Cesário Mota Moreno, 91 anos, casado com Carina Moreno há 59 anos, foi o primeiro padeiro da localidade de São Pedro, arredores do concelho da cidade da Praia. Mas foi na ilha de São Vicente que, em contacto com a produção de bolachas, resolveu tentar a sorte, construindo um forno, que ainda hoje existe e funciona.
Natural de Pico de António, interior da ilha de Santiago, Cesário Moreno conta que, aos 10 anos, veio morar na cidade da Praia, primeiro na localidade de Simão Ribeiro, e tempos depois em São Pedro, onde vive até hoje, aos 92 anos, possuindo um forno de lenha em sua casa.
O primeiro trabalho de Cesário foi retirar cascalho das ribeiras para a construção de casas – tarefa que hoje é feita com máquinas – e que descreve como sendo extremamente dura. “Uma carga de cascalho custava 30 escudos e uma de areia 20 escudos, naquele tempo que dinheiro era dinheiro, com muito mais valor do que hoje”, relata.
Aos 43 anos, como muitos cabo-verdianos na sua situação social, Cesário decidiu experimentar a emigração, em Portugal, onde ficou por dois anos e cinco meses, trabalhando como servente, com um salário diário de 130 escudos. Mas as saudades da família apertaram e decidiu regressar a Cabo Verde: “Vou quebrar pedra na minha terra”.
Cesário ficou conhecido na sua zona, São Pedro, através de uma bolacha conhecida por “bolacha Cesár” que começou a produzir há mais de 40 anos.
O interesse pelo fabrico de bolachas surgiu quando o nosso entrevistado visitou São Vicente e se deparou com um tipo de bolacha que o fascinou. Com muita insistência, lá acabou por saber que a receita incluía 50 kg de farinha, 1 kg de manteiga e 10 kg de açúcar. Depois de ver como se faziam as bolachas, ao voltar para a Praia, decidiu tentar a sorte, acrescentando o seu próprio “tempero” à “bolacha César”: canela e baunilha em pó e líquido.
A construção do forno
Cesário Moreno relata que nesta experiência já tinha algum conhecimento sobre a construção de fornos de pedras e que por isso decidiu construir o seu próprio forno, orientando os pedreiros durante o tempo em que esse trabalho foi feito.
Hoje com mais de 40 anos, o forno é testemunho do trabalho e da garra do nosso entrevistado. Trabalhador, além da produção de pão e bolacha, Cesário também se dedicava à tarefa de recolher lenha pelas achadas e montes.
“Era eu que apanhava os feixes de lenha, todos os dias, sob o sol escaldante, em S. Jorginho, a pé, sem carro, nem boleias, tarefa que exigia força e o desejo de ver o meu forno a funcionar”, recorda.
Como eram as vendas
No auge das vendas da sua padaria, os clientes chegaram a fazer fila, segundo relata Cesário Mota. Nessa altura chegou a ter cerca de cinco trabalhadores a produzir bolachas sem parar.
“Forneávamos até ao amanhecer, especialmente na época de Natal e Ano Novo, quando as pessoas traziam bolos, pizzas, para assar e compravam muitas bolachas para levar para o interior, era uma multidão de pessoas”, acrescenta, saudoso desse tempo.
Além das vendas na comunidade de São Pedro, Cesário também chegou a vender bolachas na Assomada, Santa Catarina.
E foi assim que, na lida e na luta, casado com Carina Moreno, há 59 anos, teve oito filhos, um dos quais faleceu.
E hoje?
Sobre a situação actual do forno quem responde é o primogénito do nosso entrevistado, Otélio Moreno, que, à semelhança do pai, faz a produção de bolachas e recolhe a lenha de que precisa perto de casa. “Já não fazemos bolachas em grandes quantidades; antes fazíamos todos os dias, mas agora apenas quando o stock está a terminar”.
Ao ser questionado sobre o motivo da queda na produção de bolachas, ele responde: “Se aparecerem jovens responsáveis e com vontade de trabalhar, retomaremos a produção de bolachas como antes”.
Estranhamente, numa altura em que tanto se fala de desemprego jovem, Otélio diz que os jovens, hoje, ou aguardam o momento de emigrar ou preferem ficar ociosos, a fazer sabe-se lá o quê para sobreviverem.
No final a nossa entrevista, Otélio Moreno confessa que gostaria de ter apoio para modernizar o processo de fabrico da padaria herdada do pai, pois, com os novos tempos, seria bom ter uma máquina de amassar farinha e de um passador eléctrico, visto que os que têm são manuais e exigem muito esforço humano.
Além disso, esta poderia ser também uma forma de dar continuidade ao trabalho que herdou do pai, Cesário Mota, que vai ouvindo, com um sorriso, o depoimento do seu herdeiro e continuador.
“Eu faço as lenhas sozinho, e a seguir tenho que amassar a massa manualmente; com uma máquina de amassar e um passador eléctrico, e com jovens com garra e energia, a produção aumentaria certamente, o que beneficiaria a economia desta nossa zona, São Pedro, e todos sairíamos a ganhar”, conclui Otélio Moreno.
Elisa Moniz (Estágiaria)