Oficiais de diligências consideram um “total descaso” do Ministério da Justiça e dos Conselhos Superiores de Magistratura Judicial e do Ministério Público em relação às condições em que essa classe trabalha. Uma situação, como afirmam, ficou a nu na semana passada com a notícia do A NAÇÃO dando conta que por falta de passe de autocarro um oficial de diligência ficou sem notificar os arguidos do processo “Rapa Tudo”.
Esta quinta-feira, a Assembleia Nacional volta a debater o Estado da Justiça no país. De tão recorrentes, as questões são facilmente previstas, com a morosidade à cabeça.
O debate deste ano também acontece numa altura em que a classe dos oficiais de diligência ameaça avançar para uma greve já no próximo mês de Novembro, por, entre outras motivos, falta de condições para realizarem o seu trabalho.
A questão de passes de autocarro caducados que resultou na falta de notificação de 16 arguidos para julgamento, conforme notícia do A NAÇÃO na semana passada, é, no dizer de uma fonte, ao Santiago Magazine, “apenas um detalhe”, de uma situação que se arrasta há muito.
Segundo a denúncia, o Tribunal da Praia conta com apenas duas viaturas para diligências, uma das quais está parada por falta de manutenção. “Essa única viatura é para aproximadamente 25 oficiais de diligência, sem contar os ajudantes de escrivão e escrivões, cobrindo um total de dez juízos e respetivas secretarias sem transporte”.
Os oficiais, que possuem cartões com chip para acesso aos autocarros, denunciam que estes foram distribuídos apenas para alguns e apenas na Praia. “Os mais novos não possuem esse cartão e, sem passe para se deslocarem, a situação só piora”, afirma a fonte, atribuindo a ineficiência tanto ao Ministério da Justiça quanto aos Conselhos Superiores.
Casas de banho sem água
Outros problemas relatados incluem a falta de água nas casas de banho do Campus do Palmarejo, onde ficam as instalações judiciais, e questões operacionais sob responsabilidade do Cofre dos Tribunais e do Ministério Público, que foi criado há dois anos e centraliza aquisições e pagamentos.
“Até para comprar papel higiénico é preciso autorização desse cofre conjunto dos tribunais e do MP. Quer dizer, o Ministério Público depende de um cofre partilhado com os tribunais. Foi uma invenção de Olavo Correia”, afirma uma fonte.
Fora isso, o novo estatuto dos oficiais de diligência, que incluiria subsídios de risco e outros benefícios, está em trâmite no Ministério da Justiça há quatro anos. “O estatuto em vigor faculta-nos a porte de arma, mas nem o Governo, nem o CSMP e o CSMJ disponibilizaram esse direito estatutário”, reclamam os oficiais de justiça.
Falta de retorno
Com a falta de retorno, após um encontro em 4 de Outubro com o director de Política da Justiça, Samora Monteiro, os oficiais de diligência ameaçam paralisar os trabalhos agora em Novembro.
Monteiro, citado pelo Santiago Magazine, reconhece as limitações, mas defende que o novo estatuto “está a percorrer o seu caminho normal” e explica que o documento já foi enviado ao consultor para incorporar as sugestões recebidas.
Aquele responsável afirmou também que as reivindicações dos oficiais de diligência foram encaminhadas à ministra da Justiça, Joana Rosa, mas questiona a iminente greve: “Falo com os oficiais quase sempre, sabem o que se passa. Não entendo o porquê de estarem a falar agora em greve”.
A presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Justiça (SNOJ), Maria da Cruz Moreira, por seu turno, confirmou a ameaça de greve e num comentário àquele online detalhou as condições precárias dos profissionais.
“A falta de condições de trabalho é gritante em todas as secretarias”, disse, criticando também a falta de transporte adequado para deslocações e o défice de pessoal, que afeta a saúde dos trabalhadores. “Estão mal distribuídos, como se o mérito não tivesse respaldo constitucional, e o critério de alocação é observado conforme a conveniência, um dos pontos de resistência do SNOJ no novo estatuto”.
Sobre o estatuto, Moreira disse que o prazo limite para aprovação foi o fim de Outubro, e expressou descontentamento com o adiamento. Segundo ela, “a promessa da Senhora Ministra termina amanhã, dia 31. A previsão de paralisação inicial será de uma semana, não apenas devido ao Estatuto, mas também pelo descaso total com os Oficiais de Justiça, operadores judiciários mais cruciais no Poder Judicial”.
Com o debate sobre o estado da Justiça no Parlamento marcado para hoje, quinta-feira, os oficiais esperam uma resposta concreta para evitar a greve e reforçam que, sem condições adequadas, o sector jurídico continuará paralisado.
Geremias S. Furtado