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Economia

“Djunta mon” geral para estancar sangria de trabalhadores qualificados

Cabo Verde vive tempos difíceis em termos sociais, especialmente devido à evasão de mão de obra qualificada, e não só, para o exterior, face aos baixos salários e fracas condições de vida. Turismo, construção civil e até agricultura, entre outros, já sentem falta de gente para trabalhar. A aflição dos empresários começa a ser tão visível que se assiste a um “djunta mon” geral para fixar trabalhadores no país. Os jovens estão entre os principais visados.

A emigração de cabo-verdianos, em busca de uma vida melhor, no estrangeiro, não é um tema de hoje, mas é, cada vez mais, uma preocupação candente da actualidade económica e social das ilhas. Não há como negar; está à vista de todos. Até o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, reconheceu a situação durante o jubileu da juventude católica, que esta semana teve lugar, na cidade da Praia, pedindo aos jovens para não desistirem do país. (ver página A17).

Se nos últimos anos, saltou à vista a fuga de mão de obra para dar resposta aos sectores dos transportes e turismo em Portugal, o fenómeno continua e a constatação é que se agrava, a cada dia. Em causa estão ainda sectores chave como a construção civil, onde há falta de pedreiros qualificados, canalizadores, electricistas, até pintores, além da recorrente falta de mão de obra para a agricultura.

Numa visita recente a Santa Catarina e Tarrafal de Santiago, em contatos com vários operadores locais, há uma tónica comum: a  emigração jovem. O que mais se ouve é: “Há falta de mão de obra”.

No Tarrafal, onde o Turismo tem ascendido consideravelmente, nos últimos tempos, com a abertura de novas unidades, os operadores queixam-se da falta de mão de obra qualificada e não só. “Falta gente para trabalhar”.

Isto, como pôde constatar a nossa reportagem, tem-se reflectido na qualidade do serviço prestado, o que acaba por impactar, também, negativamente, na qualidade do destino turístico. Mais de uma hora à espera de uma refeição e pedidos trocados são notórios e deixam turistas e emigrantes em férias irritados. Naturalmente, haverá excepções.

Aliás, dados do inquérito de conjuntura aos operadores económicos, relativamente ao sector do Turismo, no 2º trimestre, evidenciam essa falta de mão de obra, que, como antes ressalvado, não é de hoje e afecta também os hotéis de Sal e Boa Vista, como tem sido várias vezes referido quer pela Câmara do Turismo, quer pela Associação Cabo Verde Empresas no Sal, entre outros.

“Encontrar pessoal com formação e absentismo do pessoal ao serviço foram os principais obstáculos ao desenvolvimento normal da atividade das empresas”, diz o relatório do INE, referindo-se ao período em análise.

Procurar mão de obra fora

A falta de mão de obra para o desenvolvimento da economia do país é de tal ordem que se fazem ouvir apelos vindos também da da Associação dos Jovens Empresários Cabo-verdianos (AJEC).

Numa entrevista recente à Lusa, Lenine Mendes, presidente da referida associação, afirmou que o êxodo de trabalhadores para fora do país afecta “todas as áreas”, sendo que esse “défice” se destaca mais na construção civil e no turismo. Como solução, admitiu a possibilidade do país te de “importar mão-de-obra”, o que aliás já está a acontecer. De acordo com um agente do ramo, a construção civil na Praia já não sobrevive sem mão de obra de guineenses.

A AJEC, ressalvou, não é contra a saída dos jovens, mas que isso está refletir-se na actividade das empresas. “Ultimamente, essa fuga é massiva e, então, contribui, a curto, médio e longo prazo, de forma negativa, para o desenvolvimento da economia de Cabo Verde”, advertiu.

Lenine atestou aquilo que foi também constatado pelo A NAÇÃO, in loco, é que há várias localidades do interior da ilha de Santiago onde há cada vez menos jovens para trabalhar na agricultura. “ Isso está a complicar muito mesmo a sustentabilidade das empresas aqui em Cabo Verde”, justificou.

