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Ambiente

Saneamento: Saudades do tempo em que Mindelo era uma cidade limpa

Já se foram os tempos em que os são-vicentinos se orgulhavam de ter a cidade com o melhor saneamento do país. Hoje, contentores em mau estado de conservação a transbordar de lixo, mal localizados, denotam uma recolha deficiente, com riscos para a saúde pública, especialmente durante o verão. Em defesa da Câmara Municipal, o vereador José Carlos da Luz discorda das críticas. 

A situação do saneamento em São Vicente, especialmente em certos bairros e zonas, é visível a todos, inclusive às autoridades da Câmara Municipal (CMSV). No entanto, segundo munícipes ouvidos por esta reportagem, o saneamento urbano em São Vicente vem-se degradando ano a ano, daí longe estar o tempo em que Mindelo era tida como uma das cidades mais limpas de Cabo Verde. 

Daniel Pereira

Em Chã de Alecrim, uma área em rápido crescimento, há actualmente apenas dois pontos de recolha de lixo operacional: um próximo ao campo de futebol e o outro ao lado do polivalente, em frente ao Clube Falcões do Noite. Pelo que A NAÇÃO conseguiu saber, anda-se à procura de um local mais adequado para se colocar uma terceira banqueta que foi retirada do seu espaço para dar lugar a um minimercado. 

Daniel Pereira, conhecido como “Nhela d’ Bairro”, ex-agente da Polícia Nacional, morador no local, expressa o seu descontentamento com a localização da banqueta contendo três contentores de lixo, sobretudo, a que fica a escassos 20 metros de sua residência. Ele sugere que a mesma seja movida para trás do polivalente, onde há espaço suficiente e assim, como alega, “fica mais distante das casas”. 

Nhela destaca que o lixo acumulado no local atrai mosquitos que habitam nas acácias, à frente da sede do clube. “Todas as manhãs, a partir das 6 horas, sentimos o fervilhar dos mosquitos e das moscas nas árvores. O lixo também serve de ponto de recolha de comida por parte de pessoas necessitadas ou com problemas mentais, e de cães que vasculham e espalham ainda mais os resíduos em busca de alimentos”, relata. 

Além disso, Nhela observa que as banquetas e os contentores são insuficientes para Chã de Alecrim, ainda por cima, pessoas de outras zonas vêm despejar lixo ali, agravando a já por si difícil situação de saneamento do bairro. 

Outros residentes apontam que os contentores na zona do Madeiralzinho, ao lado da loja da SITA, também estão em condições precárias. Uma situação verificável também em várias outras zonas da cidade, sobretudo em certas horas do dia onde existem banquetas e pontos de recolha do lixo domiciliário.

Grosso modo, os munícipes também reclamam das caixas de esgoto, que transbordam e exalam um cheiro nauseabundo. Quando são reparadas, os trabalhadores deixam pedras e terra ao redor, que permanecem por muito tempo sem serem limpas, dando com isso má imagem à cidade. 

Mas há ainda denúncias de que a Câmara Municipal cedeu os serviços de recolha do lixo a uma empresa de construção, a “Valuca Construções”, através de um contrato cujos contornos se desconhecem. Segundo relatos, a Câmara entregou dois caminhões antigos à empresa, resultando em custos adicionais para os munícipes. 

Sacrifício

Ao registarmos o momento em que os trabalhadores se encontravam no processo de recolha do lixo na banqueta do Madeiralzinho, os mesmos ficaram intrigados e nos questionaram o porquê de os estarmos a filmar. Respondemos que não os estávamos a filmar, mas sim a fotografar, visto que se publicam fotos de contentores cheios, também seria bom que fizéssemos o mesmo com o processamento de recolha. Ao ganharem a nossa confiança um deles fez questão de nos mostrar um contentor sem rodas e o sacrifício que é trabalhar nas condições em que laboram na sua luta contra o lixo. 

