Além de chuvas irregulares, pragas e outros problemas, a agricultura na ilha de Santiago vem enfrentando escassez de mão de obra devido à emigração. Os agricultores relataram ao A NAÇÃO que muitos jovens têm deixado o país em busca de melhores oportunidades, com impactos negativos directos na produção agrícola.
“Não há gente para trabalhar a azágua”, é das frases que mais se ouve por estes dias no interior de Santiago, sobretudo com as chuvas caídas. Dos vários homens e mulheres que trabalham a terra A NAÇÃO ouviu que a escassez de mão de obra resulta da recente onda de emigração.
O fenómeno tem causado um aumento significativo nos preços dos serviços agrícolas, como as tradicionais “cimenteira” e “monda”, num cenário em que os lucros são incertos. Afinal, basta a chamada chuva de Outubro não aparecer, para todo o trabalho e o investimento feito serem dados por perdidos.
Há determinadas localidades, como no concelho de Santa Cruz, em que o trabalho da terra está a ser garantido por imigrantes da Costa Ocidental da África. Os poucos jovens cabo-verdianos, como se vai ouvindo, aqui e ali, quando aceitam pegar na enxada exigem um preço alto.
Mais de 17 mil emigraram
E por falar em migração, os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), que analisou o período entre 16 de Junho de 2016 e 15 de Junho de 2021 indicam que, neste intervalo, 17.961 indivíduos deixaram o país rumo à emigração, sendo que 8.514 são do sexo masculino (47,4%) e 9.447 são do sexo feminino (52,6%). A maioria, segundo a mesma fonte, residia na ilha de Santiago antes da partida para o exterior.
Mas, citando ainda os últimos dados oficiais, nota-se que mais de metade dos cerca de 18 mil emigrados tinha entre 15 e 29 anos (56,2%), sendo que 26,1% tinha entre 15 e 19 anos. Ainda, cerca de 20% tinha entre 20 e 24 anos, e 10,6% entre 25 e 29 anos.
No que se refere ao país de destino, constata-se, conforme os mesmos dados do INE, que Portugal é o principal acolhedor desses emigrantes cabo-verdianos (61,9%). Seguem-se os Estados Unidos (17,8%), a França (6,6%), o Senegal e Brasil (cerca de 2% para cada um dos países).
Acredita-se que nos dias de hoje o número de emigrantes tenha tido um aumento significativo, uma vez que esta movimentação tem experimentando uma dinâmica mais acentuada nos últimos cinco ou três anos, sobretudo no seio das gentes do interior da ilha de Santiago, que desde sempre teve forte tradição de emigração.
Relatos
Manuel Moreira, um agricultor de 67 anos, conta que a agricultura sempre foi uma fonte de renda para ele e para a sua família.
Este homem do campo destaca que a saída de muitos jovens, primeiro, para as ilhas turísticas, e agora para o estrangeiro, sobretudo Portugal, assim como o consumo excessivo de álcool, que também afecta a população rural, têm contribuído para a escassez de mão de obra para o trabalho da lavoura.
“Nos últimos anos, temos enfrentado dificuldades para trabalhar nas nossas propriedades. Nós, que já estamos mais velhos, fazemos um esforço para continuar, mas, mesmo oferecendo pagamento justo, não encontramos pessoas dispostas a trabalhar, pois os jovens estão todos a emigrar,” afirma Maria Fonseca, outra agricultora da região.
Trabalhar a terra tornou-se mais custoso
Os efeitos da emigração têm sido sentidos em vários ramos de actividade, sendo a agricultura o caso mais saliente, neste momento, por causa das chuvas. Mesmo com o desemprego, praticamente, já não há quem queira trabalhar a terra.
Manuel Moreira, da localidade de Ribeirão Manuel, relatou ao A NAÇÃO que há mais de uma semana que procura trabalhadores para limpar duas das suas propriedades agrícolas, mas que não tem sido fácil encontrar gente disponível.
“Estamos a ter dificuldades em encontrar mão de obra. Com a falta de chuvas, muitos não semearam cedo e, com as áreas afectadas por macacos e galinhas-do-mato, agora, com o solo molhado, todos estão focados em cuidar das suas próprias plantações antes de procurarem os ‘biscates’ pagos e mesmo ajudar os amigos.”
Além disso, os poucos jovens que estão disponíveis exigem um valor considerado elevado por dia, dependendo das condições. “Mesmo sem emprego, pedem entre 1.500 e 2.000 escudos, mais o almoço, para um dia de monda. Isso é insustentável, especialmente no início da azágua, quando não sabemos como será o ano agrícola. Alguns jovens preferem ficar nas ruas a trabalhar por 1.000 ou 1.200 escudos”, lamenta Manuel.
Já Albertina Tavares, uma agricultora da Achada Lém, no concelho de Santa Catarina, relata que possuía três propriedades agrícolas, mas que, actualmente, deixou de cultivar em dois terrenos devido à falta de mão de obra e ao alto custo do trabalho agrícola. Segundo explica, anteriormente, era ela e os filhos quem cuidavam das terras, mas, com a emigração dos quatro filhos, em busca de melhores oportunidades fora do país, a situação mudou
Esta mulher do campo também destaca os custos com as sementes, ressaltando que, nos últimos anos, a produção foi quase nula e que a colheita foi utilizada basicamente para a alimentação da família. Esta fonte menciona ter gasto cerca de 10 mil escudos na compra de sementes, sem contar as perdas causadas pelas pragas, que acarretam muitas vezes grandes prejuízos nas plantações.
Embora a situação financeira da família tenha melhorado com o apoio dos filhos que emigraram, depara-se agora com a grande escassez de mão de obra na região, mesmo estando disposta a pagar um preço alto para conseguir trabalhadores.
Segundo testemunho de um cidadão, somente na Ribeira da Barca, nos últimos seis meses, mais de 300 jovens deixaram a zona, emigrando para vários destinos. Além de casas abandonadas, no interior de certas zonas de Santiago, começa a ser comum ver mulheres, crianças e idosos, porque os jovens, quer rapazes, quer raparigas, emigraram.
Governo já pensa em plano de mitigação
O ministro da Agricultura e Ambiente avançou recentemente que o Governo vai avaliar a situação agrícola do país em decorrência das poucas chuvas e só depois apresentar um plano de mitigação.
Segundo Gilberto Silva, se for analisada a quantidade acumulada de chuvas, até agora, e a sua distribuição, fica “de facto aquém” daquilo que era esperado, sublinhando que “previsões são previsões”.
De referir que as palavras do governante foram proferidas antes das chuvas razoáveis e nalguns casos abundantes que se fizeram sentir esta semana.
“O Governo está preparado, mas precisamos fazer uma avaliação técnica adequada e só depois, com base na avaliação, colocar as medidas de mitigação sobre a mesa para aprovação e depois implementar”, reforçou Gilberto Silva.
Leliane Semedo (Estagiária)
Publicada na edição nº891 do Jornal A Nação, de 26 de Setembro de 2024