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Neoliberalismo para Cabo Verde?

Por: Eurico Mendes*

Teimosamente insiste-se na pretensa privatização da economia cabo-verdiana como se se pudesse evitar as advindas calamidades sociais pelo cavar da brecha da desigualdade social que, paradoxalmente, se compromete debelar.

O compromisso socio-económico sempre assumido pelo MPD, entendido durante as campanhas legislativas, se predispõe de um conhecimento real das dificuldades sociais existentes no país, particularmente das que afligem às camadas societárias mais desfavorecidas, e de uma dedicação abnegada a imprimir-se na busca das respetivas soluções.

Política de privatização da economia nacional

Mas, com a sempre propalada e defendida política de privatização da economia nacional, não será dessa forma que os cabo-verdianos, aliás, os cabo-verdianos pobres (a maioria da população) irão ver-se protegidos e a sociedade toda viver sem sobressaltos por temer o “eterno Retorno”. Porque é o próprio bom senso que prediz o balançar compulsivo da sociedade cabo-verdiana se a sua governação se deixar determinar por uma política económica de cunho neoliberal (privatização da economia,  ….).

Certamente que o homem comum cabo-verdiano, carenciado de informação que não busca ou que não lhe é dado a conhecer, mais uma vez esteja pensando confiante ser a “privatização da economia” uma conceção genuinamente cabo-verdiana!

Não, o neoliberalismo económico registou-se como doutrina nos anos 20/30 do século passado, tendo-se evidenciado só depois da II Guerra Mundial e erigido em política estatal na República federal da Alemanha.

Outrossim, o surgimento e desenvolvimento do neoliberalismo são marcados por uma combinação de teoria económica, influências políticas e respostas a crises económicas e sociais, sobretudo da crise de 1929, nos E.U.A (cuja causa era atribuída principalmente à política económica do liberalismo). 

Impacto do neoliberalismo na paisagem política e económica global

Desde suas origens na Escola de Chicago e nos escritos de Friedrich Hayek e Ludwing Von Mises, membros da Escola Austríaca, e Milton Friedman, até a sua implementação prática, na sua variante monetarista, por líderes como Ronald Reagan (Presidente dos E.U.A entre 1981 e 1985) e Margaret Thatcher (1ª Ministra do Reino Unido entre 1979 e 1990), o neoliberalismo moldou profundamente a paisagem política e económica global.

Os princípios fundamentai do neoliberalismo são: o livre mercado e desregulamentação, a privatização de serviços públicos, a redução do estado de bem-estar social, a austeridade fiscal, e a importância da competitividade e do empreendedorismo.

Durante as décadas de 1990 e 2000, a globalização trouxe uma rápida disseminação das ideias neoliberais. Países da América Latina (v.g: Chile, Argentina…), da Ásia e da África (v.g: Cabo Verde) passaram por processos de privatização, liberalização comercial e reforma das políticas de bem-estar social, muitas vezes sob a orientação de instituições financeiras internacionais que, a par do Consenso de Washington (1989), impunham essas medidas como condições para o recebimento de empréstimos e ajuda financeira internacional.

No início do século XXI, as ideias neoliberais continuaram a influenciar as políticas econômicas em muitos países, mas também começaram a enfrentar crescente resistência. A crise financeira global de 2008, que teve suas raízes em práticas de mercado desregulamentadas, expôs as falhas do modelo neoliberal e levou a um novo debate sobre a necessidade de uma regulação mais eficaz dos mercados financeiros e uma maior intervenção estatal na economia.

Movimentos sociais, académicos e políticos desafiam o neoliberalismo

Nos últimos anos, o neoliberalismo tem sido desafiado por movimentos sociais, académicos e políticos que buscam alternativas mais equitativas, sustentáveis e inclusivas. A desigualdade crescente, a crise climática e a insatisfação com o status quo econômico têm alimentado um crescente interesse por novas ideias e políticas que busquem um equilíbrio mais justo entre mercado e estado, ou melhor, um equilíbrio mais juto entre a eficiência económica e a justiça social. 

Portanto, compreender essas implicações nos permite reconhecer os desafios que enfrentamos, desde o aumento das taxas de pobreza até a precarização do trabalho e a degradação dos serviços essenciais.

A crença central era que a redução da carga tributária para a criação de um ambiente mais favorável para os negócios e a regulamentação estimulariam o crescimento económico e a inovação. Reagan acreditava firmemente no princípio de que “o governo não é a solução para o nosso problema; o governo é o problema”, promovendo assim uma diminuição do papel do estado na economia.

Desregulamentação dos mercados

Thatcher privatizou várias indústrias estatais, como telecomunicações, água e eletricidade, além de enfraquecer os sindicatos e reduzir o estado de bem-estar social. Sua famosa frase “não há alternativa” (TINA) refletia sua convicção de que as políticas neoliberais eram o único caminho viável para revitalizar a economia britânica.

O neoliberalismo, ao promover a desregulamentação dos mercados e a redução da intervenção estatal, frequentemente resulta em um aumento da desigualdade social e da pobreza. Embora essas políticas possam gerar crescimento económico, os benefícios desse crescimento raramente são distribuídos de forma equitativa e justa. 

