Adriano Santos, 62 anos, músico mindelense emigrado nos Estados Unidos da América, está de volta a São Vicente, com vários projectos para o desenvolvimento da música. O mais jovem de sempre a actuar na Banda Municipal dessa ilha, Adriano lamenta o estado de abandono em que a instituição se encontra actualmente.
A NAÇÃO: Adriano, sabemos que você começou sua carreira musical muito jovem. Pode nos contar um pouco sobre essa trajectória?
Adriano Santos: Eu comecei na Banda Municipal de São Vicente com apenas 12 anos de idade. Foi uma experiência incrível e que serviu para me abrir muitas portas. Depois, toquei em vários agrupamentos musicais, como o Progresso, Kings e Grito d’ Mindelo, inicialmente como trompetista e, mais tarde, troquei esse instrumento por saxofone, onde realmente acabei por me destacar. Mas também participei, já agora, nas primeiras edições do Festival da Baía.
De volta a São Vicente, quais são seus planos?
Trouxe comigo vários instrumentos musicais de sopro, dos EUA, para, com a Câmara Municipal de São Vicente, revitalizar a Banda Municipal. Quero ensinar jovens que estejam interessados em aprender esses instrumentos. É a forma que encontrei para retribuir o muito que aprendi com a Banda Municipal, fui aluno do Jotamont, do Luís Morais. Infelizmente, agora, com o meu regresso, encontrei a Banda Municipal num grande estado de desorganização e abandono que não condiz com a instituição onde aprendi a tocar. Lamentavelmente também, mesmo querendo oferecer o que tenho, não encontro interlocutor. E é com tristeza que o digo.
Mas porquê?
Até agora, não consegui o apoio necessário da Câmara Municipal, liderada por Augusto Neves, que não respondeu sequer às minhas solicitações de projectos anteriores. Devido à inércia da Câmara, acabei por me desfazer dos instrumentos que eu trouxe. É desanimador ver a Banda a funcionar com apenas cinco músicos e sem uma orientação adequada. Uma instituição tão antiga, orgulho de São Vicente, ser deixada no estado em que se encontra, é coisa que me custa a compreender e a aceitar. No mínimo é um desrespeito à memória dos seus fundadores, Nho Reis, Jotamont, Luís Morais, entre outros, que tudo fizeram para São Vicente ter o lugar que ocupa na música em Cabo Verde. Ora, isto não foi por acaso, acima de tudo, a Banda Municipal foi sempre um viveiro de artistas, tradição que gostaria de retomar.
Você mencionou o Festival da Baía das Gatas. Qual é a sua opinião sobre o evento?
Eu não compreendo a fortuna que se gasta com um festival, com a Banda Municipal no estado em que se encontra. É um absurdo gastar tanto dinheiro com uma artista internacional, como Ivete Sangalo, quando temos tantos músicos talentosos aqui, em Cabo Verde, que merecem essa oportunidade.
Mas é lamentável também que, mesmo comemorando os 40 anos do festival, não haja sequer uma abertura feita pela Banda Municipal ou uma alvorada no último dia, que coincide com a data do primeiro festival, 18 de Agosto. A Banda era tão organizada que tocava em todos os grandes eventos de São Vicente. Hoje, isso não acontece mais.
Você vê alguma esperança para a revitalização da Banda Municipal?
Se a Câmara Municipal, que é a entidade mais interessada, continuar a ignorar essa situação, não vale a pena insistir. Mas se ela mudar de posição, sem politiquices pelo meio, estou aberto a retomar o projecto de revitalização, caso surgir um convite para dirigir a Escola da Banda Municipal de São Vicente. Farei isso por obrigação moral, porque a minha dívida com a Banda é grande.
E como você vê o desenvolvimento da música em Cabo Verde actualmente?
No geral, estou satisfeito com o rumo do desenvolvimento da música em Cabo Verde. A aprendizagem hoje é muito mais fácil devido à digitalização e às novas tecnologias. Hoje tudo está na internet e podemos encontrar aulas nas plataformas onde as pessoas possam aprender todos os tipos de instrumentos.
No entanto, apesar dessa evolução, os instrumentos de fôlego ainda enfrentam desafios, no nosso caso, devido à decadência da Banda Municipal de São Vicente. É de grande importância de aprender a tocar através da pauta e de tocar afinado, seguindo o conselho do saxofonista Totinho, falecido recentemente. Também, os instrumentos musicais devem ser de qualidade, o que, do ponto de vista financeiro e pessoal, pode ser um desafio para muitos. As pessoas têm de levar várias horas de treino para se aperfeiçoarem aos seus instrumentos, daí a importância de ter a Banda Municipal a funcionar.
Alguma mensagem final para os leitores?
Quero lembrar das alvoradas da Banda Municipal no dia 1º de Janeiro, que davam boas-vindas ao novo ano pelas ruas do Mindelo. Este ano, isso não aconteceu porque os cinco elementos da Banda exigiram contrapartidas financeiras, algo que nunca existiu na filosofia da Banda. Existiu sim o que tradicionalmente se chama de “Jorge de bom consciência”, as ofertas que a população ia dando, de livre vontade. Espero que possamos resgatar essa tradição e revitalizar a música em São Vicente. E para isso, reitero, estou disponível a colaborar.
Quem é Adriano Santos?
Adriano Santos, 62 anos, assume-se como mindelense de gema. O pai, Pedro Carpinteiro, foi baixista da Banda Municipal. “Muito cedo, ele me entregou ao Sr. Patrocínio Sequeira para me ensinar trompete”, conta. Também aprendeu com os falecidos Jotamonte e Luís Morais.
Estudou Construção Civil na antiga Escola Técnica do Mindelo e trabalhou como responsável de manutenção na antiga Escola Náutica em São Vicente, antes de embarcar para os EUA, de onde acaba de regressar.
Integrou os antigos grupos Progresso, do bairro da Chã de Alecrim, além dos agrupamentos Kings e Grito d’ Mindelo. Tocou em todas as edições do Festival da Baía das Gatas, da primeira à sétima. É por isso um dos fundadores daquele que é tido como o mais importante festival musical de Cabo Verde. “Quando começávamos, não fazíamos ideia do que estava a caminho”, afirma.
“Com meu irmão Nhela Santos, gravei três discos no projecto Reencontro, pois, na hora de emigrar, cada um seguiu para um país diferente e nos encontramos nos EUA para gravar. Individualmente, gravei o projecto Saxofonia com Kino Cabral, Mirri Lobo, Dany Mariano, Rui de Pina, Grace Évora, Belinda e Dudu Araújo. Participei no mais recente single de Grace, ‘Mandamentos’, que está em promoção”.
“Meu irmão e eu tocamos em vários funerais, contribuindo para uma mudança de paradigma no acompanhamento fúnebre. Evitávamos os ‘funerais ditos comerciais’, sem sentimento, apenas por dinheiro. Éramos chamados pelos familiares, às tantas, a nossa fama surgiu e outras pessoas passaram a fazer questão que fossem os irmãos Santos a tocar nos seus funerais. Tocávamos várias rapsódias de mornas, desde a casa da pessoa falecida até ao cemitério. Antes, tocava-se ‘Djosa Quem Mandob Morré’, até chegar ao cemitério, e lá, na hora de dar o corpo à terra, tocava- -se a morna Partida”, explicou.
João A. do Rosário
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 884, de 08 de Agosto de 2024