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Política

Cabo Verde à procura de investimento chinês

Cerca de 50 delegações africanas, inclusive Cabo Verde, participam esta semana, em Pequim, na cimeira económica e cooperação China-África. A maior parte em busca de financiamento para infraestruturas de grande envergadura, numa altura em que se assiste a uma competição entre grandes potências por recursos e influência no continente.

O primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva discursa esta quinta-feira, no Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), que começou ontem em Pequim e termina amanhã, sob o lema “Dar as Mãos para Avançar na Modernização e Construir uma Comunidade China-África de Alto Nível com um Futuro Compartilhado”. 

De acordo com uma nova dos Negócios Estrangeiros, a Cidade da Praia atribui grande importância ao FOCAC como uma plataforma colectiva de diálogo, promoção da cooperação e construção de parcerias estratégicas. A cimeira será uma oportunidade para Cabo Verde apresentar as suas oportunidades de negócios a investidores chineses.

À margem do FOCAC, o chefe do governo cabo-verdiano tem agendado um encontro bilateral com o seu homólogo chinês e realizará visitas a várias empresas e instituições, como a Huawei e a Goldwind (Multinacional de Energias Renováveis). Também terá um encontro com a comunidade cabo-verdiana em Pequim, constituída sobretudo por estudantes espalhados por várias capitais chinesas.

China em África 

Segunda maior potência mundial, a China expandiu nos últimos vinte anos os seus laços com os países africanos, concedendo-lhes milhares de milhões de dólares em empréstimos que ajudaram a construir infraestruturas, mas que, amiúde, também geraram críticas por sobrecarregar os países com dívidas enormes. Menos exigente que o Ocidente, e nunca olhando para a natureza política dos seus parceiros, Pequim tornou-se também no principal credor e importador do continente africano.  

Ultimamente, “a China está a afastar-se do financiamento de projetos de grande envergadura no continente rico em recursos, preferindo, em vez disso, vender-lhe as tecnologias avançadas e ecológicas em que as empresas chinesas investiram fortemente”, explica Eric Olander, do Projeto China-Sul Global, à agência Reuters.

“O prémio vai para os países que estudaram cuidadosamente as mudanças na China e alinharam as suas propostas com as novas prioridades da China”, acrescenta aquele analista. 

Por seu turno, para Hannah Ryder, da Development Reimagined, uma empresa de consultoria de origem africana, o papel de destaque da China como parceiro financeiro e comercial torna as suas reuniões, como a FOCAC, muito mais importantes. “Não há nenhum outro parceiro de desenvolvimento que faça tanto”, disse à Reuters.

No ano passado, Pequim concedeu 13 empréstimos no valor de 4,2 mil milhões de dólares a oito Estados africanos e a dois bancos regionais, segundo dados do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston, com cerca de 500 milhões de dólares para projetos hidroelétricos e solares, assinala a agência noticiosa.

Pequim afirmou que o fórum China-África desta semana é o seu maior evento diplomático desde a pandemia da COVID-19, com a presença confirmada dos líderes da África do Sul, Nigéria, Quénia e outras nações com menor peso, caso de Cabo Verde, um velho e fiel aliado da China. 
Os países africanos, por seu turno, “procuram aproveitar as oportunidades de crescimento da China”, disse à AFP Ovigwe Eguegu, analista de políticas da consultora Development Reimagined. 

Segunda economia mundial, a China é hoje em dia o maior parceiro comercial de África, com o comércio bilateral a atingir 167,8 mil milhões de dólares no primeiro semestre deste ano, segundo a imprensa estatal chinesa. No ano passado, os empréstimos concedidos aos países africanos foram os mais elevados dos últimos cinco anos, de acordo com um estudo da base de dados Chinese Loans to Africa Database. Os principais beneficiários foram Angola, Etiópia, Egito, Nigéria e Quénia.
Mas analistas afirmam, contudo, que o abrandamento económico na China tornou Pequim cada vez mais relutante em desembolsar grandes somas, deixando com isso entender que o período de dinheiro fácil do gigante asiático poderá ter chegado ao fim. Pequim também tem resistido a oferecer um alívio da dívida, mesmo quando alguns países africanos têm lutado para pagar os seus empréstimos – em alguns casos, sendo forçados a cortar nas despesas com serviços públicos vitais.
Desde o último fórum China-África, há seis anos, “o mundo passou por muitas mudanças, incluindo a COVID, a tensão geopolítica e agora estes desafios económicos”, disse Tang Xiaoyang, da Universidade Tsinghua de Pequim, à AFP. O “velho modelo” de empréstimos para “grandes infraestruturas e uma industrialização muito rápida” já não é viável, disse.

Megaprojectos parados

Os críticos acusam Pequim de sobrecarregar os países com dívidas e de financiar projectos de infraestruturas que prejudicam o ambiente. Um exemplo disso é a controversa linha férrea de 5 mil milhões de dólares – construído com financiamento do Exim Bank of China – , no Quénia, que liga a capital Nairobi à cidade portuária de Mombaça. Uma segunda fase desse empreendimento, destinada a continuar a linha até ao Uganda, nunca se concretizou, uma vez que ambos os países tiveram dificuldades em pagar as dívidas à China.
No ano passado, o presidente do Quénia, William Ruto, pediu a Pequim um empréstimo de mil milhões de dólares e a reestruturação da dívida existente para concluir outros projectos da BRI que estavam parados. O país deve actualmente à China mais de 8 mil milhões de dólares.
Os recentes protestos no Quénia, com várias vitimas mortais, foram desencadeados pela necessidade de o governo “pagar o serviço da sua dívida aos credores internacionais, incluindo a China”, disse Alex Vines, chefe do Programa África na Chatham House de Londres.
À luz destes acontecimentos, Vines e outros analistas esperam que os líderes africanos presentes no fórum desta semana procurem não só mais investimento chinês, mas também empréstimos mais favoráveis.

‘Falta de influência’

Na África Central, as empresas ocidentais e chinesas estão a correr para garantir o acesso a minerais raros. O continente tem ricos depósitos de manganês, cobalto, níquel e lítio – cruciais para a tecnologia das energias renováveis. Só a região de Moanda, no Gabão, contém até um quarto das reservas mundiais conhecidas de manganês e a África do Sul é responsável por 37% da produção mundial do metal.
A extracção de cobalto é dominada pela República Democrática do Congo, que representa 70% do total mundial. Mas em termos de transformação, a China é líder, com 50%.
As crescentes tensões geopolíticas entre os Estados Unidos e a China também pesam sobre África. Washington alertou para o que considera ser a influência maligna de Pequim. Em 2022, a Casa Branca afirmou que a China procurava “promover os seus próprios interesses comerciais e geopolíticos estreitos [e] minar a transparência e a abertura”.
Pequim insiste que não quer uma nova guerra fria com Washington, mas procura uma cooperação “vantajosa para todos”, promovendo o desenvolvimento e lucrando com o aumento do comércio. “Não nos limitamos a dar ajuda, damos-lhes ajuda”, afirmou Tang, da Universidade de Tsinghua. “Somos apenas parceiros enquanto se desenvolvem. Também estamos a beneficiar com isso”.
Mas os analistas receiam que os países africanos possam ser forçados a escolher um lado. “Os países africanos não têm influência sobre a China”, disse Eguegu, da Development Reimagined. “Algumas pessoas (…) pensam que se pode usar os EUA para equilibrar a China”, disse ele. “Não é possível.”

C/AFP 

Publicado na edição nº 888 do Jornal A Nação, de 05 de setembro de 2024

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