Em vez disso, a riqueza tende a se concentrar nas mãos de uma minoria privilegiada, os 1% mais ricos, enquanto a renda dos trabalhadores de classe média e baixa tende a se estagnar ou até a se diminuir, ampliando a distância entre ricos e pobres, sobretudo em termos patrimoniais (ativos financeiros: ações e títulos).

Thomas Piketty, em “O Capital no Século XXI” (2013), demonstra como a desigualdade de renda e riqueza tem aumentado nas últimas décadas. O economista francês argumenta que, sem uma intervenção significativa do estado, as economias de mercado livre tendem a perpetuar e ampliar as disparidades econômicas. A desigualdade não é apenas uma questão de justiça social, mas também tem implicações económicas e políticas, como a redução da mobilidade social e a perpetuação de elites económicas e financeiras.

Quadro:1.

A desigualdade total dos rendimentos (trabalho e capital) no tempo e no espaço.

Parte dos diferentes Grupos no total dos rendimentos Desigualdade fraca(países escandinavos, anos 1970-1980) Desigualdade média(~Europa, 2010) Desigualdade forte(~E.U.A, 2010; Europa, 1910) Desigualdade muito forte (~E.U.A, 2030?)
10% mais ricos

“classes superiores”

25% 35% 50% 60%
1% dos mais ricos (classes dominantes) 7% 10% 20% 25%
9% seguintes (“classes desafogados”) 18% 25% 30% 35%
40% do meio

“classes médias”

45% 40% 30% 25%
50% mais pobres

“classes populares”

30% 25% 20% 15%
Coeficiente de Gini Correspondente (indicador sintético de desigualdade) 0,26 0,36 0,49 0,58

Nas sociedades em que a desigualdade total dos rendimentos do trabalho é relativamente fraca (como é o caso dos países escandinavos nos anos 1970-1980), os 10% mais ricos detêm cerca de 20% do rendimento total, e os 50% mais pobres cerca de 30%. O coeficiente de Gini correspondente é de 0,26. Ver http://pketty.pse.ens.fr/capital21c.

Desde os anos de 1970-1980, assistimos a uma explosão sem precedentes das desigualdades de rendimentos nos Estados Unidos da América. A parte do decil superior passou progressivamente de cerca de 30%-35% do rendimento nacional nos anos de 1970 para cerca de 45%-50% nos anos de 2000-2010, uma subida perto de 15 pontos percentuais de rendimento nacional norte-americano.

Ora, o neoliberalismo promove uma visão de mundo centrada no individualismo, onde o sucesso é medido pela capacidade de competir e prosperar no mercado. Esta ênfase no individualismo, entretanto, tem consequências negativas para a coesão social e o senso de comunidade.

Wendy Brown, em “Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution” (2015), argumenta que o neoliberalismo transforma todos os aspetos da vida em competição de mercado, enfraquecendo os laços sociais e a solidariedade comunitária. A promoção constante da competição individual sobre a cooperação social contribui para a fragmentação da sociedade e o enfraquecimento das redes de apoio mútuo.

Sob o neoliberalismo, muitos trabalhadores enfrentam condições de trabalho mais instáveis e inseguras. Contratos temporários, empregos de meio período e trabalho autônomo tornaram-se mais comuns, muitas vezes sem os benefícios e proteções associados ao emprego tradicional.

Guy Standing, em “The Precariat: The New Dangerous Class” (2011), descreve esse grupo crescente de trabalhadores como “precariado”, caraterizado pela insegurança no emprego, baixo salários e falta de benefícios socias.

Engano da teoria económica neoliberal

Em suma, o engano na teoria económica neoliberal é a impercetibilidade do engenho apologético que utiliza para explicar a relação monopólio/concorrência.

Considera que o monopólio e a concorrência se excluem, quer dizer, se existe monopólio não pode existir concorrência e vice-versa, esquecendo-se, no entanto, de fazer lembrança que o monopólio é resultante da livre concorrência, mas desenvolve concorrência em formas superiores (Rever a matéria dada)!

Mas, o que de fato está por detrás desse emaranhado jogo de palavras, é a defesa dos interesses dos capitalistas monopolistas através do mecanismo de encobrir a essência dos monopólios e o caráter monopolista da nossa época. E, de acordo com isso, o Estado limitar-se-ia a salvaguardar a propriedade privada, a garantir os mecanismos da livre concorrência e a criar igualdade de possibilidades para todos os cidadãos através da concorrência.

Assim, que feita a lembrança, deixam-se, para reflexão, as seguintes interrogantes:

Poderia esse modelo económico servir Cabo Verde? Teriam todos os cabo-verdianos que se tornar agentes económicos (entendido aqui como homem de negócios) para poderem sobreviver? E seria até producente?

Quem deveras necessitaria, em Cabo Verde, de liberdade económica (liberdade de concorrência) se não os “endinheirados”, os “business- lawyers” e seus nivelados? E estariam dispostos a empenhar a maior diligência na redução da brecha da diferenciação social que não no aumento do seu benefício pessoal?

Ou a instauração teimosa do neoliberalismo económico em Cabo Verde deve à assunção de um compromisso escolástico?

Referências

Mendes, Diniz, Neoliberalismo para Cabo Verde? – artigo de opinião, jornal Voz di Povo, 1991;

Neoliberalismo Desmascarado, autor: Filosofia Cultura Política;

Piketty, Thomas (2013), O Capital no Século XXI, págs. 371 e 434.

*Economista

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