“É um sacrifício trabalhar deste jeito, senhor. Todos os contentores estão danificados e nós é que temos que os carregar até ao camião”, desabafou, continuando com o trabalho debaixo de um sol abrasador

José Carlos da Luz

Desafios e Soluções

Ao A NAÇÃO, o vereador de Saneamento, José Carlos da Luz, abordou os desafios e esforços contínuos da CMSV para melhorar a recolha e o tratamento do lixo em São Vicente. A seu ver, com a chegada dos emigrantes durante a temporada de férias, a população da ilha aumenta significativamente, exacerbando os problemas de saneamento. 

 “Por esta altura do ano, temos um aumento da população derivado da chegada dos emigrantes que vêm passar férias”, enfatiza o vereador. 

Este aumento temporário da população de São Vicente, segundo o nosso entrevistado, coloca uma pressão adicional sobre os serviços de recolha do lixo, especialmente nas áreas mais críticas, como Chã de Alecrim e Madeiralzinho. 

José Carlos da Luz destaca, por outro lado, que muitas casas comerciais, próximas aos pontos críticos, contribuem para o problema do saneamento ao descartarem grandes quantidades de papelão nos contentores destinados ao lixo doméstico. “Teremos que ver esta situação das casas comerciais, bem como resolver de vez a problemática da recolha do lixo doméstico”, afirmou.

Outro problema, segundo o nosso entrevistado, prende-se com os horários de recolha do lixo e o comportamento da população. “A recolha de lixo é realizada às segundas, quartas e sextas-feiras, a partir das 16 horas. No entanto, muitos moradores depositam o lixo no chão ou pendurado nas árvores ou outra coisa junto aos pontos de recolha logo pela manhã, antes do horário de recolha, o que resulta em consequências indesejáveis”, frisa José Carlos da Luz. 

Fora isso, esse vereador apontou que algumas pessoas vasculham os contentores em busca de alimentos para a alimentação de animais, bem como os doentes mentais… Tudo isso, do seu ponto de vista, “contribui para os problemas de saneamento que hoje se coloca à cidade do Mindelo e a toda a ilha de São Vicente”. 

Respeito aos Hábitos Locais 

José Carlos da Luz defende que os habitantes de São Vicente nunca tiveram uma “cultura do lixo” e apela por isso aos novos residentes que respeitem as boas práticas de saneamento, outrora apanágio das gentes do Mindelo. 

Diante do caso da banqueta de Chã de Alecrim o nosso entrevistado diz que o seu pelouro está a estudar a colocação de uma nova banqueta de contentores na zona “crítica” desse bairro, para substituir a antiga, que se situava no local a favor de um minimercado para a área, pelo que esta estrutura foi dali retirada. 

Por outro lado, segundo o nosso entrevistado, o Código de Postura Municipal do Mindelo estabelece directrizes claras para a gestão de resíduos e a manutenção da limpeza urbana. No entanto, a implementação e a fiscalização dessas normas ainda são insuficientes. 

“A colaboração entre a comunidade e as autoridades locais, numa vertente pedagógica, é crucial para garantir que as regras sejam seguidas e que a cidade permaneça limpa e saudável”, afirma. 

José Carlos da Luz fez saber ainda que o trabalho de recolha de resíduos é feito através de uma divisão em zonas Norte, Sul e Centro, com três camiões em operação e um de reserva. No entanto, a falta de peças no mercado interno, «é um grande desafio para a manutenção dos camiões, que frequentemente apresentam avarias”.

Cedência de serviços

Esclarecendo sobre as parcerias e a manutenção dos camiões de lixo, o vereador foi perentório em afirmar que a empresa Valuca Construções presta serviços de recolha de resíduos à CMSV, aos sábados, domingos e feriados. “Este serviço é prestado dentro de um acordo de legalidade e transparência”, assegurou. 

Apelo à comunidade

José Carlos da Luz concluiu a entrevista com um apelo aos mindelenses para que colaborem com os esforços de saneamento, respeitando os horários de recolha e evitando práticas que possam agravar a situação já por si difícil em que algumas zonas da ilha se encontram. “O apelo vai para as pessoas que criem animais para não comprarem esse lixo, sob pena de estarem a incentivar esta prática indesejável”, disse ele, desafiando os munícipes ao exercício da sua cidadania. 

João A. do Rosário

Publicado na edição nº 888 do Jornal A Nação, de 05 de setembro de 2024

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