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Gana e Cabo Verde: o salário da Primeira-dama

Por: Jorge Eurico

Rebecca Akufo-Addo é a Primeira-Dama do Gana. Ela desempenha um papel público significativo na sociedade ganense. Está envolvida em diversas actividades sociais e filantrópicas do seu país. Recentemente o seu nome esteve no epicentro de uma controvérsia que capitalizou a atenção e animou o debate político no seu país: a sua remuneração!

 A forma e o contorno às leis ordinárias e à Constituição para a “efectivação” da remuneração provocou grande celeuma naquele País da África Ocidental, tido como um modelo de democracia no continente. Questionou-se não só a sua legalidade, mas sobretudo o lado ético da avença da consorte de Nana Akufo-Addo, o Presidente da República. O debate culminou com uma decisão da Suprema Corte que declarou o salário da Primeira Dama como sendo um acto inconstitucional, ainda que aprovado pelo Parlamento do país. 

Aliás, esta controvérsia surgiu quando o Parlamento aprovou uma recomendação do Comité Ntiamoah-Baidu para formalizar os salários para as esposas do Presidente e do Vice-Presidente da República. A decisão gerou oposição pública, com críticos alegando que os dois salários pressionariam as finanças públicas desnecessariamente. Diversas acções judiciais foram movidas, alegando que a Primeira e a Segunda Damas não se enquadravam nas definições de ocupantes de cargos públicos conforme a Constituição de 1992. Em resposta, a Suprema Corte decidiu que o pagamento de salários a essas figuras não era constitucional, visto que elas não são detentoras de cargos públicos, conforme descrito no artigo 71 da Constituição do Gana.

 O mesmo episódio, parece-me, está a acontecer em Cabo Verde. Débora Carvalho é a consorte do quinto presidente do arquipélago: José Maria Neves. É a Primeira-Dama. Ela também recebeu pagamentos considerados ilegais, num total de cinquenta mil euros. Presumo que este valor, retirado dos cofres públicos, é algo que o cabo-verdiano comum não aceita de ânimo leve. Como se diria em Angola, meu país, a farra sabe bem quando o dinheiro é do povo.

No entanto, no juízo de José Maria Neves, esta era uma forma de compensar a sua consorte por se dedicar única e exclusivamente às suas responsabilidades como Primeira-Dama. E era também uma forma de lhe conferir dignidade de Estado. O Presidente da República de Cabo Verde esqueceu-se, entretanto, que o seu poder não é irrestrito. 

O check-and-balance no arquipélago ainda funciona. Silvou o apito sobre o abuso de poder. Soou a gaita pelo uso indevido do erário público por José Maria Neves. Foi aberta uma linha de investigação pela Inspeção Administrativa das Finanças à Presidência da República. No final produziu um relatório. O documento concluiu que o ordenado usufruído pela Primeira-Dama durante 24 meses era ilegal e foi recomendada a devolução do referido montante aos cofres do Estado cabo-verdiano.   

 O caso deixou José Maria Neves numa saia justa, num trapézio sem rede. Em comunicado deu a mão à palmatória e admitiu que o seu abuso constitui uma “nódoa” num relacionamento institucional com o Governo que deve ser “sem rugas”. O que se quer é que a “magistratura” do quinto Presidente de Cabo Verde não se transforme numa nódoa no prestígio político até aqui granjeado pelo arquipélago no contexto das Nações. O que se espera é que a presidência de José Maria Neves não crie “rugas” de descontentamento aos cabo-verdianos devido a uma gestão abusiva e a todos os títulos censurável.

Por alguma razão o Gana e Cabo Verde são dois exemplos de democracia em África. Há cidadãos atentos e há políticos que, mesmo amargamente, acabam por aprender que já não vivem em países e sociedades onde os governantes podem tudo. No Gana e em Cabo Verde Primeira Dama não é cargo político. 

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