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Incompetência ou Desafios Estruturais? Uma análise ao discurso do VPM sobre Liderança e Oportunidades para a Juventude

 Por: António Medina

O discurso proferido pelo Vice-Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Olavo Correia, durante a conferência sobre competitividade e ambiente de negócios, levanta vários pontos críticos que merecem análise, especialmente no contexto da sua posição como líder do setor financeiro e membro do governo. A sua afirmação de que a criação de oportunidades para a juventude africana, incluindo em Cabo Verde, deve-se à “incompetência” das lideranças e não à falta de recursos, coloca o foco em uma autocrítica à classe dirigente, mas também gera questionamentos sobre o papel e as responsabilidades do próprio governo de Cabo Verde, que ele representa.

Ao apontar a “incompetência” das lideranças africanas como a principal barreira para o desenvolvimento, Olavo Correia assume uma postura provocadora e crítica. Essa abordagem, embora verdadeira em muitos casos, pode ser vista como uma generalização perigosa. Ela ignora as complexidades que afetam muitos países africanos, como legados coloniais, dependência económica externa, fragilidade institucional e desafios globais, como as mudanças climáticas e pandemias, que também limitam a capacidade de resposta das lideranças locais.

É preocupante que essa crítica venha de um alto representante do governo cabo-verdiano, o que sugere que ele também está a admitir falhas dentro da própria governação de Cabo Verde. Se há uma «incompetência» das lideranças em criar oportunidades para a juventude, ele como Vice-Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças deveria explicar de que forma o governo está lidando com essas questões. A crítica não pode ser vaga ou direcionada apenas a outros países africanos; deve ser acompanhada por um plano concreto de ação para Cabo Verde.

A ideia de que “Cabo Verde e qualquer país africano tem todos os recursos para ser um país desenvolvido” parece simplificar excessivamente a realidade. Embora seja verdade que África, como continente, possui vastos recursos naturais e humanos, o acesso, a gestão eficaz e a distribuição equitativa desses recursos são questões complexas. No caso de Cabo Verde, um pequeno Estado insular, os recursos são mais limitados, especialmente em termos de terra cultivável e acesso a mercados. A infraestrutura necessária para desenvolver e aproveitar esses recursos de forma sustentável muitas vezes depende de fatores externos, como investimento estrangeiro, ajuda internacional e mercados globais, todos os quais estão fora do controle direto das lideranças nacionais.

Além disso, a afirmação do ministro não aborda suficientemente as dificuldades estruturais que muitos países africanos enfrentam, incluindo o impacto de sistemas económicos globais que perpetuam a desigualdade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

A advertência de Olavo Correia sobre a necessidade de criar um milhão de empregos qualificados por mês em África e a possível “bomba social” resultante da falha nesse objetivo é uma constatação válida e importante. No entanto, faltam detalhes sobre como ele, como Ministro das Finanças, propõe lidar com essa questão em Cabo Verde. A criação de empregos qualificados requer mais do que boa liderança; exige investimentos em educação, tecnologia, infraestrutura e ambiente de negócios que incentivem a inovação e o empreendedorismo. Se o continente africano e Cabo Verde estão tão preparados como ele afirma, então quais são as ações concretas que o seu governo está a tomar para aproveitar esses recursos e criar as oportunidades necessárias?

O ministro também aborda os movimentos migratórios, ligando-os diretamente à falta de oportunidades. Novamente, a análise é parcialmente verdadeira, mas carece de nuance. A migração não ocorre apenas pela falta de oportunidades, mas também por razões sociais, culturais e políticas, além de desafios como a mudança climática. É verdade que a criação de um ambiente de negócios propício pode ajudar a reter talentos e a reduzir a pressão migratória, mas para isso é necessário um ambiente estável, políticas coerentes e, novamente, investimentos que estimulem o crescimento interno.

Por fim, a visão do Vice-Primeiro-Ministro de que o Estado tem a obrigação de criar um “ambiente de negócios” que permita o florescimento dos talentos locais é fundamental. Contudo, é preciso questionar como isso está sendo implementado em Cabo Verde. Quais são as políticas públicas atuais que promovem esse ambiente? Estão a ser eficazes? Estão a atrair investimentos internos e externos? Ou a “incompetência” que o ministro menciona também está a afetar essas iniciativas?

Em suma, o discurso de Olavo Correia levanta pontos relevantes, mas sua abordagem crítica precisa de maior contextualização e de uma visão mais construtiva. Criticar a incompetência das lideranças sem apresentar soluções concretas ou sem reconhecer as limitações estruturais enfrentadas por muitos países africanos, incluindo Cabo Verde, pode parecer apenas uma forma de desviar a atenção dos problemas internos. A responsabilidade de liderar e implementar mudanças reais não pode ser ignorada ou externalizada para “outras lideranças” sem que se apresente um plano de ação claro e transparente para enfrentar esses desafios.

24/09/2024

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