Por: João Serra*
O ano de 2023 termina com a notícia da morte, aos 99 anos, de Robert Merton Solow, Prémio Nobel da Economia em 1987 e um dos economistas mais importantes do século XX. Os seus “papers” e livros ainda hoje são referências obrigatórias nos meios académicos de vários países. Foi professor de outros reputados vencedores do Prémio Nobel da Economia como, George Ackerlof (2001), Joseph Stiglitz (2001), Peter Diamond (2010) e William Nordhaus (2018).
Solow ficará eternizado pelo seu famoso e pioneiro modelo de crescimento económico, que segue como referência básica para qualquer discussão sobre o tema, além de ter a genialidade de ser extremamente simples e muito completo. Foi também galardoado por ter sugerido uma metodologia para medir o contributo da tecnologia para o crescimento económico – a chamada contabilidade de crescimento. No seu modelo, só há crescimento a longo prazo com acumulação da tecnologia.
Solow era um jovem professor no MIT, nos anos 1950, quando expôs a sua crítica a ideias contidas no modelo Harrod-Domar de crescimento económico. O modelo é assim chamado pelo facto de Roy Harrod e Evsey Domar terem desenvolvido hipóteses semelhantes sobre a matéria, em 1939 e 1946, respetivamente.
No modelo Harrod-Domar, o crescimento económico é função direta da acumulação de capital, com a conjugação de poupança e investimento, fatores considerados como sendo constantes. Como uma relação de igualdade entre constantes só ocorreria por um grande acaso, esse equilíbrio frágil (de “fio de navalha”, na expressão do próprio Solow) levaria a ciclos permanentes, alternando períodos de crescimento desenfreado com outros de crise acentuada. Os períodos de elevado crescimento seriam caraterizados por falta de mão-de-obra (e inflação), enquanto os de crise acentuada seriam pontuados por desemprego (e recessão).
Em fevereiro de 1956, Solow fez uma revisão do modelo Harrod-Domar e publicou o artigo “A contribution to the theory of economic growth”. Nesse seu modelo, as economias crescem de modo relativamente estável no longo prazo, tal qual já se sabia. Todavia, ele acrescentou um detalhe essencial, detalhe esse que responde por grande parte desse crescimento económico de longo prazo – o progresso técnico, que, na época, Solow considerou um fator exógeno.
Assim, no modelo de Solow, só há crescimento a longo prazo com acumulação da tecnologia. Ou seja, tal crescimento é função dos fatores de produção capital e trabalho, multiplicados por um fator atribuído à tecnologia.
Efetivamente, o conhecimento tecnológico é central para gerar retornos crescentes à escala na produção, por um lado. Por outro, por ter uma natureza de não-rivalidade a tecnologia pode ser, em qualquer momento, copiada e adotada livremente por qualquer pessoa.
Assim, com a acumulação da tecnologia, aliada a rendimentos constantes à escala e rendimentos decrescentes dos fatores rivais (trabalho e capital), estariam criadas as condições para que todos os países convergissem para os níveis de rendimento das nações mais produtivas, passando, a partir daí, a crescer a uma taxa exógena de progresso técnico.
Solow foi criticado por não explicar como a economia consegue mobilizar recursos para que essa acumulação possa ocorrer, o que gerou uma vasta investigação sobre a produção de conhecimento tecnológico e a sua importância para o crescimento económico de longo prazo. Da sucessão de análises posteriores, chegou-se à mesma conclusão: sem progresso científico não há um aumento continuado do produto (PIB).
É nesse contexto que, em 1986, Paul Romer apresentou a ideia de que o conhecimento pode ser um fator produtivo (não-rival) que impede os rendimentos decrescentes dos fatores rivais. E foi precisamente por ter desenvolvido os chamados modelos de crescimento endógeno que Romer viria a ser, em 2018, laureado pela Academia Sueca com o Prémio Nobel da Economia. Nesses modelos, a inovação tecnológica, ou seja, o surgimento de novas ideias é conduzido por decisões económicas.
