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Convidados

Desagravo

Por: Mário Anselmo Matos

Carlos Filipe Gonçalves tem vindo a desenvolver um aturado e minucioso trabalho de pesquisa, de anos, sobre a nossa Música nos seus variados géneros, seus compositores, intérpretes, agrupamentos, etc. Na “Apresentação” da sua obra monumental, KAB VERD BAND AZ – MÚSICA & TRADIÇÕES, o Autor sintetiza a natureza e o objecto da obra, do seguinte modo: O título pode levar à ideia de um simples “Who is Who”, mas não! Este livro é também: “o que é”; “onde”; “como”; “porquê”; e muito mais! (SIC).

Por sua vez, o investigador, sociólogo e musicólogo, César Monteiro no Prefácio da obra afirma (…) este livro de Carlos Gonçalves perfila-se como autêntico Dicionário Enciclopédico da Música de Cabo Verde, para, mais à frente, rematar, (..) Seja qual for a designação terminológica que se queira atribuir à compilação e sistematização de informações ligadas ao valioso património do heterogéneo e vasto campo musical cabo-verdiano, está-se perante uma obra de referência e de consulta incontornável, garantida pela sua originalidade, dimensão e riqueza informativa sem precedentes na historiografia nacional.

Uma obra com essas características únicas e de Autor com esse perfil, como compreender um “lapso”, chamemos-lhe assim por enquanto”, na entrada dedicada ao agrupamento musical “Caites” ou “Os Caites”. Explico-me: na referência a esse agrupamento na obra Kab Verd Band do mesmo Autor, em edição do Instituto do Arquivo Histórico Nacional, Praia, 2006, constatei que o nome de Mário Rui da Rocha Matos tinha sido puramente apagado como integrante desse Grupo Musical. Fiz notar isso ao Autor, informando-o que Mário Rui MCP Maiúca, tinha sido fundador e mentor de “Os Caites”.

 Aguardei por uma versão atualizada em que se reporia a verdade dos factos, fáceis de comprovar.

Tal não é o meu desencanto e estranheza nessa insistência por parte o Autor, ao notar que na obra recente de 2023, o nome de Mário Rui, continuou completamente ignorado!

Antes de prosseguir, manda a honestidade intelectual fazer uma declaração de interesse: sou primo-irmão do Maiuca, este filho de Evandro de Matos, jornalista, cronista,  o Evandrita dos Mosaicos Mindelenses do jornal  Arquipélago, já para não citar o homem da rádio, a Rádio Clube Mindelo que pontualmente abria às seis horas de manhã, onde muitos e competentes jornalistas se formaram em contacto direto com o saber-fazer e o saber-ser de Evandro de Matos. 

Porque decidi resgatar Mário Rui Matos desse ato de apagamento da história de “Os Caites” que faz lembrar as fotos do PCC que reviam as fotos dos membros do Beureau Político que tinham caído em desgraça, eliminando-os do original?

Foto amavelmente cedida pelo Jorge Borges. “Os Caites” provavelmente em S. NIcolau. Mário Rui, o primeiro à esquerda, de braços abertos.

Pela simples razão de Mário Rui Matos ter sido cofundador e co-mentor do agrupamento, juntamente com Jorge Borges!

Não se trata, pois, de um integrante que tenha passado pelo Grupo Musical para substituir momentaneamente este ou aquele membro que emigrou ou foi continuar os estudos, citados na Entrada dedicado a esse conjunto. Seria falha menos grave se o Autor tivesse olvidado o nome de um desses integrantes “de passagem”, chamemos-lhe assim.

A Omissão é tanto mais grave e inexplicável ou melhor que cabe ao Autor explicar, por se tratar de alguém com esses papéis fundamentais! 

Se tivesse alguma dúvida da veracidade (?) das minhas informações, porque não consultou Jorge Borges, a mão de semear, ou Benjamin Lima MCP Peixoto ou o Carlos Rocha, Aquele disse-me que estando um dia numa aula no Liceu Gil Eanes, veio um contínuo informando que estava alguém que queria falar-lhe. Pediu licença foi ter com a pessoa, era o Maiúca que o foi convidar para ser baixista de “Os Caites”. Note-se que Mário Rui nem era aluno do Liceu. Tinha feito o Curso de Serralharia Mecânica da então Escola Industrial e Comercial do Mindelo, vulgo Escola Técnica. Só um fundador do Grupo poderia ter desempenhado esse papel, ademais por não ser do mesmo estabelecimento de ensino do convidado, o que pressupõe que Mário Rui procurou-se informar de quem poderia servir o conjunto nesse instrumento. O Autor teve a oportunidade de se informar junto do Benjamin Lima do papel do Mário Rui. Pelos vistos, também, não o fez…

Mas, a trajetória intelectual ligada à música de Mário Rui da Rocha Matos, revela-nos uma biografia em que a fundação de “Os  Caites” não é um mero rompante de adolescência!

Mário Rui tinha traços de sobredotado. Aprendeu a ler sozinho, como aconteceu com os instrumentos que tocava, gaita de beiços e viola ritmo. 

Colocado em Luanda como Adido Cultural da Embaixada de Cabo Verde, dedicou-se a estudos de etnomusicologia, com várias publicações em Revistas Culturais. Defendeu uma Tese nessa área, na Áustria, tendo sido orientado pelo Professor Universitário, Gerhard Kubik, antropólogo, clarinetista, musicólogo, etnomusicólogo.

Maiúca, deixou o Grupo em 1969, para continuar os estudos em Portugal, onde integrou o Orfeão da Procuradoria dos Estudantes Ultramarinos.

Mário Rui da Rocha Matos sofria de bronquite asmática, que o vitimou devido a um ataque cardíaco provocado por essa patologia, com quarenta e quatro anos de idade.

Fica aqui um esboço biográfico de Mário Rui, que demonstra, repetimos, que a sua condição de cofundador e co-mentor de “Os Caites” juntamente com o seu amigo de infância, Jorge Borges, não se tratou de um mero arroubo juvenil.

Lá onde estiveres, meu primo amado, que a Luz te acompanhe sempre! 

Alfornelos, 13 de Fevereiro de 2024

 

1 GONÇALVES, Carlos Filipe, KAB VERD BAND AZ, MÚSICAS & TRADIÇÕES, Edição do Autor, 1ª ed. Junho de 2023, Praia

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