Nas rotas dos tubarões azuis
Por: Santa Clara*
Este é o foguense José Guilherme Pires, 58 anos, natural de S. Filipe. Como a maior parte dos cabo-verdianos, ele também tem uma alcunha – Valódia, uma homenagem ao irmão, entretanto, falecido, que assim também respondia. Mas também a realização do capricho sentimental da família – perpetuar a alcunha “Valódia”, em memória do malogrado.
Para quem não se lembra, Valódia, o atleta, é aquele ponta-de-lança, o exímio cabeceador que se fixou definitivamente na região desportiva de Santiago Sul, em 1984, para quatro anos depois ajudar a Académica da Praia a recuperar o título regional perdido havia 21 anos. Na verdade, quando ele atravessou os portões do Estádio da Várzea, a Micá vinha enfrentando um longo período de jejum – desde a época 1968-69. O último campeonato regional havia sido ganho em 1968 e o derradeiro nacional de Cabo Verde em 1965.
Ele juntou-se então a grandes atletas, a maior parte dos quais internacionais ou em vias de o ser, como Nelo Sança, Naná, Zé-Gaiado, Betinho, Garrincha, Piguita, Totoco, Beto, Cadabra, Antunes, Né e outros para, na época 1988-89, dar luta aos rivais Sporting da Praia, Boavista e Travadores e colocar nas prateleiras da Micá, agora pela terceira vez (1988/1989), o troféu de campeão regional.
A sua prestação pela Académica da Praia valeu-lhe uma convocatória para a selecção de Santiago para o inter-ilhas. Venceu, na finalíssima, o combinado da Boa Vista (2-1), depois de eliminar o conjunto da ilha do Fogo por três bolas a zero. Um hat-trick do grande goleador que foi Valódia.
Em 1990, ele assinou para o Sporting da Praia, dirigido por Tó Lobo. Mas uma grave lesão levá-lo-ia a uma paragem de seis meses. Recuperado na época seguinte (1991-92), assinou para o Boavista, onde ficou por seis épocas, ganhando três campeonatos regionais e um nacional. Para a sua conta pessoal, o título de melhor marcador no regional de Santiago e o de melhor goleador, a nível nacional, lembra ele.
Aprendeu a jogar em Santiago, mas ganhou o primeiro título no Fogo
Valódia nasceu em 1966 no Fogo e, logo aos dois anos de idade migrou, na companhia dos pais, para a Praia, aqui residindo até aos 16, altura em que regressou à sua ilha natal para reencontrar os familiares que nunca mais vira, havia agora quase uma década e meia.
Levava com ele um capital técnico no jogo da bola – drible, velocidade e uma cabeça letal no contacto com a bola nas alturas. Todo um conjunto de atributos que facilmente lhe permitiram associar-se aos juniores da Académica do Fogo, evoluindo sem dificuldades para a equipa sénior. Ele se revelou num grande cabeceador, digamos que um extremo-direito perigoso que seduziu Antero Cruz, presidente e treinador dos “negros” da ilha do Fogo, que tudo fez para o manter no clube. E ele não desiludiu. Ajudou a Académica a vencer o seu segundo campeonato regional (1983-84). O futuro internacional tinha então 22 anos e ganhava no Estádio 5 de Julho o seu primeiro título ao lado de atletas gigantes como Néni Sena, Zé-Tomé, Colón, Carlitos, Doton, Dabega e muitos outros. Para a sua conta pessoal, o troféu de melhor marcador – 29 golos, a maioria dos quais de cabeça, naturalmente.
Contudo, nos jogos para o campeonato nacional de Cabo Verde, a Académica de Valódia encontrou pela frente um forte Morabeza da Brava que tinha no internacional Balalan a estrela maior. Treinado por Luís Bastos, os foguenses foram eliminados logo na primeira pré-eliminatória – empate no Fogo (0-0) e derrota na Brava – 1-0 (Balalan).
Valódia aprendeu a jogar em Achadinha, Platô e Paiol, subúrbios da cidade da Praia por onde correu atrás da bola. Os campos do Liceu Domingos Ramos, Praia-Negra, Paiol, entre outros, eram espaços circundantes que serviam também de palco dos treinos. Ele foi-se rodando em campo, particularmente ao lado de Togi e do futuro internacional Kudeca (GR), ora a ponta-de-lança ora pelas balizas, conforme se recorda.
“Eu era muito mais novo do que muitos deles. De modo que me limitava a preencher os vazios gerados pela ausência de um ou de outro jogador-titular mais velho. E é também por isso que joguei muitas vezes como guarda-redes, mas também a avançado (ponta-de-lança)”, lembra Valódia para explicar de onde veio o seu faro de goleador de cabeça: “ter passado pelas balizas serviu-me para ganhar capacidade de elevação; jogar a avançado ajudou-me a conhecer as manhas dos guarda-redes. É por isso que a maior parte dos meus golos, diria que mais de 80%, eram marcados de cabeça”.
No Paiol, Valódia jogou pelo Mini-Copinha, filial do Mini-Copa, equipa na qual jogavam os mais velhos – o internacional Kiki e Djosa, mas também Moisés-Dedexi, Hipólito, Vital, Humaitá, Zé Mário “Cruijff” e Manã.
Valódia também é Tubarão Azul
José Guilherme Alves Avelino Pires “Valódia” chegou à Selecção Nacional em 1995 para a disputa da XIVª edição da Taça Amílcar Cabral (TAC). Conjuntamente com ele, haviam seguido para a “Operação Nouakchott” Maiúca e Tchabana (GR), Ti, Né, Zé Piguita, Nelo Tambarina, Baptista, Dariu, Loló, Kotchi, Bubista, Tchulas, Ravi, Né, Ica, Lemos, Kuku, Ima, Caló e Zema.
Os Tubarões Azuis trouxeram para casa a insígnia de 3º lugar, depois dos seguintes resultados: vitórias sobre as Águias do Mali (1-0) e sobre os Djurtus da Guiné Bissau (disputa do 3º e 4º classificados), empate diante do Marabitounes da Mauritânia (1-1) e derrota frente aos Leone Stars da Serra-Leoa (meias-finais, 2-0).
Para a história fica a tentativa falhada de Valódia jogar para o Belenenses de Portugal, após três meses em teste de captação no clube de Restelo. Hoje vive nos EUA, tendo experienciado a vida de treinador pelo ABC – equipa sénior de crioulos nos EUA
Na próxima edição, homenageio Alcides Rodrigues Tavares “Kiki”. Escreva-me para santaclaraj2m@gmail.com *Pseudónimo de José Mário Correia