Por: William Sena Vieira
“Tal como Zeca di Nha Reinalda e Cesária Évora são um dos pilares da nossa cultura musical, Antero Barros e Edy Tavares são igualmente importantes para a nossa cultura desportiva. São todos, agentes culturais”.
Desde os primeiros anos de escola, a cultura cabo-verdiana foi-nos apresentada através de figuras históricas, literárias e musicais. Aprendemos sobre algumas figuras que estiveram na luta de libertação nacional, na literatura, estudámos figuras de proeminência como Eugénio Tavares, Baltazar Lopes, Germano de Almeida, e na música, celebrámos artistas como Cesária Évora, Ildo Lobo, Zeca di Nha Reinalda, Bana, etc.
À medida que avançávamos no ensino secundário, a nossa compreensão da cultura expandiu-se, incluindo géneros musicais como Morna, Coladeira e Funaná, bem como pratos típicos como Xerém, Cachupa e Djagacida. No entanto, esta visão da cultura cabo-verdiana, embora rica, permaneceu estritamente circunscrita.
Após o ensino pré-universitário, academicamente a nossa visão cresceu, contudo, dentro dos mesmos moldes. A cultura estava confinada à música, política, gastronomia, literatura e algumas formas de arte tradicional. Esta visão restrita, embora bem-intencionada pelos nossos educadores, criou delimitações sobre outros aspetos importantes da nossa herança cultural.
É crucial reconhecer que a cultura não se limita apenas a algumas áreas como são a música e, por exemplo, a literatura. Outras áreas, incluindo o desporto, são igualmente fundamentais para a identidade cultural de um povo. Considere-se o impacto de figuras desportivas como Rosa Mota e Eusébio em Portugal, Muhammad Ali e Mike Tyson nos EUA, Haile Gebrselassie na Etiópia ou Maria de Lurdes Mutola em Moçambique. Estes atletas tornaram-se símbolos culturais nos seus países, reconhecidos com as mais altas honras do Estado.
O antropólogo britânico Edward B. Tylor definiu cultura como “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Esta definição abrangente vai muito além da nossa visão restrita e circunscrita da cultura.
Infelizmente, no país, ainda parece manter-se a mesma visão restrita da cultura. Quando perguntei recentemente a alguns amigos sobre as figuras atuais da cultura cabo-verdiana, as respostas limitaram-se a alguns legitimados e reconhecidos até pelo nosso poder público, através do Ministério que tutela aquela pasta. Esta perspetiva, embora importante, ignora o papel de outras áreas e também do desporto na nossa identidade cultural.
Senão vejamos:
Os “Tubarões Azuis”, a seleção nacional de futebol, o basquetebolista Edy Tavares, e muitos outros atletas são tão representativos da cultura cabo-verdiana quanto os nossos músicos e escritores. Ao longo da nossa história, tivemos diversos indivíduos e instituições que contribuíram significativamente para o desenvolvimento do desporto em Cabo Verde, como passarei a citar:
Fortunato Levy, nascido na Praia em 1884, que particpara na fundação do SL Benfica em Portugal antes de regressar e contribuir para o desenvolvimento do desporto, politica e economia nas ilhas;
As famílias Barros e Sena em São Vicente, figuras do século XX que impulsionaram o futebol, ténis e críquete;
João Burgo, o primeiro diretor nacional do desporto em Cabo Verde no pós indipendência;
O professor Antero Barros, frequentemente chamado de “Pierre de Coubertin Cabo-verdiano”, que participou na fundação de várias federações desportivas e o Comité Olímpico Cabo-verdiano;
Clubes históricos e centenários como o SC Mindelense e o Sporting Clube da Praia também desempenharam um papel crucial, formando gerações de atletas e proporcionando momentos memoráveis nestes 100 anos;
A celebração nacional após o desempenho dos Tubarões Azuis na CAN 2013, que no olhar de vários indivíduos superou até mesmo as comemorações da independência em 1975, demonstrou e ainda demonstra o poder unificador e de irmanação do desporto na nossa cultura.
Em conclusão, é imperativo reconhecermos o desporto como um elemento fundamental da cultura cabo-verdiana. Tal como Zeca di Nha Reinalda e Cesária Évora são um dos pilares da nossa cultura musical, Antero Barros e Edy Tavares são igualmente importantes para a nossa cultura desportiva. Todos eles são agentes culturais que contribuem para a rica tapeçaria da identidade cabo-verdiana. É hora de expandirmos a nossa definição de cultura para incluir plenamente o desporto e demais áreas afins, no sentido de celebrarmos todos os aspetos da nossa herança cultural.