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Contra os golpes de Estado na África: Reavivar o PAN-Africanismo e processo democrático no continente

Por: Fidel Cardoso de Pina

A democracia africana está ainda em construção. É uma longa jornada de lutas, desafios, sacrifícios, resistências, conquistas, avanços e retrocessos. A África é hoje um palco de trágicos golpes de estado que fragiliza cada vez mais a consolidação da democracia. A corrupção, a má gestão dos bens públicos, a pobreza extrema e influências internas e externas, são, de acordo com vários estudos e analistas sociais, algumas das causas deste fenómeno que parece ser um mal crónico. Isto resulta de um poder político e de uma elite militar que não interiorizaram o princípio do Estado do Direito Democrático e de que as Forças Armadas têm como missão defender o respetivo país, mas não derrubar o regime constitucional legitimado pelo voto popular – o que, muitas vezes, leva a derramamento de sangue.

Nos meados do século XX, o nosso continente começou um processo de independência das potências coloniais, para logo ser apanhado em séries de conflitos políticos, disputas territoriais e guerras civis. Os golpes de estado, prática recorrente, são sempre justificados como resposta à corrupção, à má governança e à pobreza. Contudo, muitos países tentaram erguer estados que beneficiasse e inspirasse o seu povo, mas foram sabotados pela interferência política indireta das antigas potências coloniais. Enquanto os líderes golpistas apontam para problemas endêmicos internos, a persistente interferência externa – principalmente das antigas potências colonizadoras e das superpotências – faz do continente um campo de disputa e adiciona mais camadas de complexidade ao cenário político.

A África subsaariana, particularmente, é alvo constante de interesses externos. As influências internas das elites africanas e as influências externas das potências neocoloniais na gestão dos novos estados levaram ao assassinato de líderes nacionalistas e pan-africanos que foram cruciais nos processos das independências, entre os quais cito o inigualável Amílcar Cabral (Guiné-Bissau e Cabo Verde), Thomas Sankara (Burkina Faso), Patrice Lumumba (Congo), Sylvanus Olympio (Togo), Murtala Ramat Muhammed (Nigéria), Muammar Gaddafi (Líbia) e Kwame Nkurumah (Gana) que foi exiliado, acabando por morrer na Guiné Conacri. Praticamente todos os líderes que defendem autossuficiência e coesão pan-africana acabam destruídos. É bom observar que a forma de liderança de algumas das pessoas citadas é bem controversa, mas todos têm como denominador comum a influência externa na sua morte.

Em toda África Subsaariana em 65 anos, contam-se mais de 80 golpes de estado. De acordo com CNN Brasil, houve 108 tentativas de golpes fracassados entre 1956 e 2001. Houve, contudo, uma diminuição de golpes durante uns tempos, mas de 2001 até agora houve sete golpes de estado: Chade (21.abr.2021), Mali (24.mai.2021), Guiné Conacri (5.set.2021), Sudão (25.out.2021), Burkina Faso (30.set.2022), Níger (26.jul.2023) e finalmente no Gabão (30.ago.2023). Só no país irmão, Guiné-Bissau, contam-se mais de uma dezena de golpes, de tentativas e de acusações de tentativas de golpes de estado. O primeiro golpe (14.nov.1980) foi feito pelo comandante Nino Vieira, que derrubou Luís Cabral, e o último, uma alegada tentativa de golpe de estado (1.dez.2023), resultou na queda do parlamento e do governo eleitos.

Hoje por toda a África, de acordo com as pesquisas, a corrupção está em ascensão, enquanto a confiança nos governos para combater esse problema diminui. O medo de retaliação ao denunciar a corrupção revela uma profunda descrença nas instituições, sinalizando que o nosso povo africano as vê como participantes ativas na corrupção. Enfrentar esse problema exige não apenas a participação ativa e efetiva da população, especialmente dos jovens, na promoção de valores democráticos. Também requer que os países africanos defendam os seus interesses soberanos contra influências externas, melhorem a sua economia e a cooperação entre si, e que trabalhem o pan-africanismo. 

Amílcar Cabral falava de independência económica, política e cultural, defendia a cooperação entre os países africanos para desenvolver as suas economias e controlar os seus próprios recursos naturais, em vez de permitir serem explorados por empresas estrangeiras. Só assim podem ser independentes e podem praticar solidariedade global e ajudar outros países em necessidade. A unidade africana é o caminho para a autodeterminação e independência verdadeira.

Não aceito de forma alguma que este é um problema sem solução, por isso, apresento aqui algumas possibilidades:

1. Apostar na mobilidade – intelectual, artística e económica -, abrir as fronteiras, estreitar laços entre os países, as universidades e as instituições culturais, para que os nossos jovens circulem e tenham mais consciência e mais conhecimentos sobre os próprios países e sobre outros países africanos, considerando que hoje parecem estar mais informados sobre as últimas modas na Europa e nos Estados Unidos do que qualquer outra coisa. 

2. Formar uma elite política informada e reformada, resistente à corrupção e dentro de um conceito do pan-africanismo, tal como defendia Amílcar Cabral.

3. Pressionar os governos a implementar programas de desenvolvimento, que observem a sustentabilidade e a proteção do ambiente – em vez do enriquecimento rápido da camada governante -, criando políticas de transformação dos recursos naturais internamente.

4. Potenciar a cooperação pan-africana e internacional, defendendo com sabedoria os interesses como estados soberanos e independentes.

5. Diversificar cada vez mais a gestão pública e política, abrir espaços para mulheres e jovens.

A tragédia dos golpes de estado em África só mostra a fragilidades das instituições democráticas e da coesão social no continente, aniquilada pela extrema pobreza. Muitos já perguntaram e eu também o faço aqui: como é que um continente que não fabrica armas de fogo se vê constantemente assolado por esse problema? 

Não podemos continuar manchados de sangue e de desesperança, repito, é preciso uma participação ativa dos jovens, investindo na cultura e na educação, para romper as correntes de influências externas que conspiram contra a democracia e a estabilidade africana. Somente através de uma conjugação de esforços internos – correndo o risco de ser paranoico – podemos estreitar as fileiras e diminuir as influências externas que não deixam o continente renovar-se.

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