O absentismo jovem, no sistema de ensino, é outro problema, como destacou: “Temos jovens que desde que estão em Cabo Verde, os pais emigraram e eles abandonaram a escola. Não terminam nem sequer o 10.º ou o 12.º ano porque há o sonho de viverem no estrangeiro. Então, não trabalham e os pais criam um parasita aqui porque todos os meses mandam bidons, caixotes, comida, tudo e qualquer coisa”.

Nesse contexto, além da aposta na qualificação, defendeu ainda que as empresas devem oferecer melhores condições de trabalho e que o Governo deve também contribuir para a melhoria de sectores chave de condições de vida como saúde e transporte.

“Nós não podemos impedir os jovens de emigrar, é necessário criar condições para que os que aqui ficam tenham um salário digno, condições de trabalho para desempenharem de forma cabal o seu trabalho”.

Sindicatos e patronato preocupados, pedem medidas

As preocupações e medidas propostas pelo líder da AJEC são partilhadas, igualmente, por sindicatos e patronato. Pelo menos é o que se pode depreender das conclusões saídas de um encontro de preparação para o próximo conselho de concertação social e que juntou à mesma mesa a UNTC-CS e a Câmara Comércio de Sotavento.

A revisão do código laboral para ajustar interesses dos empregados e empregadores, o aumento do salário mínimo para 17 mil escudos e a criação de políticas públicas para evitar a fuga de mão de obra para o estrangeiro, são as principais medidas defendidas. Ainda que com contrapartidas à diminuição da contribuição do patronato no INPS.

“Interessa-nos que o país acelere sempre o seu desenvolvimento, porque o desenvolvimento também é propicio à fixação dos trabalhadores em Cabo Verde. Não é só em relação ao salário, mas em questões de condições de vida que se podem encontrar no país onde nós vivemos”, disse Marcos Rodrigues, presidente da Câmara do Comércio de Sotavento, em declarações à imprensa.

“A questão dos transportes, da saúde, da escola, tudo isto são questões profundas que interessam abordar para vermos que o salário e qualidade de vida devem andar no mesmo percurso. Não chega só pagar bons salários se não tivermos, por exemplo, questões de segurança, saúde e de transportes resolvidas. Não fixará os recursos humanos em Cabo Verde”, argumentou.

Acordo colectivo para o Turismo, urge

Da mesma forma, Joaquina Almeida, líder da UNTC-CS, destacou a necessidade de um acordo colectivo para o sector do Turismo, com enfoque para as ilhas o Sal e Boa Vista, onde a fuga de mão de obra é evidente. “Vamos encetar encontros com o patronato dos vários hotéis de Sal e Boa Vista para que o sindicato possa iniciar o acordo colectivo de trabalho”, garantiu.

A mesma sindicalista exorta ainda o Governo a implementar políticas públicas para evitar a fuga de mão de obra para o exterior.

Greves, rosto da insatisfação

No actual contexto de procura constante de melhores condições de trabalho e salários, que impactam, naturalmente, na melhoria da qualidade de vida e bem-estar das pessoas, tem sido notória a aposta em greves ou ameaças de greve por parte de trabalhadores de vários sectores, como forma de pressionar para conseguir resultados.

Da educação, aos transportes, passando pela Saúde, e não só, o país tem assistido a greves que instam a soluções partilhadas e que depois se refletem na produtividade do país. Aliás, nesse sentido, o presidente da República tem apelado várias vezes a consensos, diálogo e união, como aconteceu mais recentemente com a questão dos professores, em prol da “paz social” (ver página xxxx).

Números do êxodo

De notar que, de acordo com dados dos serviços consulares da embaixada de Portugal, na cidade da Praia, citados pela LUSA, entre Janeiro e final de Novembro do ano passado, foram registados 12.549 vistos de longa duração por parte de cabo-verdianos (mais de 90 dias) para Portugal, de todos os tipos, tendo sido atribuídos 11.702. O número daqueles que procuraram Portugal e outros destinos não terá, naturalmente, cessado. Quer a Embaixada dos EUA, quer o Centro Comum de Vistos, ambos na Praia, continuam a mostrar-se diariamente concorridos.

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