Por: Domingos Barbosa da Silva
A questão dos transportes em Cabo Verde, particularmente entre as ilhas, continua a ser uma fonte incessante de frustração, altercações e desespero para a população residente e para os emigrantes. Este problema, que se arrasta há décadas, é um reflexo da surdez do governo e principalmente da cegueira do ministro dos Transportes e Comunicações, que parecem incapazes de perceber a gravidade da situação ou de agir para solucioná-la. Enquanto isso, o país continua atolado num ciclo de ineficiência que ameaça seu desenvolvimento.
Os problemas estruturais e organizacionais nos transportes são tão antigos quanto conhecidos. A informação, vital para qualquer sistema de transporte que se pretenda funcional, continua a ser cronicamente precária. As reclamações da população ecoam nos meios de comunicação, mas são recebidas com indiferença pelos responsáveis a alto nível, que parecem ignorar os apelos urgentes por mudanças. A miopia governamental, ao não enxergar a necessidade de um sistema de transportes eficaz, tem asfixiado o crescimento económico e a coesão social do país.
A recente tentativa de ressuscitar a TACV (Transportes Aéreos de Cabo Verde) não trouxe a renovação esperada. Pelo contrário, a companhia aérea parece estar trilhando o mesmo caminho de sempre, sem qualquer sinal de inovação ou responsabilidade renovada perante seus utentes. A velha política de gestão, que insiste em bater na mesma tecla, não oferece respostas aos desafios actuais. É necessário, mais do que nunca, reavaliar a viabilidade das rotas internacionais e redirecionar os recursos para as rotas inter-ilhas, que são essenciais para a integração do arquipélago.
Cabo Verde, devido à sua geografia, enfrenta um desafio logístico único. Os transportes, tanto marítimos como aéreos, nunca serão completamente rentáveis. Contudo, essa realidade não deve ser usada como desculpa para a inércia. O governo cabo-verdiano deve assumir a responsabilidade de subsidiar o sistema de transportes, entendendo que ele é fundamental para o desenvolvimento do país. É inaceitável que o peso dessa ineficiência recaia sobre o povo, que já sofre com os problemas causados pela dispersão das ilhas.
No livro “A Anatomia da Lonjura” (da minha autoria), sugere-se que a TACV seja rebatizada, marcando um novo começo para a companhia. Este gesto, embora simbólico, poderia sinalizar uma mudança de direcção, abandonando as práticas arcaicas em favor de uma abordagem mais moderna e centrada no cliente. A formação dos empregados em países que valorizam o serviço ao cliente é outra sugestão pertinente, uma vez que a actual gestão parece ignorar o facto de que são os passageiros, e não os empregados, que deveriam decidir as rotas de suas viagens inter-ilhas.
Enquanto essas mudanças não forem implementadas, a TACV continuará a martirizar os seus utentes, desencorajando o fluxo de emigrantes e contribuindo para o subdesenvolvimento do país. A falta de transportes eficientes é um entrave que estrangula todas as outras iniciativas de progresso, e sua persistência é uma acusação direta à liderança do país. Como pode Cabo Verde, com toda a sua potencialidade, ainda não ter resolvido este “grande entrave”? A resposta parece residir na incapacidade ou falta de vontade política de enfrentar o problema de frente.
A verdade é que, sem um sistema de transportes bem organizado, tanto marítimo como aéreo, é impossível falar em desenvolvimento real. A falta de conectividade entre as ilhas, não apenas limita as oportunidades económicas, mas também isola comunidades, exacerbando desigualdades e travando o crescimento sustentável do arquipélago. Tudo isso poderia ser evitado com uma melhor organização logística e um compromisso verdadeiro com a melhoria dos transportes em Cabo Verde.
O tempo para a complacência já passou. É hora de o governo e o ministro dos Transportes abrirem os olhos para a realidade e tomarem medidas concretas e adequadas. O desenvolvimento de Cabo Verde depende de um sistema de transportes eficaz e confiável. Sem isso, todos os esforços para melhorar o país social e economicamente estarão condenados ao fracasso. Como filhos desta terra, todos temos o dever de exigir que os responsáveis ajam, finalmente, com a visão e a determinação necessárias para resolver este problema que há tanto tempo assombra Cabo Verde.
Noruega, 20.8.2024