bairros espontâneos, com os seus moradores a viverem em condições infra-humanas.

As eleições autárquicas de 1 de Dezembro constituem, previsivelmente, o reacender de promessas de melhoria das condições de vida, neste caso, no sector da habitação social. Contudo, por aquilo que esta reportagem pôde se aperceber, o sentimento generalizado entre os moradores dessas zonas problemáticas é de desânimo e desalento.

Mesmo lá onde a intervenção do poder público (governo e câmara) aconteceu, melhorando a vida dos contemplados, o que prevalece entre os que ficaram de fora é que as casas sociais não são para todos, mas apenas para um pequeno grupo, nomeadamente, artistas, funcionários, e nunca para os jovens com trabalhos precários.

Injustiçados

Mônica

Nesta situação de injustiça, suposta ou real, encontram-se Mónica, João, Rosa, Constância, Arlinda, Antonita e Lorena, ouvidas pelo A NAÇÃO.

Mónica, por exemplo, vive com o companheiro numa barraca de lata e madeira no bairro Cruz de Papa, que se erigiu de forma informal na encosta do morro encravado entre Ribeirinha, Lombo Tanque e Bela Vista. “A nossa casa é pequena, sem casa de banho, e não temos condições de melhorar”, diz.

Para agravar o drama e a dificuldade que é a sua vida, Mónica é epiléptica e enfrenta dificuldades para encontrar emprego. “Já tive alguns episódios de epilepsia no local de trabalho, e as pessoas ficam reticentes em me contratar”, relata.

A situação de Lorena de 26 anos, mãe solteira, e com duas filhas para sustentar, moradora em Morro Branco, na Ribeirinha de Cima, está longe de ser melhor. Sente-se injustiçada, daí o seu desabafo: “Preferem atribuir as casas as pessoas da classe média, como artistas, funcionários e outras, em vez de serem dadas a nós jovens que ganhamos uma miséria”.

Esta reportagem também se deparou com histórias de outros moradores na mesma ou pior situação de Mónica, ou de Lorena, em vários outros bairros por onde passou. Em muitos aspectos são histórias parecidas, de mães solteiras, jovens desempregadas, cujas existências constituem a prova viva do que é a pobreza no país, e em São Vicente, particularmente.

Problema antigo

São Vicente, note-se, pelo seu lugar na economia nacional, é uma ilha que ao longo dos anos sempre foi recebendo gente de outras ilhas, principalmente Santo Antão e São Nicolau, na expectativa de verem a sua vida melhorar. Muitos desses migrantes acabam por reforçar as bolsas de pobreza já existentes, vivendo em bairros clandestinos ou degradados, com todos os problemas consabidos, de vias de acesso, saneamento, iluminação, água, etc.

A falta de políticas habitacionais adequadas e a distribuição desigual de terrenos pela Câmara Municipal são factores críticos que agravam a crise habitacional em São Vicente, conforme apontado por engenheiros e arquitectos no Mindelo ouvidos pelo A NAÇÃO.

Como trataram de explicar as nossas fontes, a rápida urbanização e o crescimento populacional, aliados à especulação imobiliária e ao aumento dos preços dos alugueres, tornam a habitação em São Vicente inacessível para muitos, no geral, gente de fraco poder de compra, a lutar para sair, por vezes, da pobreza extrema em que se encontram. E mesmo lá onde o poder público conseguiu fazer alguma coisa, as infraestruturas existentes, muitas vezes, não atendem aos requisitos mínimos de qualidade e segurança, com muitas comunidades a enfrentarem a falta de água potável, saneamento básico e electricidade.

Realidade

As histórias de Mónica, João, Rosa e Constança, Arminda, Antonita, Lorena, entre outros, constituem um lembrete do muito que ainda precisa ser feito para melhorar as condições de vida de milhares de cabo-verdianos na segunda mais importante ilha de Cabo Verde. De tão incontornável, esta será seguramente uma das questões que vai animar a campanha para as eleições de 1 de Dezembro.

João, pedreiro, e a sua esposa, funcionária do saneamento municipal, lutam para construir a sua casa aos poucos. Enquanto isso vão dispondo de apenas um quarto, onde vão colocando os poucos pertences.

Rosa, de 36 anos, e que veio de Santo Antão, também enfrenta desafios semelhantes, enquanto Constança, que nasceu em São Tomé e Príncipe, busca apoio para construir uma habitação minimamente digna.

Já Arlinda, esta, tem a sua casa de betão com sala, quartos, casa de banho, e cozinha, bem arranjada, e em boas condições de habitabilidade, mas vai contando os problemas que enfrenta devido ao saneamento básico no local. “Tenho construída uma fossa seca e quando enche é um castigo para retirar o conteúdo”. E como nos relatou, normalmente, quando a fossa enche, os dejectos são transportados à mão para o camião da Câmara Municipal.

Lixeira e outras zonas críticas

A NAÇÃO constatou na sua ronda pelos vários bairros problemáticos de São Vicente nalguns casos sob o olhar desconfiado e ameaçador dos seus moradores, que existem milhares de outras pessoas a viverem em zonas degradadas, mas também desumanas e algumas muitas vezes ilícitas.

São os casos de Lixeira, Tchetchénia, Jamaica, Vietname, Alto Doca, Alto Bomba, Canelona, Cova, Covada de Bruxa… Áreas com características distintas e ao mesmo tempo comuns, a começar pela pobreza gritante. Lixeira, por exemplo, está há muito referenciada por ser uma das zonas mais carenciadas de São Vicente. As pessoas sobrevivem literalmente daquilo que retiram do lixo.

Similarmente à Lixeira, Tchetchénia é uma outra zona crítica. Os seus moradores também lidam com problemas de infraestrutura e acesso a serviços essenciais.

Já na Jamaica, configura-se como sendo uma mistura de habitações informais e formais. Embora enfrente desafios semelhantes aos de Lixeira e Tchetchénia, há esforços comunitários para melhorar as condições de vida.

Conhecida por suas condições de vida precárias, também Vietname é uma área onde muitas famílias vivem em habitações improvisadas, sem equipamentos sociais.

Alto Doca apresenta-se como sendo uma zona um pouco mais desenvolvida em comparação com as outras mencionadas. No entanto, ainda enfrenta desafios relacionados à urbanização e saneamento.

Mas neste panorama não é de esquecer a situação de muitas famílias em São Pedro, Lazareto, Ribeira de Vinha, Calhau, Salamansa, Ribeirinha, Chã de Alecrim e mesmo no centro da cidade onde existem casas abandonadas e degradadas a servirem de abrigo a delinquentes e toxicodependentes.

João A. do Rosário

Leia na íntegra na edição 898 do Jornal A Nação, de 14 de Novembro de 2024

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