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À sombra da precariedade: O desencanto da juventude cabo-verdiana

Por: Fidel Cardoso de Pina

A juventude é sem sombra de dúvidas a força motriz, a promessa de um amanhã brilhante e a continuidade de um sonho de justiça e estabilidade que qualquer nação aspira.

Contudo, em Cabo Verde, para muitos jovens, encontrar um emprego estável parece mais difícil do que encontrar um ovo de pinguim. 

Milhares de jovens no desemprego

A precariedade laboral é desoladora e retira esperança a muitos jovens, ficando a emigração a parecer como a única oportunidade restante. E desta forma ficamos cada vez a perder massa intelectual e laboral qualificada. 

Em cada crise económica, a camada juvenil continua a ser o sacrifício tácito no altar de indiferença da estrutura política e económica – e dessa, a camada feminina sofre ainda mais. 

No mundo inteiro a taxa do desemprego entre os jovens tem andado a galope, e estudos comprovam que os jovens vão viver com um nível de vida abaixo do dos seus pais. 

Na França, desde os anos 1990 que usam o termo “geração canguru” para jovens que não conseguem sair da casa dos pais, por causa da precariedade, cenário que tem vindo a piorar. 

Em Cabo Verde este fenómeno é bem alarmante. Contam-se em milhares os jovens subjugados pelo desemprego, da perda de seu poder de compra e, portanto, dos seus rendimentos. O fardo é especialmente adicional para aqueles que trabalham no setor informal, onde a falta de proteção social é uma amarga realidade. 

Os dados do INE são inquietantes, cerca de 53% dos empregos em Cabo Verde, são considerados informais e a maioria ocupado por jovens, deixando estes vulneráveis às crises económicas, sem qualquer rede de segurança. 

Isto é evidente nos casos de trabalhadores sendo privados de seus direitos básicos – como as contribuições para a segurança social não repassadas e salários atrasados -, o que temos visto nas tantas manifestações de trabalhadores à porta dos hotéis nas Ilhas do Sal e da Boa Vista. 

A predominância de contratos sazonais apenas intensifica a precariedade, especialmente essa dependência do turismo que leva a flutuações drásticas no mercado de trabalho. 

Precaridade laboral dos jovens

A precariedade laboral tornou-se uma piada de mau gosto. Os jovens parecem mágicos matemáticos, a fazer truques para multiplicar incógnitas e conseguir balancear as contas, de maneira que um contrato, por mais instável que seja, é comemorado com efusão, mesmo que o salário mal chegue para pagar o transporte.

A precariedade laboral não é uma mera questão económica, porque desenvolve-se no plano social e político. Impacta consequentemente o futuro e os planos de vida dos jovens e o futuro do nosso país. Ao limitar oportunidades, coloca-se em risco não apenas a estabilidade financeira dos jovens, como a emocional, abrindo caminho para outros problemas como a toxicodependência e a criminalidade. É premente que o governo e todos os atores sociais reconheçam a urgência deste problema, que se engajem e ajam para encontrar soluções eficazes. Não assobiemos para o lado e continuemos a fingir que não é conosco, que não vimos e que a culpa é de outrem.

Necessidade de adequação do estágio professioal

Os estágios profissionais são tendencialmente apresentados como solução, mas com as baixas retribuições auferidas e com a falta de garantias de segurança social e usados como medidas de exploração dos jovens, criam mais mal do que bem. É como se o empregador dissesse: “Fantástico! Tu és tão bom que até deves trabalhar de graça!” Aquilo que deveria ser uma fase de esperança e oportunidade torna-se numa jornada rumo ao abismo do desespero.

O estágio profissional é uma das medidas a tomar e devem acontecer, contudo dever ser acompanhados com outras medidas que facilitem a transição e a integração no mercado do trabalho como empregos efetivos, principalmente porque os estágios existem para proporcionar oportunidades de desenvolvimento profissional e não para prover trabalhadores de graça aos empregadores. Não é possível falar de internacionalização das empresas quando não há massa qualificada, a massa qualificada começa a criar-se nas escolas e moldada nos estágios. 

Todos nós,  jovens, já lidámos ou conhecemos de perto quem tenha lidado com algum tipo de exploração e todos sabemos o que queriam fazer ou dizer, se tivessem poder, para mudar essa situação. Portanto, defendo que os jovens cabo-verdianos devem ser incluídos nos processos das tomadas de decisões que impactam as suas vidas. Dignemos de lhes dar o respeito que merecem. Devemos reconhecer o seu potencial e criar oportunidades e espaços para que o cultivem ativamente em prol de um futuro próspero para o nosso país.

Justiça social e igualdade de oportunidades

Num discurso de Amílcar Cabral, em 1970, ele disse que queria que as crianças, rapazes e raparigas, crescessem serenas e capazes, bem apoiadas pela educação, para se tornarem senhoras dos seus próprios destinos. Isto, numa altura de conflito, há 54 anos, como é que esse desejo, ao invés de se ter materializado parece que se fragmenta cada vez mais?

É mais do que altura para sabermos que os jovens são os agentes de mudança mais poderosos, mas também os mais vulneráveis da nossa sociedade. Diante deste cenário, é hora de adotarmos uma abordagem que priorize a justiça social e a igualdade de oportunidades para todos, traduzida numa política económica de integração e segurança social. 

A implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) deve servir como base para abordar as questões que afetam a juventude, garantindo que todas as políticas e iniciativas estejam alinhadas com a busca por soluções sustentáveis e inclusivas. A solidariedade entre as gerações é crucial, mas não pode ser à custa dos interesses e do bem-estar económico social e mental dos jovens, porque sem eles não temos país, não temos futuro.

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