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Cultura

Baía das Gatas: Entre sabura e controvêrsia

A uma semana do Festival da Baía das Gatas, que este ano celebra os seus 40 anos de existência, a ilha de São Vicente está em plena efervescência. O evento, que se realizará de 15 a 18 de Agosto, promete uma movimentação social, económica e cultural sem precedentes. No entanto, os seus custos são motivos de controvérsia entre os mindelenses.  

Com a divulgação do cartaz dos artistas, liderado pela cantora brasileira Ivete Sangalo, para o Festival da Baía das Gatas deste ano, as críticas não tardaram a surgir. Entre os mindelenses há quem questione o elevado cachê da famosa cantora, argumentando que os recursos gastos poderiam ser melhor alocados em talentos locais ou em melhorias infraestruturais para a ilha de São Vicente. 

Adriano Santos

Absurdo 

Ivete Sangalo, um dos nomes mais sonantes da música brasileira, ao que consta, terá cobrado cerca de 14 mil contos para actuar no Baía das Gatas. 

 “É um absurdo gastar tanto dinheiro com uma artista internacional quando temos tantos músicos talentosos aqui, em Cabo Verde, que merecem essa oportunidade”, comenta Adriano Santos, músico (trompetista e saxofonista) e antigo emigrante, recentemente retornado ao país-natal.

Além de Sangalo, o cartaz do Baía das Gatas deste ano inclui, entre a prata da casa, as cantoras Berthânia, Jenifer Solidade, Diva Barros, Ceuzany, num projecto intitulado as Divas do Mindelo. A oferta nacional é integrada ainda por Elji Beatzkilla, Denis Graça, MC Acondize, Djodje, Vlú & Banda, Marisia & Johnny Ramos, Dino d’Santiago, Lisbon Street, Kings & Dudu Araújo, este vindo do Canadá, onde reside há vários anos. 

Além de Ivete Sangalo, os artistas internacionais confirmados são: Romain Virgo (Jamaica), Richie Campbell (Portugal), The 911 Band (Zouk Hit), Tayc (França), C4 Pedro e Toy Toy T-Rex (Angola). 

A cargo fundamentalmente da Câmara Municipal, com apoio de privados, até o fecho desta edição, a organização não divulgou os custos envolvidos, o que, para variar, tem ajudado a alimentar a desconfiança entre os mindelenses. “Queremos saber para onde está indo o nosso dinheiro. É um direito nosso como cidadãos”, ouvimos de um munícipe, sob anonimato. 

Patrícia Karantonis

Prestigiar Baía das Gatas 

Contudo, como é habitual, da mesma forma que há críticas, há também quem veja na oferta musical uma forma de prestigiar o Baía das Gatas, que, ao fim de 40 anos, continua a ser o festival mais famoso e emblemático de Cabo Verde, e essas coisas têm custos. 

 “Este festival é uma vitrine para Cabo Verde. Trazer nomes de peso ajuda a colocar o país no mapa e atrai visitantes que gastam dinheiro aqui, beneficiando todos”, argumenta um comerciante local, também sob anonimato. 

Patrícia Karantonis, que actualmente gere um empreendimento turístico, compartilha dessa visão positiva. “Os benefícios são imensuráveis para o comércio, hotelaria e turismo, restauração, bares e cafés, além das barracas e das vendedeiras ambulantes, as ‘senhoras de balaio’, que vendem para o seu sustento”, disse. 

Karantónis, que assistiu aos primeiros festivais antes de emigrar para os Estados Unidos e retornou 15 anos depois, elogia a evolução do “Baía das Gatas” ao longo dos anos. “Sinto uma movimentação diferente nas ruas do Mindelo, trazida pelos emigrantes em férias, pelos turistas e pelos residentes, que dão aquele ‘vibe’ dos são-vicentinos”.

E conclui: “Eu que trabalhei com a Cesária Évora, sei que não é fácil organizar eventos desta natureza, pelo que reconheço o trabalho notável que a organização do festival tem feito ao longo destes anos todos”.  

Tudo a postos 

Numa ronda do A NAÇÃO ao local do festival no último domingo deu para perceber que a organização já tem tudo preparado: o palco montado, as estruturas para restaurantes e barracas, os parqueamentos, as instalações sanitárias e até a pintura das paredes de proteção da estrada que vai da rotunda da Ribeira Bote até à Baía. 

A dualidade de opiniões, como é tradição das gentes do Mindelo, reflecte a complexidade de organizar um evento desta magnitude. Enquanto uns vêem no festival uma oportunidade de celebração e crescimento, outros enxergam uma gestão questionável dos recursos públicos. Isto é, se não haverá outras necessidades e urgências onde investir o dinheiro de que tanto se reclama. 

O que é certo é que, independentemente das críticas, o Festival da Baía das Gatas continua a ser um marco cultural e social para São Vicente, reunindo pessoas de todas as partes para celebrar a música, a cultura e a convivência. 

Agosto de 1984-2024, 40 anos de Baía das Gatas 

O Festival de Música da Baía das Gatas teve sua primeira edição em 18 de Agosto de 1984. Inicialmente, começou como um encontro de amigos músicos que se reuniam para compor e tocar. A ideia era criar um evento que retirasse a população do Mindelo de suas casas, uma vez por ano, durante dois dias no mês de Agosto, no período da lua cheia. 

Aposta ganha, com os anos, a ideia espalhou-se depois por todo o arquipélago. Num país tido por musical por natureza, hoje, rara é a ilha ou o município que não tenha o seu festival, garantindo assim trabalho a centenas, para não dizer milhares, de artistas, operadores e outros agentes ligados à cultura que contam com este tipo de eventos para mostrarem a sua arte e trabalho. 

Com passar dos anos, o Baía das Gatas cresceu significativamente, tornando-se um evento de referência internacional. A cada edição, além da prata da casa, há músicos de vários lugares do mundo, com uma programação que inclui ritmos diversos, desportos náuticos e diversas actividades culturais.

A edição de 2024, que marca os 40 anos do Baía das Gatas, promete ser uma das mais memoráveis, com uma programação diversificada e a presença de artistas renomados. Ela começará na próxima quinta-feira, 15, e prolongar-se-á até domingo, 18 de Agosto.

 

João A. do Rosário

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