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Cidade da Praia: Que futuro? (3)

Por: Cipriano Fernandes

Nos dois primeiros textos desta série erradamente coloquei que a divisão do antigo Município da Praia aconteceu num intervalo de 10 anos, entre 1996 e 2006. A verdade dos factos exige uma correcção, que vai, evidentemente, acompanhada da minha mais sincera penitência, sobretudo perante o PAICV e José Maria Neves. 

Com efeito, as decisões de secretaria que determinaram as duas divisões do Concelho da Praia e a criação das duas ZDTIs aconteceram num período de 11 anos e 5 meses, entre o dia 13 de Dezembro de 1993, data da publicação, no Boletim Oficial, da Lei n.º 97/IV/93 que criou o Concelho de S. Domingos e o dia 9 de Maio de 2005, data da publicação, no Boletim Oficial, da Lei n.º 63/VI/2005 que criou o Concelho da Ribeira Grande. 

Relativamente às ZDTIs, o meu erro foi mais grave. Efectivamente, NÃO foi José Maria Neves e o seu Governo quem criou a ZDTI do Norte da Praia. Esta foi criada pelo Governo de Carlos Veiga em 1994, através do Decreto Regulamentar 7/94, de 23 de Maio. 

Ora, esta correcção (que faço aqui humildemente, repetindo o meu sincero pedido de desculpas ao PAICV e aos seus militantes), apenas confirma o facto de que a inviabilização ou sabotagem da Praia como capital, hoje evidente, foi essencialmente obra do MpD. 

Porque se não esquecermos que a ZDTI do Sudoeste da Praia (Santiago Golf Resort) viria a ser confirmada nos seus limites por Carlos Veiga e seu Governo em 1998, através do Decreto Regulamentar n.º 9/98 de 31 de Dezembro, vemos que tal sabotagem teve o segundo impulso forte em 1994, com a criação da ZDTI do Norte. Essas duas ZDTIs do MpD equivaleram a colocar duas barreiras intransponíveis no caminho da capital, e um prejuízo incalculável, pois significaram negar à cidade o controlo de toda a sua orla costeira, os terrenos com vista para o mar, logo, mais valiosos. 

O PAICV falhou, no entanto, por ter conscientemente continuado essa sabotagem na janela única que teve, entre 2001 e 2008, quando se viu no controlo tanto do Município como do Governo central. Era nesse período que devia ter tido coragem para resgatar as coisas boas feitas por Pedro Pires na década de 1980, para desactivar as armadilhas à capital montadas pelo MpD na década de 1990 e, evidentemente, para parar com a subtração de território à cidade. (Neste último aspecto, no entanto, justiça deve ser feita a Felisberto Vieira, pois ele publicamente se opôs à segunda divisão do Concelho da Praia, que foi um acto forçado por José Maria Neves e o seu Governo, à revelia da CMP).

Apresentei, no texto anterior os três factos que são a coluna vertebral da sabotagem à Praia feita pelo MpD na década de 1990, a saber: 

Anulação dos decretos de posse administrativa dos terrenos dentro e nas imediações da cidade, feitos pelo Governo de Pedro Pires, acompanhada da inviabilização de todos os planos e projectos estruturantes para o futuro da capital, também deixados por Pedro Pires, quase todos eles financiados pela CEE (mais tarde União Europeia); 

Validação de pretensões de posse fundiária anteriores à independência ao mesmo tempo que a proteção aos livros dos registos dessas posses era retirada; 

Afastamento da CMP do controlo da produção de solo urbano e a sua transformação em mera viabilizadora de planos urbanísticos de iniciativa privada, sobretudo os da Imobiliária X (a tal que o Ministério Público está hoje a indiciar como sendo autora de crimes muito graves no âmbito do processo “Praia Leaks”). 

Tudo o que de mau aconteceu à cidade até este ano da graça de 2024 tem raízes nesses três factos. 

Exemplos elucidativos são o Monte Babosa e o Monte Vermelho. Para além da questão da sua transação (questionada pelo MP e ainda à espera de sentença transitada em julgado no processo “Praia Leaks”), o facto é que a Lei dos Solos é clara ao determinar que os montes pertencem ao domínio público. No entanto, foi justamente a 2ª República, a tal que se autoproclama como defensora do Estado de Direito, que inaugurou a prática de fazer letra morta dessa importantíssima figura, viabilizando a passagem, para mãos privadas, desses dois montes e consequente inviabilização do seu potencial estratégico para o bom futuro da cidade. 

O Monte Babosa, o planalto mais elevado da Praia, com uma área de 10 hectares, devia ter sido preservado em nome do interesse público, pois seria essencial para resolver um problema cada vez mais grave da nossa capital: Falta de água na torneira 24 horas por dia e inteiros bairros sem água potável na rede por dias a fio. Enquanto não se construírem reservatórios em pontos elevados para garantir água permanente nas torneiras por gravidade, a cidade da Praia continuará na penúria em que tem vivido até hoje. Ao viabilizar o Monte Babosa como projecto imobiliário, a 2ª República desbaratou um activo de valor inestimável para a capital e para os cidadãos praienses. 

Por outro lado, a sua elevação e localização seriam hoje extremamente preciosas para facilitar a transmissão, com segurança, de certos sinais do espectro electromagnético, desde a rádio à televisão, ou ainda para cumprir com segurança os cada vez mais exigentes parâmetros de transmissão digital de dados, cujas frequências vão aumentando (4G, 5G, 6G…) com o potencial perigo das radiações que certamente apresentam. 

O Monte Vermelho vai sendo comido aos poucos para dar lugar a lotes para serem incluídos numa urbanização (Cidadela) que, desde o seu início, vem tendo o seu plano urbanístico periodicamente revisto para se aumentar mais e mais a respectiva carga demográfica, numa cadeia de decisões explosiva. 

A Cidadela é um caso de estudo de como NÃO se deve criar um tecido urbano. Muito há a dizer sobre ela. Mas por hoje cingir-me-ei à questão do domínio público e da maneira como o descaso e a recusa da 2ª República em acautelar a boa gestão da sua orla marítima nos colocaram nas mãos um problema intratável e que nos vai trazer sérias dores de cabeça no futuro próximo.

O desenvolvimento urbanístico que se permitiu acontecer nessa parte da cidade é cada vez mais incompatível com os acessos de que dispõe. Já é muito clara a pressão que o fluxo automóvel está a causar sobre o Palmarejo e, invariavelmente, num futuro não muito distante, pela carga demográfica que se foi permitindo aí, os decisores se verão confrontados com a necessidade de se construir uma via colectora do tráfego automóvel que não seja através do Palmarejo, numa espécie de avenida marginal, sob pena de a vida dos moradores deste último se tornar insustentável. 

A questão que se põe é como será possível fazer isso se se permitiu uma ocupação completamente ilegal e ainda por cima desordenada, onde impera a lei do mais forte (rico) através de construções dentro da faixa dos 80 metros do domínio público, cujos donos, inclusivamente, chegaram ao ponto de impedir por completo o acesso ao mar em alguns pontos.

Praia, 16 de Agosto de 2024

(continua…) 

*Arquitecto, Director do Planeamento do Território e Habitação da Câmara Municipal da Praia

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