Em 1993, Robert Lucas, também laureado com o Prémio Nobel da Economia em 1995 e, tal qual Solow falecido em 2023, estendeu o modelo de Solow com a inclusão da acumulação do capital humano.
A acumulação do capital humano passou, então, a ser considerada como fator de produção endógeno, ou seja, como fator central, colocando, em primeiro plano, a investigação sobre o papel do contexto institucional no processo de desenvolvimento económico.
De igual modo, Solow é criticado por a teoria de convergência estrutural entre o bem-estar económico dos países não ter sido, até hoje, validada pelos dados empíricos. Tal poderá justificar-se com a qualidade das instituições enquanto um requisito básico para o sucesso económico e o progresso a longo prazo, na linha do pensamento dos economistas Acemoglu e Robinson já tratado aqui num dos meus artigos anteriores.
Seja como for, Solow deixou-nos um legado que perdurará no tempo, apesar de algumas limitações ao seu modelo teórico. Por isso, a ciência económica é-lhe eternamente grata.
E quais são os determinantes do crescimento da economia em Cabo Verde à luz do modelo de crescimento estendido de Solow?
Antes de mais, convém referir que, de entre as conclusões fundamentais do modelo de Solow, destacam-se:
No curto prazo, taxas de poupança maiores permitem crescimento acelerado ao propiciarem maior investimento em capital.
No longo prazo, o crescimento económico depende apenas de avanços na forma de combinar capital e trabalho – a chamada produtividade total dos fatores.
Os aumentos de produtividade devem-se a avanços técnicos, como mudanças tecnológicas.
Posteriormente, outros economistas, dentre eles Romer e Lucas, incorporaram no modelo o papel do capital humano como fator endógeno.
Transportando esses “drivers” de crescimento para Cabo Verde, vale aqui referir que num “paper” relativo aos determinantes do crescimento da nossa economia, elaborado, em 2019, por uma das mais qualificadas e competentes macroeconomistas de Cabo Verde, Dr.ª Lágida Monteiro (quadro do BCV), analisou-se o papel do investimento, trabalho e capital humano na explicação da taxa de crescimento no longo prazo, tendo concluído, resumidamente, o seguinte:
O investimento, o trabalho e o capital humano afetam positivamente a taxa de crescimento no longo-prazo. A variável com maior impacto no crescimento, na relação de equilíbrio de longo-prazo, é o investimento. No entanto, quando somados os efeitos de longo-prazo do trabalho e do capital, o impacto conjunto destas duas variáveis supera o efeito positivo do capital físico, o que evidencia a importância da aposta no capital humano para potenciar os efeitos positivos da força laboral nacional.
O resultado para a “dummy” do ambiente político de 1990, certamente o mais tenso desde a independência de Cabo Verde, é muito interessante. Um ambiente político semelhante ao de 1990 afeta negativamente a taxa de crescimento económico em 2,06 por cento. Mais, com um impacto negativo no crescimento superior a qualquer um dos impactos positivos das variáveis explicativas endógenas do modelo, este efeito negativo corrobora os resultados do inquérito de Petrakos et al. (2009) que sugerem que a estabilidade política é a variável mais importante para o crescimento nos países em desenvolvimento.
A aposta na formação de capital humano, primeiro fator determinante de crescimento económico identificado a nível mundial pelo inquérito de Petrakos et al. (2009), deve ser forte e contínua, realizada dentro e fora das fronteiras do território nacional. Isso porque o conhecimento e as competências (valores e atitudes) de elevado valor agregado, gerados pela acumulação do conhecimento, viabilizam a realização de investimentos de nível tecnológico superior, geradores de postos de trabalho qualificados e de crescimento no longo-prazo.
Praia, 21 de janeiro de 2024
*Doutor em Economia